Crítica
Ouvimos: Turnstile – “Never enough”

RESENHA: Em Never enough, o Turnstile mistura hardcore, emocore e pop futurista num disco emocional, ousado e cheio de surpresas que fogem do óbvio.
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Provavelmente Never enough vai estar em boa parte das listas de melhores álbuns de 2025, coroando um trabalho muito bem feito do Turnstile – o quinteto do Baltimore vem fazendo o possível e o impossível para tirar o hardcore do gueto, e hoje há fãs de música pop, e de hip hop que são fãs do grupo. Por “tirar do gueto”, entenda-se que quando estilos como hardcore e hardcore melódico começam a ficar mais famosos, acontecem algumas anomalias – bandas como Blink-182, por exemplo, acabam chamando mais a atenção de caras de 30, 40 anos que não quiseram crescer.
O Turnstile, surfando uma onda que vai para os lados do hardcore, do emocore e da experimentação, decidiu apostar na conexão com um público que quer ter uma experiência emocional com a música. Tanto que as músicas de Never enough têm mais a ver com a mistura de estilos e épocas do hyperpop (e por consequência, com Charli XCX) do que com a dureza e a crueza de um dos desdobres mais radicais do universo punk. E vale citar que além de tudo, ele é um álbum visual dirigido pelo vocalista Brendan Yates e do guitarrista Pat McCrory, que reúne as 14 faixas do álbum em uma imersão audiovisual contínua.
A política de Never enough, vale dizer, é a dos sentimentos, do respeito ao processo, da vontade de cortar laços com o mundo. Isso aproxima o Turnstile de grupos como The Cure, Smashing Pumpkins, até de Legião Urbana – e musicalmente, toques ligados ao indie pop surgem aqui e ali no novo disco. Climas espaciais e ondas art rock transformam Never enough, a faixa-título, numa espécie de emo ambient em que a banda fala sobre carências e vulnerabilidades (“nunca baixe a guarda / onde quer que você vá”, “amor nunca é o suficiente”). Sole, aberta em clima próximo do metal, e prosseguido com uma das maiores tradições do hardcore, os vocais “de torcida”, prega: “firme enquanto você flutua / você está melhor sozinho”. E fala sobre as lições do “deixar ir”.
- Temos episódios do nosso podcast sobre The Cure e Smashing Pumpkins
- Ouvimos: Smashing Pumpkins – Aghori mhori mei
- Ouvimos: The Cure – Songs of a lost world
É nessa mescla de união de elementos musicais e de manual de sobrevivência jovem na selva que Never enough se sustenta, partindo para uma união de emo e Smiths (com tontons de bateria dos anos 80!) em I care. E depois para uma curiosa união entre hardcore e afropop latino (quem no Brasil faria um som desses?) em Dreaming. Por outro lado, há momentos em Never enough que as coisas parecem bem estranhas – ou talvez mal coladas. Sunshower é um hardcore melódico com final falso e parte 2, com synths e flautas tomando à frente. Look out for me, emo-ambient de seis minutos que surgiu como single, dá a impressão de algo que precisava MUITO de edição, com uma “parte eletrônica” que surge lá pelas tantas.
Mais: vibes herdadas do lo fi e do krautrock tomam conta de Dull e Light design. Sons que lembram The Police e o começo de Sting solo batem ponto em Seein stars – música que herdou muito também do balanço de David Bowie e Michael Jackson nos ano 1980. De qualquer jeito, para fazer um suposto agradinho aos fãs antigos, o lado “hardcore feroz” do grupo surge em Birds e Slowdive, enquanto Time is happening é puro punk pop melódico.
A face inusitada do Turnstile volta a bater ponto em Ceiling, faixa de 1:13 que parece uma vinheta do Daft Punk ou do Massive Attack com participação do Turnstile. Magic man, que encerra o disco, é tudo que os fãs do grupo talvez não esperassem. E também é uma mostra de que talvez os pais ou avós dos fãs do Turnstile também tornem-se fãs da banda: é uma faixa de teclados e voz que soa como um ABBA progressivo, ou como o Alphaville de Forever young. Tudo isso faz de Never enough um disco sobre risco, doação, ganhos e perdas – e transforma o Turnstile numa banda bem diferente de quase todas as outras.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Roadrunner
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Lana Del Rabies – “Omnipotent fuck”

RESENHA: Projeto solo de Sam An, Lana Del Rabies cria em Omnipotent fuck um noise demoníaco e visceral, mistura de ritual, grito e salvação pelo barulho.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Feral Crone Recordings
Lançamento: 7 de novembro de 2025
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Disquinho bom pra ouvir depois da meia-noite, esse. Lana Del Rabies não é uma banda – é o codinome usado pela musicista Samanta Angulo (que também reduz o nome verdadeiro para Sam An), de Los Angeles. Lana Del Rabies, além da zoação explícita com a cantora Lana Del Rey, é um projeto de noise extremo, demoníaco, feito para aterrorizar.
Omnipotent fuck, quarto disco de LDR, faz lembrar aquela velha história de quando Jimmy Page (Led Zeppelin) comprou a Boleskine House, que pertencia ao ocultista Aleister Crowley, e botou um amigo para tomar conta da mansão enquanto se ocupava dos afazeres do Led. O tal amigo não apenas se mudou para lá como também levou a família – e de noite, com a esposa no quarto trancado à chave, ouvia os rugidos de um suposto “animal selvagem” à solta nos corredores da casa.
- Ouvimos: Ethel Cain – Perverts
Nas nove faixas de Omnipotent fuck, Lana une todo tipo de ruído maligno, de teclados ambient a percussões assustadoras – por sinal, num curioso espelho da trilha que o próprio Page fez para Lucifer rising, filme do cineasta do oculto Kenneth Anger. Soltando a voz, ela dá agudos, sussurra e também “é” esse animal selvagem, em tons guturais.
O disco abre com Tactical avoidance, uma porrada ambient satânica em que ela repete as palavras “isolamento” e “excesso”, ambas transformando-se em grito e em dor. Lá pelas tantas parece que um espírito maligno toma conta da faixa – espírito esse que se solta em Objective death e Consensual pain, faixa repleta de risadas que soam como algo ritualístico, e de gritos de dor.
O restante de Omnipotent fuck é basicamente o monstro da Boleskine House arranhando sua porta: Bedroom sores une “gritos”, “pecados” e a ordem “toque-me!” na letra, com direito a ruídos que lembram nada menos que (olha aí, ó) o interlúdio instrumental de Whole lotta love, do Led. Wisdom spit, a melhor do álbum, é tiro, porrada e obscenidade. Vulnerable package é totalmente desenvolvida nas sombras, com Lana berrando “estou prestes a ter a porra de um desmaio!”. Obedient master é post rock demoníaco e hipnótico.
No fim, a faixa-título recebe o ouvinte com um grito gutural, é trilhada no corredor da violência sonora, e tem tanto ruído que chega a doer no ouvido – encerrando c0m tudo rodando violentamente ao contrário. A salvação pelo barulho, pela vertigem e pelo esporro, ao alcance de um clique.
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Crítica
Ouvimos: Phil Lynott’s Grand Slam – “Orebro 1983”

RESENHA: Registro raro de Phil Lynott com o Grand Slam em 1983 mostra o líder do Thin Lizzy flertando com punk, pós-punk e reggae, em show na Suécia – sem deixar o som de sua antiga banda de lado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Cleopatra Records
Lançamento: 15 de agosto de 2025
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Com passagens por grupos de punk, pós-punk e new wave, o cantor, compositor, tecladista e guitarrista escocês Midge Ure nunca entendeu direito como é que ele foi parar justamente no Thin Lizzy, nomão do hard rock. Foi o que ele contou ao documentário Phil Lynott: Songs for while I’m away, sobre a história do líder da banda, que esteve em cartaz na edição 2021 do festival In-Edit. O fato é que o músico, que já estava até efetivado como vocalista no Ultravox, era amigo de Phil e foi chamado para ocupar guitarra e teclados no grupo entre 1979 e 1980, enquanto o grupo não arrumava um guitarrista fodão para o cargo.
Além de tocar no grupo nesse período, Midge também foi responsável por encher os ouvidos do amigo com novidades do synthpop, da música eletrônica e do pós-punk. Phil, que já andava interessadíssimo em punk rock, não apenas gostou do som, como também adotou essa sonoridade em várias músicas de seus trabalhos solo. Um pouco – mas só um pouco – disso vazou também para o Grand Slam, banda de curta duração que Phil montou em 1983 com dois ex-Thin Lizzy (Brian Downey, bateria, e John Sykes, guitarra solo) e outros músicos de sua banda solo.
- Relembrando: Thin Lizzy – Jailbreak
O Grand Slam não conseguiu contrato com nenhuma gravadora e limitou-se a fazer turnês pela Europa durante um ano – mas deixou várias demos e gravações ao vivo, nas quais se percebe que o som de Phil já estava encharcado de referências do punk, às vezes soando como um Sex Pistols motorbiker ou como um Motörhead menos bravio, cabendo também referências de reggae em vários momentos. O repertório incluía os hits solo de Phil e alguns poucos sucessos do Thin Lizzy – Whiskey in the jar, a balada Sarah, feita para sua filha mais velha, e (às vezes) The boys are back in town – pintavam no set list.
Foi nesse clima que a turma foi fazer um show em Orebro, cidade na Suécia, em 1983 – show esse que já foi diversas vezes pirateado, e ganhou resgate em vinil pelo selo Cleopatra Records. Orebro 1983 começa pela faceta mais tecnopop fake de Phil (Yellow pearl, por sinal uma parceria com Midge), segue com a roqueiragem de Old town e insere mais dois hits do TL no setlist (A night in the life of a blues singer e Still in love with you). Parisienne walkways, hit solo do ex-Thin Lizzy Gary Moore (chamada pelo sem-filtro Lynott de “Parisienne blowjob”, “boquete parisiense”), vem em clima de bluesão com viradas de bateria – se você detesta o som daquelas baterias eletrônicas Simmons, que pegaram mais que praga de piolho em creche lá por 1983, nem encare.
O som de Orebro 1983 mostra também que o The Police era ou uma influência, ou uma sombra, ou uma matéria de bullying para Lynott. O hit Solo in soho tem aquele mesmo clima de “europeus se metendo a fazer reggae” do Police. King’s call, outra música solo, tem argamassa roquenrol e clima pós-punk-reggae – lembra o som do Herva Doce. Já The boys are back in town é aberta com uma zoação feroz com Every breath you take – a banda toca a introdução do hit do Police, Phil parece sacanear a voz de Sting e em seguida avisa que se trata “apenas de uma introdução musical”. Para matar as saudades do comandante Phil.
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Crítica
Ouvimos: Canacut – “À mercê do tempo” (EP)

RESENHA: O Canacut mistura reggae, blues, rock e ritmos brasileiros num EP que une crítica social, feminismo e pegada noventista.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 30 de outubro de 2025
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Banda vinda da misteriosa cidade de Americana (SP), o Canacut une reggae, blues, rock, ritmos brasileiros e trip hop, numa mistura musical que volta e meia lembra a riqueza rítmica do rock brasileiro dos anos 1990. O EP À mercê do tempo também investe numa vibe punk e elegante, usada como atmosfera das letras, como no feminismo militante e aguerrido do stoner abrasileirado Desobedeça (que valoriza a ótima voz de Mila Barros) e nas anotações existenciais da faixa-título, um blues nordestino que se destaca no EP.
O Canacut oferece também um passeio rítmico em Não espere, música que passa por blues, metal, reggae e jazz, divididos em poucos segundos na mesma faixa – mas é uma mescla musical que nunca faz a banda perder o formato canção de vista. A suingada e concretista Corpo de concreto, no final, é grunge + samba sobre a desvalorização do ser humano em meio à selva de pedra, e sobre os abismos que separam os seres humanos num mundo cada vez mais desigual.
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