Cultura Pop
Type O Negative: o c (*) de Peter Steele na capa de “The origin of the feces”
Lembram do disco do Tom Zé, Todos os olhos, de 1973? Ele ficou famoso por ter na capa a foto de um suposto “orifício anal” coberto por uma bolinha de gude (enfim, era uma boca, mas a fama tá aí até hoje). E, bom, muita gente até hoje se choca com essa história. Mas o que essas pessoas não imaginam é que, comparado com a verdadeira chutada de balde que foi a imagem que ilustrou a capa de The origin of the feces, segundo álbum dos góticos nova-iorquinos do Type O Negative (1992), ele parece coisa da Adriana Partimpim…
https://www.youtube.com/watch?v=qa8cD0VfBII
Origin certamente poderia ser considerado o disco ao vivo mais caótico da história da música. O disco foi supostamente gravado no Halloween de 1991. A banda é registrada brigando com a plateia – que diga-se de passagem passa o “show” inteiro gritando “you suck, you suck!”. O grupo liderado pelo saudoso vocalista Peter Steele não leva nenhuma música até o fim e para a todo momento para fazer palhaçadas. Aliás, eles levam uma música até o fim sim: a faixa de abertura I know you’re fucking someone else. Essa música, por sinal, curiosamente consta no álbum de estreia Slow, deep and hard (1991) com o título Unsuccessfully coping with the natural beauty of infidelity.
Em Origin, o Type O Negative também leva covers de modo displicente e com as letras alteradas. Confira aí o que eles fizeram a Paranoid, do Black Sabbath, e a Hey Joe, clássico imortalizado por Jimi Hendrix – e rebatizado por eles de Hey Pete.
O fim do disco não poderia ser mais inusitado. Alguém pede para que a banda interrompa a apresentação e diz para o público evacuar o recinto, por causa de uma suposta ameaça de uma bomba no local! Bem, tanta insanidade até poderia fazer de The origin of the feces o mais bizarro álbum ao vivo de todos os tempos, se não fosse um pequeno detalhe. Tudo não passa de um teatrinho muito do fajuto!
Após o bem sucedido primeiro trabalho, a gravadora Roadrunner adiantou uma bela grana para gravarem um novo disco. Só que a banda preferiu gastar quase tudo com orgias, festas e drogas (não necessariamente nessa ordem). Com um orçamento ínfimo e tendo um prazo a cumprir, Peter Steele e seus fieis escudeiros tiveram uma saída bastante esperta. Trancaram-se no estúdio e gravaram todo o material ao vivo do jeito que deu – precariamente e em um take só. O grupo reaproveitou demos e inseriu no meio aplausos, vaias e xingamentos. O resultado é ridículo e caótico, mas – apesar ou por causa disso, confesso que não sei – divertidíssimo!
E claro: o pior de tudo sem dúvida é sua “icônica” capa que faz jus ao título e ilustra com perfeição o conceito que permeia a obra. E já que a capa do Tom Zé depois se revelou uma farsa, o que está aí é bem verdadeiro: é um close do c* do Peter Steele.
No encarte do disco, as fotos dos integrantes aparecem cobertas com o cocô de Peter Steele. Espero que você não vá almoçar agora.
Claro, a Roadrunner, por livre e espontânea pressão das lojas, precisou mudar a capa para a imagem de quadro de 1493 chamado A dança da morte, de Michael Wolgemut. E Peter Steele deve ter adorado a experiência exibicionista, já que pouco tempo depois posou nu para a revista Playgirl. E foi divulgar a revista num programa de auditório (você já leu sobre isso no POP FANTASMA).
Crítica
Ouvimos: Charli XCX, “Brat and it’s completely different but also still brat”
Vai chegar o momento em que as pessoas vão fazer como acontece depois de qualquer tipo de onda, e vão recordar a era de Brat, disco de 2024 de Charli XCX, com carinho, com afeição ou até como um barômetro de seu tempo. Assim como (e isso aconteceu até com os imitadores de Sgt Pepper’s em 1967/1968) muita gente vai se perguntar: “Como é que a gente foi achar legal esse negócio de um disco ter uma capa que até meu sobrinho de 7 anos poderia fazer no canva? Ou essas reedições com títulos engraçadinhos? E como tanta gente gostou disso?”
Enquanto isso não acontece – e vale citar que o dicionário Collins já escolheu “brat” como palavra do ano de 2024 – Charli XCX já aproveita para recauchutar seu sexto disco, lançado originalmente em 7 de junho, pela terceira vez. Já havia saído uma edição com três faixas a mais. E dessa vez, Brat and it’s completely different but also still brat transforma as dezoito faixas associadas ao disco numa verdadeira maratona. E numa festa.
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- Resenhamos Brat aqui.
O álbum duplo traz o material regravado, mudado e remixado por vários convidados, entre nomes novos e veteranos. Robyn e Yung Lean acrescentam seus versos e nomes a 360. Ariana Grande elenca as cascas de banana da fama em Sympathy is a knife, ao lado de Charli – com direito a frases ótimas como “é uma facada quando seu amigo começa de repente a pisar em você”, ou “é uma facada quando alguém diz que gosta mais da minha velha versão do que da nova/e eu penso: quem é ela, porra?”. Billie Eilish responde a Charli em Guess e marca presença no pop sáfico. Essas duas últimas são as únicas versões que valem como “grande e indispensável complemento ao original”.
Algumas coisas foram feitas propositalmente para desconstruir as noções de hit do original: I might say something stupid virou ambient nas mãos de Jon Hopkins e The 1975, e Bon Iver deu uma cara melancólica a I think about it all the time. O rapper sueco Bladee aumenta a lista de estresses da fama em Rewind, e Charli XCX confessa nos novos versos que acrescentou, que o dinheiro e a vida em Los Angeles (ela vive lá e em Londres) fizeram com que ela se tornasse “mais competitiva”.
Muita coisa no Brat reimaginado não influi nem contribui, mas não chega a ser ruim. Só que tem o lado chato, aliás chatíssimo: Julian Casablancas pegou Mean girls, uma das melhores músicas do disco, e transformou num indie-pop cagado com vocal de autotune, e a rapper espanhola BB Trickz diminuiu a velocidade de Club classics e só dá mais vontade de ouvir o original, mesmo. Por sinal, Brat and it’s completely different but also still brat vem com o Brat deluxe no disco 2, e reouvindo, dá para perceber o quanto o álbum de Charli é um hype dos mais justificados. Tem festa, sexo, doideira, vícios, saudade dos amigos, redes sociais, as nostalgias dos millennials, e um pop que vai do sombrio ao festeiro em pouco tempo – e de fato, é um barômetro comportamental de 2024, ou deveria ser.
Nota: 7
Gravadora: Atlantic.
Cultura Pop
No podcast, Sparks da pré-história à era de “Kimono my house”
Sparks, a melhor banda que você nunca ouviu, mas da qual já ouviu falar. Uma banda que na verdade é uma dupla – e uma dupla de irmãos. Russell Mael (o vocalista extrovertido) e Ron Mael (o tecladista introvertido de bigode) já atravessaram mais de cinco décadas fiéis às suas concepções de música e de espetáculo. Em discos como o clássico Kimono my house (1974), os Sparks fizeram pós-punk, new wave e synth pop antes do punk surgir – e adiantaram até mesmo o som do indie rock dos anos 2000.
E hoje no Pop Fantasma Documento, nosso podcast, você vai conhecer tudo que você sabe, não sabe e deveria saber sobre uma das bandas mais instigantes do mundo do rock, da pré-história até o auge. Ouça no volume máximo.
Século 21 no podcast: Immoral Kids e Dani Bessa.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Lou Reed, “Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965”
“Eu era uma Ellie Greenwich malsucedida, uma Carole King pobre”, descascava sem dó Lou Reed, sobre o período em que foi um projeto de hitmaker (um “futuro” hitmaker que não emplacava hit nenhum, enfim) no selinho norte-americano Pickwick, localizado em Long Island City. Uma etiqueta musical que fabricava imitações de sucessos das paradas, e tentava ganhar grana lançando tudo em singles e coletâneas cata-corno de baixo preço. Essa época ressurge dissecada na coletânea Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965, com 25 faixas nas quais Lou teve participação como compositor, intérprete ou as duas coisas.
Se for encarar as músicas de Why don’t you smile now todas de uma vez, vá com calma: o material tem bem pouco a ver com o que Lou Reed faria no Velvet Underground e nos primeiros anos de sua carreira solo – embora a composição de músicas para grupos vocais de garotos e garotas acabasse se tornando uma obsessão que iria pairar sobre vários álbuns importantes seus, inclusive New York, de 1989. Formado na Universidade de Syracuse, com planos bem mais ambiciosos em relação ao rock do que apenas fazer músicas por encomenda, e prestes a gravar as primeiras demos do que seria o Velvet Underground, Lou entrou para o time de compositores do selo Pickwick, ao lado dos colegas Terry Philips, Jerry Vance e Jimmie Sims.
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- Temos episódio do nosso podcast sobre Velvet Underground aqui.
- E dois episódios sobre Lou Reed aqui e aqui.
O selo já existia desde 1950, aliás resistiria bravamente até 1977 pirateando discos fora de catálogo (pôs nas lojas vários discos de Elvis Presley que estavam esgotados e deu muita dor de cabeça para a gravadora oficial do rei do rock, a RCA). E naquele momento tentava surfar simultaneamente várias ondas pop. The ostrich, por exemplo, era um tema bizarro que explorava os modismos inúteis do rock então em curso havia pelo menos dez anos. A faixa ensinava os passos da “dança do avestruz”, que consistiam em “você dá um passo para frente e então vira para a direita/você vira para a esquerda e põe seus pés para cima da sua esquerda” (!). A faixa, motivada por um modismo de roupas com penas de avestruz, foi composta pelo quarteto de compositores do selo, cantada por Lou e creditada a um grupo de proveta chamado The Primitives.
The ostrich geralmente é a faixa mais citada dessa fase por fãs roxos de Reed. Mas o material tinha bem mais: imitações de Jan & Dean (em Cycle Annie, creditada a The Beachnuts), pastiches de Phil Spector (como Love can make you cry, cantada por uma tal de Ronnie Dickerson) e muita coisa que poderia ter ido parar no repertório das Shangri-Las, como a tragédia adolescente Johnny won’t surf no more (com Jeannie Larrimore) e Teardrop in the sand (esta, com vozes masculinas, interpretada por The Hollywoods).
O método de trabalho era fazer o maior número de composições que pudesse ser feito em pouco tempo. Segundo Lou, Terry Philips – que chefiava o trabalho – pedia à turma: “Faça dez California songs, agora dez Detroit songs…”, numa demonstração básica de que o trabalho servia para agradar tanto os fãs de imitações dos Beach Boys quanto os seguidores da Motown. Uma curiosidade no disco é a faixa-título Why don’t you smile, parceria entre Lou Reed e seu novo amigo John Cale, que fazia parte do repertório do All Night Workers. Uma banda que não era uma invenção de Lou, mas sim um grupo formado por colegas seus de faculdade – o single deles saiu pela Round Records, selinho ligado à Pickwick.
The ostrich, por sua vez, acabou por se tornar o verdadeiro pré-Velvet: após o lançamento do single, a Pickwick achou que valia a pena investir num grupo de verdade para promover o disco. Terry Philips havia conhecido dois sujeitos numa festa, John Cale e Tony Conrad, que convidaram o amigo Walter DeMaria para compor a banda. Não deu certo, mas Cale e Reed formaram uma parceria que gerou o Velvet Underground e rendeu frutos por alguns anos.
Nota: 7
Gravadora: Light In The Attic
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