Crítica
Ouvimos: Hifi Sean & David McAlmont, “Twilight”

- Twilight é o terceiro disco da dupla de música eletrônica Hifi Sean & David McAlmont. O álbum segue uma tradição da banda, de lançar álbuns conforme as estações do ano na Inglaterra. O anterior, do ano passado, era Daylight e se relacionava com o verão.
- Hifi é Sean Dickson, vocalista e guitarrista dos Soup Dragons (lembra daquela releitura dance de I’m free, dos Rolling Stones, que estourou no Brasil no começo dos anos 1990?). David é cantor de soul, ex-integrante da dupla londrina Thieves – teve também outros dois trabalhos em duo, com Bernard Butler (Suede) e o compositor britânico Michael Nyman.
- Diz Hifi sobre o disco: “Eu queria fazer este álbum parecer como se você estivesse em um espaço escuro da cabeça enquanto é abraçado por sua pessoa favorita ao mesmo tempo”.
- Diz David sobre o disco: “Tudo o que sei é que decidimos fazer uma irmã mais nova para Daylight e acabamos com nosso melhor álbum até agora…”
Conforme Hifi Sean e David McAlmont já haviam adiantado há tempos, Twilight, o novo disco da dupla, mergulha de vez no lado mais psicodélico de seu trabalho. É uma experiência sonora voltada para a contemplação, a introspecção e a imersão – um convite para observar estrelas, flutuar em paisagens sonoras etéreas e se perder em devaneios invernais. Não por acaso, o álbum chega no inverno europeu, seguindo a tradição deles de lançar discos sazonais.
A abertura com The comedown já dá o tom: nada de batidas dançantes, apenas uma viagem sonora hipnótica e meditativa, como um ar-condicionado musical. A faixa cresce aos poucos, impulsionada pelos vocais etéreos de McAlmont, sintetizadores envolventes e a participação de The Blessed Madonna, que sussurra: “posso ouvir meu coração batendo como um tambor”.
A faixa-título, Twilight, mantém o clima alucinógeno, mas com beats dançantes, percussão tribal e um groove que se dissolve e se recompõe em formas inesperadas. Os vocais ressoam como um coral soul que funciona dentro da cabeça do/da ouvinte, ainda mais envolvente quando ouvido com fones. No meio da faixa, sons de pássaros, latidos de cachorro e uma rajada sintética de tom apocalíptico trazem aquele toque de bad trip essencial para a jornada.
Bad trip? Sim, porque o álbum Twilight, essencialmente, é um voo psicodélico: relaxante, mas também desconcertante. Uptown/Downtown soa como uma viagem noturna de carro, misturando eletrônica atmosférica e guitarras melancólicas. Driftaway flutua entre rock, soul e eletrônica, evocando Marvin Gaye e Pink Floyd ao propor uma jornada entre o espaço e o oceano (“Não se preocupe com as ondulações / Mas e quanto às ondas?”). Já Goodbye drama queen é a primeira faixa de pista do disco – um trip hop acelerado, carregado de mistério.
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Sorry I made you cry se apropria do soul setentista de forma única: McAlmont a define como doo-wop eletrônico, onde sintetizadores distorcidos substituem as harmonias vocais tradicionais. O resultado foge do neo-soul óbvio e constrói um híbrido entre psicodelia, samples e a doçura do R&B. Equinox’s children, com vibrafones distorcidos e um piano que costura a melodia, adiciona uma pitada de jazz e funk a essa tapeçaria sonora.
Mas Twilight reserva ainda mais surpresas. A bossa-jazz-lounge de High with you (olha esse título!) traz um trompete-vocal de Hifi Sean que amplifica o clima de sonho. Night drive oscila entre texturas sintéticas e riffs gélidos, encerrando abruptamente, como um toca-discos desligando sem aviso. Star, por sua vez, é pura contemplação eletrônica, com vocais que evocam Moses Sumney. Cada faixa encerra com alguns segundos de silêncio, talvez para a devida absorção dos sons e do impacto das imagens de cada música. Sirens, última faixa, é cantada a cappella, com um aviso de que o dia está começando.
No fim das contas, Twilight é um disco para fechar os olhos e se perder – seja no espaço, na mente ou em lugares que ainda nem imaginamos existir.
Nota: 10
Gravadora: Plastique Recordings
Lançamento: 13 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: DJ Guaraná Jesus – “Ouroboros”

RESENHA: Em Ouroboros, DJ Guaraná Jesus funde memórias e beats acelerados em 20 minutos de nostalgia 32-bit, funk, big beat e eletrônica pop multitonal.
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“O álbum é uma homenagem a um passado não tão distante – uma fusão de memórias e futuros imaginados convergindo para o presente”. Criado pelo produtor Julio Santa Cecilia, o projeto solo DJ Guaraná Jesus reúne memórias, música e sons eletrônicos num álbum curto (são nove faixas em menos de vinte minutos!), que voa como se fosse apenas uma faixa dinâmica, evocando desde sons de jogos em 32-bit, até sons como Prodigy e Skrillex.
Não foi à toa que ele escolheu para o disco o título Ouroboros – que nada mais é do que o conceito do eterno retorno, da morte e reconstrução, simbolizado pela serpente mordendo a própria cauda. Na real, não deixa de ser uma maneira construtiva de se referir ao próprio universo pop e à sua mistura de épocas e desenhos musicais, que aqui aponta para sons acelerados como num dia a dia anfetamínico (Vitalwaterxxfly3 e XP), sem descuidar das surpresas melódicas. E prossegue com o batidão quase funk de Mercúrio retrógrado e a viagem sonora de Unidade de medida e D-50 loop – a primeira em tom meditativo, a segunda de volta à aceleração.
- Ouvimos: Skrillex – FUCK U SKRILLEX YOU THINK UR ANDY WARHOL BUT UR NOT!! <3
- Ouvimos: Papatinho – MPC (Música Popular Carioca)
Ouroboros parte também para o heavy samba eletrônico e ágil de Brsl, o batidão-de-caixinha-de-música de Hauss_hypa_vvvv e o big beat de Firenzi dolce vitta, encerrando com um batidão que remete ao samba-funk aceleradíssimo (Campari Devochka). Algumas faixas rendem mais do que apenas poucos minutos – ou até segundos – e poderiam ser esticadas. Mas Julio, com o DJ Guaraná Jesus e Ouroboros, quis aparentemente fazer um disco que pudesse acompanhar um passeio rápido no dia a dia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Seloki Records
Lançamento: 16 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Jonabug – “Três tigres tristes”

RESENHA: No álbum Três tigres tristes, Jonabug mistura noise rock, grunge e pós-punk com letras em inglês e português, guitarras ruidosas e identidade forte
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Vindo de Marília, interior de São Paulo, o Jonabug vem sendo incluído no rol do “emo caipira”, de bandas vindas de cidades pequenas, e que são influenciadas pela cena emocore do Centro-Oeste norte-americano. É isso, mas não só isso: o grupo de Marília Jonas (guitarra, vocal), Dennis Felipe (baixo) e Samuel Berardo (bateria) é um dos melhores exemplos atuais do noise rock brasileiro. Misturando inglês e português, fazem em Três tigres tristes, álbum de estreia, um som que está mais para grunge do que para shoegaze – mesmo que invista em paredes de guitarra e ruídos.
Esse é o som de faixas como Mommy issues, Além da dor, Look ate me e At least on paper my mistakes can be erased, misturas de vocal provocativo, guitarras cheias de riffs, certo balanço na batida e vibe sombria e confessional. Músicas como Fome de fugir e You cut my wings levam o esquema do Jonabug para algo mais próximo do pós-punk. A sua voz é o motivo da minha insônia e Taste everybody’s tears dispensam rótulos e lembram a vocação ruidosa e melódica dos anos 1990. E Nº 365 é um guitar rock falado, soando quase como uma trilha de filme.
No fim, Brown colored eyes traz mais um diferencial para o som do Jonabug: é quase uma balada guitar rock, com clima tranquilo e solo de guitarra com design sonoro oriental. O Jonabug escapa de qualquer caixinha e entrega um disco coeso, intenso e cheio de identidade própria.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 15 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Monchmonch – “Martemorte”

RESENHA: Monchmonch lança Martemorte, disco punk-eletrônico gravado no Brasil e Portugal, com HQ, vinil exclusivo e vibe no-wave psicodélica.
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Lucas Monch, criador do projeto musical experimental Monchmonch, pensa grande: Martemorte, disco novo do projeto, teve sessões de gravação em Brasil e Portugal, e sai junto com uma HQ que transforma o disco em projeto visual. Também vai sair em vinil, com um lado B exclusivo da mídia física. Lucas também criou duas formações do Monchmonch, uma no Brasil e outra em Portugal.
Martemorte é um bom exemplo de punk experimental e eletrônico – tendendo para algo bem próximo da no-wave às vezes, ou da zoeira misturada de punk, funk e eletrônicos do Duo Chipa (por sinal, Cleozinhu, do Duo, participa do disco com produções, samples e ruídos). Efeitos de guitarra e sons que parecem videogames ou trilhas de desenho animado marcam Bolinha de ferro, Vala lava, o punk espacial de Jeff Bezos paga um pão de queijo e a psicodelia lo-fi de Prédios. Rola até um clima psico-krautrock em City bunda e Coisa linda.
O disco vai ainda para o punk-country sacana em Velhos brancos jovens carequinhas e para uma perversão dos Beach Boys do disco Smiley smile (1966) em Rasga céu, tema espacial-psicodélico apavorante, em que milionários e donos de big techs são fatiados sem dó.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Seloki Records
Lançamento: 17 de junho de 2025.
- Ouvimos: Ultrasonho – Nós nunca vamos morrer
- Ouvimos: Duo Chipa – Lugar distante
- Ouvimos: Vovô Bebê – Bad english
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