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Crítica

Ouvimos: Saara Saara, “Scheherazade que se cuide!”

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  • Dupla nascida em Bom Jesus do Itabapoana (RJ) e radicada em Niterói, o Saara Saara marcou época nos anos 1980/1990 fundindo música eletrônica, sons de cabaré alemão, sons clássicos, trilhas sonoras, tecnopop e pré-new wave a moda dos Sparks.
  • Raul Rachyd (morto em 2011) e Sérvio Tulio (em 2023) montaram a dupla em 1985 e começaram a investir em demos (disputadas a tapa) e apresentações, mas o primeiro álbum saiu apenas em 2003 (Sucessos que o mundo esqueceu, pelo selo Astronauta). O saudoso Sérvio foi um grande amigo e incentivador do Pop Fantasma.
  • Scheherazade que se cuide!, o segundo álbum, traz 20 faixas raras, coletadas de demos e gravações ao vivo. O áudio original das demos passou por poucas mudanças e a ideia foi manter o trabalho original da dupla – nem mesmo os finais abruptos de algumas faixas foram alterados.
  • Além do material autoral, Sérvio e Raul gravaram temas como Drei sterne sah ich scheinen (Theo Mackeben e Hanns Brennert, da trilha do filme Heimat, de 1938) e Das lied von der moldau (Bertolt Brecht e Hanns Eisler).

Scheherazade que se cuide! é um documento valioso. Ainda mais em se tratando do Saara Saara, uma dupla fluminense de música eletrônica que, nos anos 1980, usava o que era possível usar num país que vetava importação de equipamentos de informática – o que tornava quase impeditivo que uma pessoa comum, filha de deus, saísse sapecando informações em samplers, baterias eletrônicas e outros aparelhos.

O disco fica como atestado de qualidade musical e criativa de Sérvio e Raul – uma dupla que virou sensação mas não chegou às grandes gravadoras. E também como documento pop-tecnológico da música subterrânea dos anos 1980, repleto de demos e gravações ao vivo, tudo feito a partir de 1986, de maneira ousada e criativa. Olhar eletrônico, a mais antiga das faixas, traz guitarras, teclados e programações registradas num gravador Tascam de 4 canais – dá pra traçar um paralelo com a maneira como o Fellini registrava seus álbuns.

O disco prossegue com faixas como a dançante e mântrica Saara Saara, o tecnopop alegre Dr. Fritz, a burlesca Serenata, a zoeira Esterilizados, a peso pesado Seres do espelho, tudo atirando o ouvinte num universo que une Sparks (referência musical e atitudinal do Saara Saara, e em especial, de Sérvio), Ultravox da fase Vienna, Kraftwerk, Laibach, Alien Sex Fiend. E também Black Future, Eduardo Dussek, Mutantes, cantigas de cabaré alemão. Além do lado teatral que permite a mescla de Carnaval e Mil e uma noites em Scheherazade, marchinha oriental gravada em 1989 no porão da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema.

Originalmente fãs de rock progressivo, Raul e Sérvio são vistos fazendo poucas concessões ao estilo – no máximo uma introdução de faixa aqui, outra ali. No geral as músicas de Scheherazade que se cuide! pertencem à carnavalização do tecnopop, à tropicalização do pós-punk e de seus elementos mais básicos, a um momento noturno em que tudo poderia acontecer e que foi pouco registrado em disco. Poderia acontecer tudo mesmo – em 1991, num show no Teatro MPB-4, do DCE da Universidade Federal Fluminense (Niterói), Sérvio e Raul tecnopopizaram O amor e o poder, sucesso de Rosana, em meio a seu repertório futurista.

Entre os quase hits que o tempo, infelizmente, deixou registrado apenas em demo, o álbum tem Musik, um curioso rap gravado em 1986, preparadíssimo para a onda da acid house. Tem também a operística Eclipse lunar. E um reggae zoeiro com referências egípcias, Alamistakeo. Ouça e divulgue. Aliás, ouça no volume máximo para os vizinhos conhecerem.

Gravadora: Astronauta Discos
Nota: 10

Foto: Divulgação

Crítica

Ouvimos: Luvcat – “Vicious delicious”

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Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.

RESENHA: Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: AWAL
Lançamento: 31 de outubro de 2025

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Luvcat é a segunda encarnação – e o segundo ato de carreira – da britânica Sophie Morgan Howarth, nascida em Liverpool em 1996, e que tem três EPs de folk alternativo lançados como Sophie Morgan. Rola um subtexto pós-punk/britpop na história dela: ainda com seu nome anterior, ela abriu uma turnê dos Waterboys e foi ajudada pelo baixista do The Verve, Simon Jones. Luvcat, seu novo nome artístico, é uma referência ao sucesso do The Cure, The lovecats.

Vale citar que folk e pós-punk são estilos que até aparecem em Vicious delicious, estreia de Luvcat, mas são secundários ou terciários num manifesto pop que, basicamente, é tão nostálgico da velha Hollywood quanto os discos de Lana Del Rey, e tão “lânguido” quanto Lana e Billie Eilish – e cuja estética mexe com as mesmas estranhices pop de vários lançamentos de hoje.

  • Ouvimos: Angélica Duarte – Toska

É um álbum pop, feito com um alvo à frente, mas com princípios básicos que o tornam às vezes mais próximo do art-pop, como na sexy e latina Lipstick, no soft rock Alien (música sobre inadequação, drogas e introspecção, com versos como “sempre fui uma de nós / garotinha verde em seu próprio mundo”), a experimentação reggae-pós-punk-gore de Matador (“eu queria amor / mas você quis sangue”). E na onda sofisticada de Dinner @ Brasserie Zedel, com heranças da música francesa, e He’s my man, alt-folk com recordações de Jacques Brel, Scott Walker e David Bowie do começo.

Tem um lado sombrio no disco, como no folk mórbido de Laurie, música de amor tristonho com metais, violão e cordas. Ou na vertigem de The Kazimier Garden, e ono clima meio Siouxsie + David Bowie de Emma Dilemma. Faz parte da lista de sensações visitadas por Luvcat, no disco, embora haja também uma canção que poderia concorrer ao Eurovision (a faixa-título) e algo que faz lembrar o lado praiano e desértico do Roxy Music (Love & money).

Lá pelas tantas, dá para se perguntar até o que o dispensável hard rock country Blushing, que lembra Bon Jovi, está fazendo no disco, já que Vicious delicious, mesmo com uma certa confusão conceitual e musical, tem lados melhores para apresentar.

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Crítica

Ouvimos: Ira Glass – “Joy is no knocking nation” (EP)

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RESENHA: EP maníaco do Ira Glass, Joy is no knocking nation mistura pós-hardcore, math rock, fanfarra sombria e ataques free-jazz, criando uma avalanche ruidosa, tensa e coesa.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Fire Talk
Lançamento: 14 de novembro de 2025.

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Vindo de Chicago, o Ira Glass vive de causar estranhamento: é um quarteto escoladíssimo no pós-hardcore e no math rock, mas que às vezes, parece estar querendo repetir eternamente o final de 21 century schizoid man, do King Crimson, com aquele ataque free-jazz de guitarra, baixo, bateria e metais.

Joy is no knocking nation, segundo EP da banda, é basicamente um disco de rock experimental maníaco, soando como uma fanfarra sombria em faixas como It’s a whole “Who shot John” story – faixa, que curiosamente tem vocal em clima grunge e destruidor, chegando a lembrar Alice In Chains. Essa onda de fanfarra do mal chega no seu ápice em fd&c red 40, repleta de vocais guturais e gritos mais chegados do screamo, e no stoner tenso e quebradiço de New guy (Big softie). Nem precisa falar que nomes como James Chance, Wire e Swans pairam sobre todo o repertório do disco, e que o próprio Fugazi, com suas quebras rítmicas, também é citado aqui e ali.

Jill Roth, saxofonista da banda, é um dos responsáveis pela tal cara free-jazz que o Ira Glass tem – e que, felizmente, não surge forçada nem mesmo quando é inserida em momentos mais pesados do disco. Fritz all over you é o mais progressivo e suave que o grupo parece querer soar, mas sempre numa onda sombria. No fim, That’s it/That? That’s all you can say?, entre gritos e vocais demoníacos, soa como uma música tocada ao contrário, uma roda de ruídos presa numa corrente igualmente ruidosa. Uma porrada bem elaborada, mesmo quando parece que tudo saiu do controle.

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Ouvimos: Jerk – “As night falls”

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Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.

RESENHA: Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: DeepMatter Records
Lançamento: 14 de novembro de 2025

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Com um nome artístico bem autodepreciativo, Jerk (ou Joshua Kinney, seu nome verdadeiro) pode soar como um daqueles sujeitos que falam da alegria e da tristeza do perdedor – pelo menos quando a gente lê o nome dele por aí. Nada a ver: As night falls, seu novo álbum, é basicamente uma mescla de soul, smooth jazz, jazz fusion, drum’n bossa, city pop, sons psicodélicos e MPB instrumental transante na onda de Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Nas oito curtas faixas do disco (que dura 20 minutos), ele toca de tudo: guitarra, baixo, flautas, saxofone, sintetizador, piano Rhodes – a bateria fica com a amiga e colaboradora Martina Wade.

As night falls é a primeira parte de um projeto dividido em dois discos (ele fala que são dois EPs, mas o disco figura como álbum nas plataformas). Aliás, ele também diz aqui que cada lançamento representa “dia” e “noite”, e que se lançasse as 16 faixas de uma só vez, o disco poderia nem ser tão ouvido, já que é “difícil captar a atenção das pessoas hoje em dia”.

  • Ouvimos: Nyron Higor – Nyron Higor
  • Ouvimos: Yves Jarvis – All cylinders

Seja como for, As night falls captura a atenção imediatamente, especialmente de caçadores de raridades nos sebos. A faixa-título abre com violão e flauta, chegando a lembrar Dori Caymmi – até que ganha programação eletrõnica e som comandado pelo piano elétrico e pelos beats enérgicos. Dance beneath the dripping moon e o soul latino Stealthy, she moves! soam como sobras jazzísticas de Robson e Lincoln. Incoming, A divine wrath e Set adrift são jazz fusion psicodélico e vaporoso.

Wading, com percussão relaxante e clima quase espacial, tem tom musical de mergulho – segundo o próprio Jerk, que quase pôs na faixa o nome de “underwater” (subaquático), e decidiu dar à faixa uma cara diferente e experimental, usando pedais de guitarra em todos os instrumentos. Emergence and reckoning tem beat brasileiro, som derretido (com guitarra parecendo que vem de uma fita antiga) e metais. Uma viagem sonora daquelas.

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