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Cultura Pop

Aquela vez em que o Saara Saara tocou Kraftwerk

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Aquela vez em que o Saara Saara tocou Kraftwerk

Em Bom Jesus do Itabapoana, cidade na fronteira entre os estados do Rio e do Espírito Santo, havia MUITA gente interessada em música pop nos anos 1970. Essa turma, da qual faziam parte Servio Tulio e Raul Rachid – futuros integrantes da dupla de música eletrônica Saara Saara – gravitava em torno da Paulinho Discos, uma loja que existe até hoje no Centro da cidade, e que, por força das mudanças no mercado, expandiu seus trabalhos para instrumentos musicais, pendrives, recarga de celular e outros produtos.

“Saía um disco do Premiata Forneria Marconi em uma semana, na outra já tinha para vender na Paulinho Discos. O Paulinho, dono da loja, também é o maior colecionador de filmes de faroeste do Brasil. Foi ele que nos alimentou com todas as bandas possiveis e imaginárias dos anos 1970 com aquela lojinha dele, de Tangerine Dream, a Blondie e muito mais”, recorda Sérvio ao POP FANTASMA.

Raul e Sérvio moravam na mesma rua durante a infância e, segundo uma reportagem do O Globo, publicada em setembro de 1989, os dois se conheceram durante uma brincadeira infantil com cobras de pano e acabaram ficando amigos. Na época Sérvio cantava no coral do colégio e Raul, que não era nem um pouco ligado à música, surpreendeu a família sentando-se ao piano da mãe aos 8 anos e tocando o tema do filme Love story. Anos depois, faziam parte de uma turma que corria para a loja toda vez que saía alguma novidade.

“Bom Jesus, assim como algumas cidades do interior do norte Fluminense, tinha muito jovem interessadíssimo em saber o que acontecia no mundo da música. Talvez por termos poucos meios de informação, éramos ávidos por novidades”, recorda. “Tudo o que eu conheci de progressivo, krautrock, etc, conheci ainda criança por causa dos meus tios e amigos que eram mais velhos. Se você chegasse numa festa na casa de pirralhos em BJ em 1978, provavelmente estaria ouvindo coisas que aqui em Niterói (onde ele mora) nem rolavam… Meu primeiro compacto dos Sex Pistols comprei em Bom Jesus assim que foi lançado. Kraftwerk então, eu conhecia desde os primórdios. Não perdíamos um Sábado Som ou Rock Concert na TV e nem o programa Música Contemporânea que rolava às 3 da tarde na JB AM, que lá pegávamos em ondas curtas”.

O Saara teve uma carreira cult durante os anos 1980 e 1990, com alguns shows lotados no Rio e em Niterói – só chegaram a gravar disco em 2003, Sucessos que o mundo esqueceu, pela Astronauta Discos. Em 1993, no entanto, Sérvio e Rachid decidiram dar um tempo na banda para cuidar de projetos paralelos. Mas volta e meia se encontravam para conversar e acabavam surgindo covers e músicas novas – entre essas últimas, Quarta dimensão, Bip, Amar é chique, já nos anos 1990.

“Costumávamos também, só de zoeira, gravar covers de músicas de outras pessoas só para a gente se divertir mesmo. Já fizemos covers eletrônicos de Meteor man, da Dee Dee Jackson, de My Sharona, do The Knack, de Maria Sapatão, do Chacrinha e de várias outras… Tudo isso se perdeu, pois estava em cassete”, recorda. Numa dessas tardes, surgiu a ideia de fazer uma cover de Showroom dummes, do Kraftwerk – música do disco Trans Europe Express, de 1977. Essa, Sérvio conseguiu resgatar e passar para o YouTube.

“Resolvemos gravar de bobeira, rindo muito, porque ela nos lembrou um episódio engraçado da infância. Morávamos eu e Raul na mesma rua em Bom Jesus do Itabapoana nos anos 70, logo quando foi lançado o Trans Europe Express. Claro que todo mundo correu para a loja e comprou. Havia uma senhora que morava no prédio da frente, que ficava danada da vida quando eu colocava a música alta na minha casa. Ela ficava olhando na janela e gritando para a gente abaixar o som. O pior é que ela só reclamava desta musica, as outas, tudo bem… vai entender!”, recorda.

“Tanto o Raul quando a Claudia, uma outra amiga nossa, moravam no mesmo prédio da senhora, e eu na casa em frente. Um belo dia combinamos de tocar a mesma faixa Showroom dummies, os três ao mesmo tempo para ver a reação da senhora. O desespero dela de não entender como a desgraça da música vinha de três lugares diferentes foi a coisa mais engraçada do mundo. E este foi o motivo pelo qual, acho que em 1998, no meio de muita cervejada, gravamos esta demo tape, rindo muito. Mas nunca pensamos em colocar na roda, era piada interna mesmo. Porém outro dia, revirando o HD velho aqui, achei, resolvi fazer um vídeo e botar no YouTube como quem não quer nada… Bom, é essa a história”, conta.

Tá aí a demo 🙂

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Relembrando: Johnny Thunders, “Stations of the cross” (1982/1987)

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Relembrando: Johnny Thunders, "Stations of the cross"

Até mesmo um sujeito com uma vida bem louca como Johnny Thunders (1952-1991) tinha direito a momentos de (suposta) calmaria. O ex-guitarrista dos New York Dolls não teve uma carreira solo das mais constantes – ressurgiu em 1978 no mercado com So alone, um disco entre o punk e o rock básico, com produção de Steve Lillywhite. Entre vícios, retornos e situações de baixa, chegou a morar na Suécia com esposa e filha.

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Foi depois desse período de (vamos dizer assim) calma que surgiu o álbum duplo Stations of the cross, gravado em 1982 durante duas noites no Mudd Club, em Nova York, mas que só chegou às lojas em 1987 – e inicialmente apenas em K7, como parte da série de lançamentos em fitinhas pelo mitológico selo ROIR. Só depois de um tempo, o disco foi lançado em LP e CD (em vinil, saiu uma edição dupla na França em 1991). O disco na verdade traz mesmo é um show de sua banda punk pós-Dolls, os Heartbreakers – já que tem Thunders (voz e guitarra), Walter Lure (guitarra) e Jerry Nolan (bateria), além de um tal de Talarico no baixo.

Stations of the cross quase foi um filme, ou pelo menos a trilha sonora de um. Lech Kowalski, diretor do documentário punk DOA – A rite of passage, e que depois faria Born to lose: The last rock and roll movie sobre a vida do próprio Thunders, queria ter incluído as músicas como trilha do seu filme Gringo – História de um viciado (1987), do qual Johnny teria participado, fazendo o papel nada ambicioso de Jesus Cristo.

Num textinho publicado justamente no encarte de Stations, Lech relatou o quanto foi complicado trabalhar com Johnny. O diretor foi procurar o músico em sua casa e deparou com um apartamento que vivia com a porta permanentemente aberta, com Johnny em estado permanente de torpor. Ao propor o papel a ele, ouviu de Thunders que o único script do qual precisava era uma Bíblia.

Johnny ainda era viciado em drogas – com as filmagens iniciadas, chegou a sair em busca de cocaína e desapareceu por alguns dias do set. Numa ocasião, recusou-se a tocar uma música duas vezes. Ao gravar ao vivo o material que geraria este Stations of the cross, não quis seguir a ordem estabelecida ao lado de Lech. “De fato, ele nunca nem chegou a gravar as canções que eu precisava para o filme”, reclamou o diretor.

A aventura terminou com Thunders, drogado e semi-nu, sendo atendido por paramédicos. A Lech, só restou lamentar: Gringo saiu, mas o diretor desistiu de incluir as passagens de Thunders e decidiu reservá-las para um filme que nunca foi lançado, Stations of the cross. O disco em questão – produzido pelo próprio cineasta – fica então mais ou menos a trilha sonora de um filme que nunca foi lançado, e como uma trilha alternativa de Gringo.

O som de Stations of the cross é básico, formado por uma mescla de clássicos do próprio Thunders, com regravações como (I’m not your) Stepping stone (Paul Revere & The Raiders), Pipeline (The Chantays), Do you love me (Dave Clark Five). Tem também Chinese rocks, canção dividida entre Ramones e The Heartbreakers, cuja autoria costuma ser reclamada pelas duas bandas, e que surge aqui cantada com uma desafinação considerável. O material é complementado por conversas de bastidores e o que parecem ser trechos falados das filmagens.

Nesse papo aqui, Lech detalha um pouco sobre como foi trabalhar com Johnny, um sujeito que ele teve como fonte por alguns anos, e um personagem pelo qual se interessava, mas de quem pessoalmente ele não gostava de jeito nenhum. Quando decidiu fazer Born to lose, sobre Thunders, havia tido um contato rápido com uma das esposas do músico, e conheceu um dos filhos do artista – o garoto estava preso, na ocasião. O lado escroto e babacão de Thunders fica claro em atitudes, imagens e até em letras de músicas (inclusive nesse Stations of the cross, vale informar). Quando acerta, é um clássico do rock.

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Relembrando: Public Image Ltd, “The flowers of romance” (1981)

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Relembrando: Public Image Ltd, "The flowers of romance" (1981)

Keith Levene, guitarrista que se dividiu em vários instrumentos nesse The flowers of romance, chegou a afirmar que o terceiro álbum de estúdio do Public Image Ltd é “provavelmente o disco mais anti-comercial já entregue a uma gravadora”. Faz sentido: The flowers mal pode ser chamado de punk ou pós-punk. Está mais para uma aventura experimental e percussiva, com músicas compostas apenas de voz e bateria (a claustrofóbica Four enclosed walls), voz, percussão, sinos e ruídos (Phenagen), voz, bateria e sons orquestrais tirados com virulência punk (a faixa-título), voz, bateria brutal e ruídos (Under the house).

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O som vai do mais assustador e climático ao mais documental, com sons ciganos e flamencos unidos a uma espécie de “música de selva”, dada pelo som da bateria e pelos vocais de John Lydon. Hymie’s him, com sintetizadores, percussões e batidas de latão, soa “industrial” anos antes de tal termo ficar famoso. Banging the door é um quase reggae que destaca o uso de sintetizadores Moog. Francis Massacre é literalmente um massacre sonoro, trazendo vocais lamentosos, batidas tribais e sons de guerra. A associação com a música e o imaginário hispânico surgem já na capa, que traz Jeannette Lee, empresária, gerente e melhor amiga da banda (e hoje sócia da gravadora Rough Trade), com uma flor na boca, e ameaçando o fotógrafo (e o/a ouvinte do disco) com um pilão.

Curiosamente, mesmo sendo um disco tão anti-pop, The flowers of romance (o nome é o mesmo de uma banda cata-corno punk que surgiu antes dos Pistols, e da qual Keith Levene e Sid Vicious fizeram parte) acabou tendo lá suas dimensões pop. O som da bateria já foi elogiado por Phil Collins (que trabalhou depois com o produtor do disco, Nick Launay), e soa quase como se tivesse sido produzido para cinema, e não para um álbum.

Esse som cinematográfico não rolou por acaso. A turma do PiL (na época, os inimigos íntimos Lydon e Levene, mais o baterista Martin Atkins) aproveitou todos os recursos de um novo brinquedo do empresário Richard Branson: o estúdio The Manor, literalmente um estúdio de ponta construído numa mansão histórica. Antes de começar, foram sete dias (de um total de dez dias agendados) “curtindo” um bloqueio de compositor que travou toda a banda. Jah Wobble, baixista do PiL e sujeito cheio de ideias, saiu pouco antes da gravação, o que piorou um pouco as coisas – por acaso, só duas faixas de Flowers (Track 8 e Banging the door têm o instrumento.

The flowers of romance marcou um período de bons investimentos na banda ainda que não vendessem tanto – 1983 foi inclusive o ano do duplo Live in Tokyo, gravado no Japão, e que rendeu até um homevideo, mania da época. Daí para a frente, era o PiL virando algo mais próximo daquele som que pode até tocar no rádio, mas assusta. E muito.

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Relembrando: Vários, “O espigão – trilha sonora nacional” (1974)

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Relembrando: Vários, "O espigão - trilha sonora nacional" (1974)

Até os dez primeiros capítulos (que foi até onde assisti), O Espigão, novela das 22h exibida pela Rede Globo em 1974, e escrita por Dias Gomes, tem ritmo de série bem construída e passagens que lembram Os Simpsons. Por sinal, com a chance de cada personagem ali conseguir ser o Homer por alguns minutos, ou por alguns capítulos. Os três primeiros capítulos são tomados por um cavernoso engarrafamento no Túnel Novo – que divide Botafogo e Copacabana, na Zona Sul carioca – no último dia de 1972. Hoje dá para ver tudo no Globoplay, que resgatou a trama.

No túnel, os personagens vão aparecendo para, mais do que construir a história, dar uma baita sensação de caos. Isso porque parece que quase ninguém ali costuma ser ouvido ou enxergado de verdade. No caso do trio de bandidos interpretado por Betty Faria, Ruy Resende e Milton Gonçalves, nem eles conseguem enxergar sua própria falta de talento para roubar os outros, mas isso é apenas um detalhe.

Para quem passou a vida ouvindo as trilhas sonoras de O Espigão, a nacional e a internacional, lançadas pela Som Livre naquele mesmo ano, o mais legal é ver a utilização nos capítulos das faixas da trilha nacional (um perfeito disco pop-rock-MPB). Pela cidade, tema instrumental e quase progressivo do Azymuth, surge na primeira cena, com o assombrado Léo (Claudio Marzo) chegando de navio de Sergipe, passando pela Baía de Guanabara. Nessa hora, destaque para o estranho cromaqui marítimo e para as imagens das barcas Rio-Niterói em alto-mar.

Retrato 3×4, primeiro quase-hit de Alceu Valença, e segunda ou terceira tentativa de sucesso do cantor, antes da fama, surge nas cenas do assalto frustrado do trio de bandidos. Versos como “rasgue meu retrato 3×4/porque eles vão pintar o sete com você” dão a sensação de que a turma formada por Lazinha (Betty), Nonô (Milton) e Dico (Ruy) é bem mais robin hoodiana do que pode parecer. Na sombra da amendoeira, de Sá & Guarabyra, na voz do grupo niteroiense Os Lobos, dá vontade de visitar o tal casarão antigo que é, de fato, o tema da novela.

Alfazema, tema folk do hoje astrólogo Carlos Walker, surge inicialmente numa cena de total lesação e abandono na cidade grande (por sinal no fim da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, Zona Sul do Rio, bem antes do excesso de bares e carros). Já o tema de abertura, o hard rock orquestral O espigão, de Zé Rodrix, vem da transição entre os álbuns I acto (1973) e Quem sabe sabe, quem não sabe não precisa saber (1974), os dois primeiros do cantor – que geraram um show apresentado no Rio em março de 1974, ao lado da banda Agência de Mágicos.

O repertório da trilha de O espigão ainda inclui um excelente e hoje cancelável samba-rock (Malandragem dela, de Tom & Dito, que tocou muito no rádio na época), uma música que surge como protesto à gentrificação no Rio, mas que tem mais a ver com a poluição em São Paulo (Botaram tanta fumaça, de Tom Zé), um tema clássico composto por Tuca (Berceuse), um samba antirracista com letra de Nei Lopes (Você vai ter que me aturar, com Sônia Santos) e um sambão triste composto e cantado por Benito di Paula (Último andar).

O espigão fez tanto sucesso que a trilha nacional voltou às lojas várias vezes. Volta e meia dá para achar um vinil a preço barato em loja de usados, mas o álbum foi relançado em CD na série Som Livre Masters, com remasterização comandada por Charles Gavin. Hoje é um caso raro de trilha de novela nacional dos anos 1970 que pode ser vista e ouvida.

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