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Crítica

Ouvimos: Gruff Rhys, “Sadness sets me free”

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Ouvimos: Gruff Rhys, "Sadness sets me free"
  • Sadness sets me free é o oitavo álbum de estúdio do músico galês Gruff Rhys, que se tornou conhecido na banda Super Furry Animals, mas também fez diversas outras colaborações (uma delas, você talvez saiba, com o brasileiro Tony da Gatorra, com quem gravou um álbum em 2010).
  • Gruff diz que pensou no nome do álbum antes de pensar na música-título, como se o título fizesse quase a canção se escrever sozinha. “Eu senti que o álbum inteiro poderia conter algumas músicas de reclamação e frustração. Não gosto de chafurdar na miséria, é um lugar muito confortável para ir, mas adoro o poder que a música tem de unir as pessoas na euforia. Essa é a minha posição preferida, mas estamos vivendo tempos bastante preocupantes. Quando eu estava montando o álbum, senti que deveria estar viajando em uma direção sóbria”, contou aqui.

Várias combinações dão o tom do trabalho de Gruff Rhys desde seu começo com os Super Furry Animals: alegria e tristeza, melancolia e tranquilidade, lucidez e loucura, experimentalismo e acessibilidade musical. A trabalheira que o cantor e compositor galês tem para equilibrar lados diferentes em seu trabalho acaba sendo o que mais chama a atenção. Quem ouve discos como Seeking new gods (2021) e Babelsberg (2018) se sente observando um universo muito particular e contemplativo, com referências musicais que vão do folk e do progressivo a ritmos brasileiros, de forma coesa.

Até por ter sido gravado num estúdio em Paris, Sadness sets me free ganha em vários momentos o charme e a grandiloquência do pop francês, numa onda outrora seguida por Jarvis Cocker e pelo Pulp. Gruff, como é comum em seu trabalho, surpreende pela perfeição em arranjos, letras, vocais (graves e tranquilos). Muitas vezes soa como se o fosse uma versão mais certinha do Pavement, mas traz outras referências.

O disco já instiga a partir do título, que, segundo o próprio Gruff, alude a uma maneira não-reclamona e não-derrotista de encarar a tristeza, e tudo o que vem com ela. Tanto que no final, tem I’ll keep singing, uma bela balada blues de piano, de teor quase progressivo. Nela, Rhys avisa que irá continuar cantando “até quando o galo me chamar de volta para casa”, e em seguida, emenda o próprio nome do álbum como verso final, como numa oração. É a continuação da faixa-título, que abre o álbum – um country introspectivo que dá o tom de tudo o que vem a seguir, narrando uma história que começa falando sobre cocaína, libertação de vícios, e traz versos como “liberte-me dos meus caminhos vãos e egoístas”.

Sadness é um álbum no qual podem aparecer temas que soam como o Pink Floyd do comecinho dos anos 1970 – caso de I tendered my resignation, balada tranquila movida a piano e slide guitar. Ou uma canção cinematográfica, meio bossa nova-meio samba rock, com cara de Sergio Mendes, Jorge Ben e Marcos Valle – essa, o hino anti-gentrificação They sold my home to build a skyscraper, que tem até uma cuíca, e traz preocupações ecológicas e existenciais para o universo do cantor. Ou a orquestração embevecedora de Silver lining lead balloons.

O álbum tem ainda a balada shoegaze de protesto On the far side of the dollar, com versos repletos de um caos que não existe na melodia e no arranjo (“cães sem coleira, colina em chamas/crianças gritam do outro lado do dólar”). No fim das contas, são canções que representam maneiras diferentes de encarar as porradas da vida, o vazio de uma sociedade em que coisas sérias são trocadas por dinheiro  – mas que atacam alvos bem definidos, que vão desde a monarquia até o cinismo das relações humanas.

Nota: 9
Gravadora: Rough Trade

Foto: Reprodução da capa do álbum.

Crítica

Ouvimos: Tyler The Creator – “Don’t tap the glass”

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Tyler The Creator lança Don't tap the glass, disco curto e dançante que mistura indie pop, rap, house e soul com clima retrô e foco total no corpo.

RESENHA: Tyler The Creator lança Don’t tap the glass, disco curto e dançante que mistura indie pop, rap, house e soul com clima retrô e foco total no corpo.

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Chromakopia, o bowieófilo disco anterior de Tyler The Creator, saiu em outubro do ano passado – e eis aqui Tyler com um álbum novo, o curtíssimo Don’t tap the glass, menos de um ano depois. Com uma discografia já grandinha, Tyler sempre espaçou seus álbuns em dois anos, mas dessa vez, parece que a ideia era malhar enquanto o ferro estava quente.

Ainda mais que Don’t tap the glass é basicamente um disco de indie pop, dando contornos ultratexturizados a estilos como hip hop, Miami-bass e house music – e o próprio Tyler disse que se trata de um disco “feito para dançar”, e nada mais do que isso. O entendimento de Don’t tap the glass vai pelo corpo e pelos pés, não exatamente pela revolta, pelo conceito ou pela provocação – ainda que seja um disco de rap, estilo musical que tem isso tudo aí na gênese.

E aí que se há um “fantasma” assombrando Don’t tap the glass é o rap zoeiro dos anos 1980, mais do que a sensação de perigo que o estilo provocaria após os anos 1990 – além dos verdadeiros manuais de dança que eram os discos de soul dos anos 1970. Big poe, na abertura, traz Tyler mandando os estatutos da gafieira de Don’t tap the glass (“número um, movimento corporal / não fique parado”), e embarcando num boombap ruidoso.

  • Ouvimos: Tyler The Creator – Chromakopia
  • Ouvimos: Will Smith – Based on a true story

Faixas como Sugar on my tongue estão mais próximas do funk original e do pós-disco do que se imaginaria – e a safada Sucka free é um r&b que passa até por um boogie. Mommanem, cheia de efeitos de percussão e vocais, parece um tema para acompanhar corridas. Stop playing with me é pura ostentação e sacanagem, e vai numa onda já naturalmente mais associável a Tyler, só que com mudanças – afinal, é um som que tocaria numa festa.

Tyler invade a área da dance music nostálgica em Ring ring ring, e une soul latino e batidão gangsta em duas faixas coladas, Don’t tap that glass e Tweakin‘. Climas meio nostálgicos e meio lo-fi tomam a frente em Don’t you worry baby (cuja batida parece um carro apressado e com volume alto passando em sua rua) e I’ll take care of you.

Levando em conta a discografia de Tyler e seu histórico que-se-foda, Don’t tap that glass é um diferencial, e talvez soe como um presente para os fãs fieis – aliás um presente bem melhor do que demorar mais dois anos para lançar o sucessor de um disco de sucesso.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Columbia/Sony
Lançamento: 21 de julho de 2025.

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Ouvimos: Fishbone – “Stockholm syndrome”

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O Fishbone volta com Stockholm Syndrome, misturando punk, ska e soul em críticas afiadas a Trump, racismo e indústria, sem perder a fé no amor.

RESENHA: O Fishbone volta com Stockholm Syndrome, misturando punk, ska e soul em críticas afiadas a Trump, racismo e indústria, sem perder a fé no amor.

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Mais conhecidos como uma banda de ska + soul + rock, os americanos do Fishbone sempre estiveram mais para uma formação punk – o próprio nome, “espinha de peixe”, foi escolhido, segundo o próprio grupo, por representar fidelidade às convicções e “não se dobrar”.

Stockholm syndrome, primeiro álbum do grupo em mais de 20 anos, vai na mesma onda de união de ritmos e energia punk, só que com alguns condimentos a mais: o disco sai na segunda era Trump, o momento grave ganha comentários no álbum, e a banda aproveita para olhar sua própria história em várias faixas.

Não é à toa que Stockholm abre com Last call in America, soul + rock gravado com George Clinton, com letra girando em torno de assuntos como racismo, justiça social, equidade. E ainda tem Racist piece of shit, ska de protesto que chama Trump de “rei laranja louco” e pisa com classe no presidente norte-americano.

  • Ouvimos: Black Pumas – Chronicles of a diamond
  • Ouvimos: Nxdia – I promise no one’s watching

O ódio amplo, geral e irestrito espalhado pelo fascismo surge no hard rock sombrio de Secret police. A máquina de matar negros e pobres levada adiante por estado e polícia é o tema do reggae Why do we keep on dying. A transformação do ser humano em fantoche das big techs surge em Living on the upside down, cujo som oscila entre blues, rock e punk.

O Fishbone olha para si próprio e para sua trajetória no ska-punk Adolescent regressive behavior, música ágil de letra enorme que fala de inimigos que brigavam na rua, e que anos depois trabalham juntos – parece que até as crises dentro do grupo viraram canção. Os chutes que a indústria fonográfica dá nos artistas ganham espaço no soul rock Dog eat dog. Há bastante esperança no final, com o gospel Love is love, evocando John Lennon e Rolling Stones.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Consigliere
Lançamento: 27 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: Carlos Patricio (e Camaradas) – “Revertério”

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No álbum Revertério, Carlos Patricio mistura MPB sulista, samba, folk e tecnopop num songbook afetivo e cheio de parcerias.

RESENHA: No álbum Revertério, Carlos Patricio mistura MPB sulista, samba, folk e tecnopop num songbook afetivo e cheio de parcerias.

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Com uma carreira musical que já vem desde os anos 1980, o gaúcho Carlos Patricio decidiu fazer de seu terceiro álbum solo, Revertério, um lançamento colaborativo. O material começou a ser gravado em 2021 (com sessões divididas entre São Paulo, Rio Grande do Sul e Uruguai) e as músicas são divididas com vários parceiros, vindos dos encontros ao vivo que Carlos vem promovendo desde 2016.

Valendo por um songbook com amigos, Revertério traz algo que a MPB do Sul tem como base desde os anos 1970: a poesia contemplativa e cortante, e a capacidade de aglutinar vários climas e influências simultaneamente. A faixa-título, com produção de Sebastian Jantos, um samba com violão e guitarra, traz algo da MPB paulista, ao lado das palmas do samba baiano. Kids e teens é um tecnopop adulto, com Mario Falcão dividindo vocais e operando uma programação que dà um ar de videogame antigo à faixa. Rota de navegação, com Pablo Lanzoni, é uma balada folk noturna e contemplativa, que deve tanto a Dire Straits quanto às vibes sombrias do Radiohead.

Os sambas não chegam a predominar em Revertério, mas quando surgem chamam a atenção – com direito a um Samba do Chico que na verdade é uma marcha, gravada com Johann Alex de Souza. O pescador de ideias abre com sons distorcidos e revela-se uma milonga de oito minutos. Sons latinos e acústicos surgem em Piazada, uma canção sobre os movimentos da vida, na cigana No mar da tua existência, e na hispânica Niña, com Michelle Cavalcanti no vocal.

No final, Carlos regrava É poesia, música de seu LP independente Vertente (1986). Um rock tocado no violão (por Quinca Vasconcellos), que guia o timão para a irreverência de Rita Lee e Raul Seixas.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 24 de maio de 2024

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