Crítica
Ouvimos: Sleeper’s Bell, “Clover”

O Sleeper’s Bell, projeto folk criado em 2010 pela cantora Blaine Teppema, e que hoje é uma dupla completada pelo guitarrista Evan Green, teve seu nome tirado do livro Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquez – o “sino dos dorminhocos” é uma referência à passagem do romance em que o cigano Melquiades aparece na vida do velho Jose Arcadio Buendia (nunca leu? toma vergonha nessa cara!). Em Clover, álbum de estreia, os dois criam uma música que consegue soar, simultaneamente, pop, mágica e casual.
O clima de boa parte das faixas é lo-fi, com ruídos ambientes, rupturas no tempo das gravações (como se, em alguns momentos, samples fossem inseridos de forma abrupta) e instrumentos como violões, baixo e bateria aparecendo como se tivessem sido gravados separadamente, em estúdios diferentes. Esse efeito parece ser um charme extra, que revela, mais do que as músicas em si, a estrutura por trás das gravações. Embora o álbum não tenha nada de hip hop ou música eletrônica, há momentos em que se tem a sensação de estar ouvindo um disco folk feito por dois beatmakers.
Os sons “fantasmas” começam logo na abertura com Clover e seguem com Bad world e Phone call, faixas que flertam com o universo do soft rock (Carole King e Carly Simon parecem ser referências, embora a atmosfera geral seja bem distinta). Room é um folk com violão, que ganha um beat por cima. Bored traz um indie pop quase maldito, com violão tocado em compasso quase de valsa e uma percussão descomplicada. A partir do meio do álbum, um clima mais pop começa a emergir, com o folk pop setentista de Over e Passing through – canções que poderiam facilmente ter saído de Laurel Canyon, aquele reduto dos cantautores angustiados dos anos 1970, mas com uma leve disposição para mesclar violões e ambient music. Um álbum curioso do início ao fim.
Nota: 8
Gravadora: Fire Talk
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025
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Crítica
Ouvimos: AFI – “Silver bleeds the black sun…”

RESENHA: Em Silver bleeds the black sun…, o AFI troca o emo e o hardcore pelo pós-punk gótico e darkwave, entre acertos sonoros e alguma repetição.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Run For Cover Records
Lançamento: 3 de outubro de 2025
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“É… olha só, eles estão diferentes, né?”, disse muita gente quando ouviu o disco de 2017 do AFI, uma banda norte-americana outrora mais conhecida por sua filiação a estilos como emocore, punk, hardcore, pós-hardcore, etc. O álbum AFI, mais conhecido como The blood album por causa da capa sangrenta, estourou hits como a ótima Aurelia, e foi seguido por um outro disco, Bodies (2021), que seguia a mesma linha do anterior: uma esquina sonora entre emo e pós-punk, cheia de ótimos momentos, e servindo como cláusula de evolução.
Agora corta pra Silver bleeds the black sun…, décimo-segundo disco do AFI. O disco novo foi lançado como uma reinvenção da banda, o que de fato ele é: o grupo decidiu sair da tal esquina, pegou o caminho do pós-punk, foi andando e deu de cara com toda a onda gótica e darkwave. E esbarrou com uma turma que une elementos de punk, pós-punk, música eletrônica, David Bowie, Roxy Music. Esse caminho já surgia disfarçado em alguns momentos de The blood album e de Bodies, álbuns que, no geral, têm clima agridoce e noturno.
- Ouvimos: Rocket – R is for rocket
Vai aí a pergunta que não quer calar: a mudança funcionou? Funcionou mais ou menos: o AFI parece estar realmente disposto a jogar o jogo de bandas como The Cult, Sisters Of Mercy, Interpol, Molchat Doma e o The Cure da época do álbum Disintegration (1989). Em vários momentos, dá super certo: o vocalista Davey Havok assume os vocais graves e soa como uma mescla de Bryan Ferry, Ian McCulloch e Paul Banks (Interpol). Às vezes também soa como uma versão amigável de Nik Fiend (Alien Sex Fiend). Faixas sombrias como The bird of prey e Blasphemy & excess, a darkwave fiel de Holy visions e a vibe bowieófila de Spear of truth são um bom abre-alas desse AFI novo.
Tem o detalhe de que, pra você jogar o mesmo jogo que alguém experiente, alguma graça nova tem que vir – e vale dizer que gótico e darkwave não são ondas lá muito pródigas em novidades, tanto que até hoje surgem vários grupos que se repetem. É nessa que Silver bleeds the black sun… acaba cansando um pouco lá pela metade, justamente porque as ótimas melodias de discos anteriores são substituídas por uma fórmula de estilo, que surge em faixas como Behind the clock, Margerite e A world unmade.
Entre os caminhos mais acertados de Silver estão o pós-punk sombrio de Voldward, I bend back, e o final, com Nooneunderground – esta, uma música que traz uma versão maníaca e barulhenta do AFI anterior, soando como um Hüsker Dü com charme glam. Se vai dar certo, vai depender de muita coisa – principalmente dos fãs novos e antigos. Mas sendo otimista, Silver bleeds the black sun… soa menos como uma metamorfose completa, e mais como a transição para uma fase em que o AFI vai combinar evolução no estilo e na melodia, tudo na medida certa.
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Crítica
Ouvimos: Hugo Mariutti – “This must be wrong”

RESENHA: Em This must be wrong, Hugo Mariutti troca o metal por britpop, pós-britpop e toques eletrônicos, num disco elegante e surpreendente.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: ForMusic
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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Guitarrista de bandas como Shaman e Viper, Hugo Mariutti costuma ir além do heavy metal em sua carreira solo. This must be wrong, quarto disco solo do músico, é quase um álbum de britpop e pós-britpop – o que com certeza vai afastar fãs mais radicais, mas vai atingir outros públicos.
O som de várias faixas faz lembrar grupos com Starsailor, Keane, Semisonic (banda norte-americana de rock alternativo, mas cujo som parece às vezes mais próximo do rock britânico dos anos 1990/2000). Nem mesmo o Coldplay do começo escapa de surgir no disco – no caso, na balada celestial Away.
- Ouvimos: Guitar – We’re headed of the lake
Heaven, a faixa de abertura, valoriza o uso de sintetizadores – que ganham um clima quase tecnopop na sequência. Out of time (You don’t know) traz elementos de New Order e R.E.M, e baladas como Someone like you investem num som elegante, entre o rock e o folk. O piano de Wherever you go, por sua vez, tem evocações de Supertramp e até de Elton John, enquanto Sometimes, mesmo tendo uma guitarra próxima do blues, é mais ligada ao rock britânico dos anos 1990.
Hugo deixa entrever sons próximos do metal em alguns momentos do disco – o estilo surge disfarçado no início meio solene da faixa-título e até em alguns climas da balada Alone, ainda que a vibe eletrônica da faixa tenha mais a ver com The Cure do que com o Shaman. Já em Smile, surge uma faceta mais distorcida e pós-punk.
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Crítica
Ouvimos: Mirror People – “Desert island broadcast”

RESENHA: O português Rui Maia mistura pop sofisticado e experimental no novo álbum do Mirror People, com ecos de Roxy Music, Brian Eno e pós-disco.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Belong Records
Lançamento: 26 de setembro de 2025
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Liderado pelo músico português Rui Maia, o Mirror People faz uma aproximação bem livre entre pop sofisticado e sons mais experimentais. Concebido como uma transmissão de rádio, o novo álbum do projeto, Desert island broadcast, faz lembrar bandas como Roxy Music, Can e Gang Of Four, além de produções setentistas de Brian Eno, com saxofone e baixo à frente em Million questions e vibrações quase pós-disco em faixas como Any colour you like, Runaway e na batida à frente de Risiko.
- Ouvimos: Esteves Sem Metafisica – de.bu.te.
Já Tucano Verano, com teclados que lembram discos de Mort Garson e Jean Jacques Perrey, tem vibe de trilha sonora e algo de bossa eletrônica no som, além de ruídos que dão uma certa cara psicodélica à faixa. E a faixa-título, por sua vez, tem cara de remix de disco music, só que com texturas indie.
Rui esclarece que Desert island broadcast é “uma celebração da música como companhia, mesmo em lugares isolados”. Há uma vibe desértica em alguns poucos momentos do álbum, como no clima asiático de Uma memória, com beats eletrônicos e vibrafones, e no instrumental relaxante de Costa Nova (Our sacred fire). Um disco para se perder – e se encontrar – no som.
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