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Crítica

Ouvimos: MC5, “Heavy lifting”

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Ouvimos: MC5, "Heavy lifting"

Ninguém tem como duvidar do poder de influência do MC5 no rock pós-anos 1970. A temática revolucionária e classe operária de Rob Tyner (voz), Wayne Kramer, Fred “Sonic” Smith (ambos guitarra), Michael Davis (baixo) e Dennis Thompson (bateria) deu o tom do punk. O som pesado deles ajudou a criar o heavy metal. A união do grupo com estilos como blues e soul deu pelo menos 30% do funk-metal. Isso só para citar três exemplos.

Teve (bem) mais: a sujeira sonora do quinteto ajudou a gerar grunge (e unida com micropontos de psicodelia, deu rumo à vida do Mudhoney). A aura de “independência” (apesar do grupo ter sido contratado da Atlantic e da Elektra, ambas pertencentes ao catálogo da Warner) ajudou a criar uma noção de “fazemos o que queremos” que gerou o indie rock dos últimos 40 anos. E a disposição para unir poesia, protesto, som alto, encrenca e militância pró-maconha influenciou comportamentos. Influencia até hoje, aliás.

No mais, a experiência rocker de Wayne Kramer, um dos principais artífices do som do grupo, fez o MC5 invadir a seara das bandas de rock clássico – aquele local geralmente destinado a bandas bem mais ligadas ao mainstream. Quando o grupo decidiu se tornar uma banda de rock mais “comum” (em especial no terceiro disco, High time, de 1971) não houve exatamente um choque com o passado hippie radical do começo, que fazia com que o MC5 unisse palavrões, guerrilhas musicais e ideológicas, táticas de choque e pregações revolucionárias em seu álbum de estreia, o ao vivo Kick out the jams (1969). Era uma sujeira bem direcionada, que fez com que o MC5, ao lado de grupos como Stooges e New York Dolls, servisse de ponte entre os anos 1960 e o futuro, ou (dependendo do ponto de vista, até a) a falta dele. E anunciou para quem quisesse ouvir que a única coisa certa naqueles cataclísmicos anos 1970 era que a década dos Beatles não existia mais.

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Calhou que, lamentavelmente, Heavy lifting, que era para ser um retorno e uma comemoração, acabou se transformando num disco 100% póstumo. Após o término das gravações do álbum (que originalmente se chamaria We are all MC5), partiram os dois únicos integrantes vivos da banda: Wayne (de câncer, em 2 de fevereiro de 2024) e o baterista Dennis Thompson (de ataque cardíaco em 8 de maio). Ambos participam do disco, Wayne liderando a turma, Thompson tocando em duas faixas, Blind eye e Can’t be found. John Sinclair, poeta, ideólogo e ex-empresário do grupo, por acaso, morreu também em 2 de maio, de insuficiência cardíaca. O tempo, as loucuras e as armadilhas do mercado fonográfico fizeram mal ao MC5.

O quarto (!) álbum do MC5, primeiro desde 1971, traz uma verdadeira força-tarefa de músicos, que haviam sido reunidos por Kramer em 2022, quando o músico decidiu fazer uma turnê comemorativa: Vernon Reid (Living Colour), Slash (Guns N Roses), William DuVall (Alice In Chains), Tom Morello (Rage Against The Machine), o cantor Brad Brooks e ninguém menos que o produtor Bob Ezrin seguram a onda desse novo MC5, voltado para o blues-rock-punk, clássico quando necessário e sujo por natureza, como na cavalar The edge of the switchblade (um relato dos tempos de MC5, com versos como “você estará fora do mainstream/como um renegado”) e nos singles Boys who plays with matches (que une Motown e punk rock) e Heavy lifting.

O mesmo rola também no protesto de Barbarians at the gate, que traz a visão do grupo sobre os protestos pró-Trump no Capitólio (“poder e decepção/confusão, dissidência/desorientação e caos/batendo na porta”). E até num funk-blues-metal um tanto certinho para a sonoridade que sempre se esperou de um disco novo do MC5, Black boots – mas ainda assim marcado pelos solos distorcidos de Wayne e por uma parede de percussão logo associável a de antigos clássicos do grupo, como Skunk (Sonicly speaking). Como acontecia em discos de Lou Reed, Roky Erickson, Iggy Pop e até do próprio Wayne Kramer, é a escolha de uma sonoridade vintage para comunicar a mensagem, e não uma falta de opção.

Fica claro que, antes de comparar o MC5 com qualquer outra banda, é preciso ouvi-lo como uma banda que ajudou a criar um monte de coisas que todo mundo já naturalizou. Até porque o MC5 faz questão de lembrar uma mescla de Rolling Stones, James Brown e Screamin Jay Hawkins na suingada versão de Twenty-five miles (clássico gravado por Edwin Starr no mesmo ano em que o MC5 lançava seu primeiro disco, 1969) e de unir rock, estrada e amor automobilístico from Detroit no soul metal Because of your car.

Blind eye, com Dennis na bateria, soa, estranhamente, quase power pop, criando um laço entre MC5 e bandas como Replacements e Green Day. No rockão Can’t be found, com Vernon Reid, Brooks mata as saudades dos fãs antigos ao soar idêntico a Rob Tyner (logo no “c’mon!” da abertura, já assusta). No final, o grupo soa moderno, dançante e ruidoso à moda do próprio Wayne Kramer em seu álbum solo Citizen Wayne (1997), com Blessed release e a soulzeira Hit it hard. Se não ouvir no último volume, nem adianta começar a ouvir.

Nota: 10
Gravadora: earMusic

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Ouvimos: Jean Caffeine – “Generation Jean”

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Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.

RESENHA: Jean Caffeine mistura punk, sixties, pós-punk e introspecção em Generation Jean, disco variado, intenso e cheio de humor.

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Nascida em 1960, a cantora e compositora Jean Caffeine participou ativamente da cena punk de San Francisco, tocou numa banda que abria shows do The Clash (o curiosíssimo Pulsallama, um conjunto de percussão de formação variável, chegando a 13 integrantes) e mudou-se anos depois para Austin, no Texas, onde desenvolveu carreira como compositora e, depois, cantora. Só que ela foi para um lado bem diferente do universo com o qual ela estava acostumada: passou a tocar em cafés e a misturar punk rock e sons mais introspectivos.

Generation Jean, seu novo álbum, é uma mescla dessas duas ondas, com referências sessentistas unidas a sons bem mais selvagens – sendo que as próprias viagens 60’s de Jean já são selvagens o suficiente. Love what is it?, na abertura, inicia com batida marcial, ganha ares de música francesa ou hispânica, e embica numa balada meio Beatles, meio Replacements, com ótimas guitarras. Big picture une Byrds e Beatles, com romantismo na melodia, e amor desarrumado na letra. I always cry on thursday, com clima sixties e batidinha eletrônica, parece uma zoação com Friday I’m in love, do The Cure – com Jean admitindo que a quinta-feira só torna o fim de semana mais distante. E ainda por cima ela gravou The kids are alright, do The Who – só que numa versão em que parece que a música era dos Pretenders.

  • Ouvimos: Replacements – Tim (Let it bleed edition)
  • Ouvimos: Peter Perrett – The cleansing

Desenvolvendo um rock estiloso em todas as faixas do disco, Jean abraça o blues, o jazz e a música sombria em Mammogram – sim, ela fez uma música sobre mamografias e conta em detalhes como é o exame. Também volta a visitar o rock sessentista no power pop I don’t want to kill you anymore e I know you know I know, e visita o pós-punk em Circuitous routes. No final, tem You’re fine, dance-punk que lembra uma paródia suja da levada de Psycho killer, dos Talking Heads. Largue tudo e ouça agora.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: FLAK Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Lutalo – “The academy” (versão deluxe)

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Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.

RESENHA: Primeiro álbum de Lutalo, The academy volta em edição deluxe, a tempo de ser descoberto por quem ainda não ouviu o som desse cantor norte-americano que fala de vivências pessoais nas suas músicas.

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Talvez você ainda não conheça Lutalo, então vamos lá: Lutalo Jones é um jovem (24 anos) músico, compositor e produtor do Minnesotta. Ele é primo de Adrianne Lenker (Big Thief), já abordou em suas músicas temas espinhosos como a situação dos negros e indígenas nos Estados Unidos, e volta e meia recorre à própria história para fazer suas canções. Lançado em 20 de setembro de 2024, seu álbum de estreia, The academy, mergulha em suas memórias de ex-aluno da escola que dá nome ao disco, em St Paul – uma instituição tão clássica que o escritor F Scott Fitzgerald estudou lá.

Lutalo, que enfrentou várias barras pesadas familiares ao longo da vida, estudou lá com bolsa de estudos, teve diversos problemas de adaptação e sofria para tirar boas notas. “Como não tirava as melhores notas, presumi que era simplesmente ruim em aprender. Refletindo, sinto que não sou – a estrutura de aprendizagem simplesmente não funcionava para mim. Passei a entender e respeitar isso e simplesmente aproveitar o que pude”, disse num papo com a Rolling Stone britânica. Faixas do disco como o soul blues climático Big brother e o shoegaze Oh well vão fundo nessas lembranças, falando de uma crise econômica (em 2008) que deixou sua família sem teto, e da separação de seus pais.

  • Ouvimos: Ethel Cain – Willoughby Tucker, I’ll always love you
  • Ouvimos: Jehnny Beth – You heartbreaker, you
  • Ouvimos: Alex G – Headlights

Summit Hill, folk cheio de cortes no ritmo, além de “defeitos especiais” de gravação, abre colocando o/a ouvinte no tema, lembrando que Lutalo e um amigo, ambos outsiders em meio aos ricaços, costumavam andar pelas cercanias da escola observando as casas de alto luxo, sempre pensando no abismo social que os separava daquela turma. Oceans swallow him whole, um guitar rock que une sombra e luz, e tem evocações de bandas como Placebo, fala indiretamente sobre alguém que tentou atingir Nova York seguindo por um lugar menor, mas deparou com montes de injustiças sociais.

The academy volta agora em edição deluxe, com quatro faixas a mais, aumentando o escopo musical do álbum. Se você ouvir apenas o comecinho de The academy, com Summit Hill e Ganon, vai ver em Lutalo um revivalista do blues rock dos anos 1970, e um experimentalista do folk. O disco avança para o shoegaze, para sons assemelhados ao britpop (Broken twin), para o country-rock com clima beatle (3 tem andamento lembrando o hit Come together) e até para algo que fica entre Pixies e Slowdive – em About (Hall of egress) e na faixa bônus Cracked lip. Há também emanações mais sombrias no folk psicodélico Haha halo, e no quase-trip hop Lightning strike.

Como letrista, Lutalo nem sempre é direto – às vezes parece criar diálogos nas letras, como o encontro de gerações de The bed.Oh well relata as tragédias familiares lembrando que o céu parecia desmoronar, e que os maiores problemas vividos por sua mãe não saíram nos jornais, nem foram “mostrados e contados”. No geral, uma poesia que machuca.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Winspear
Lançamento: 19 de setembro de 2025

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Crítica

Ouvimos: Plonki – “Kicking at my heels” (EP)

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Plonki, novo projeto de Pleun Stork, estreia com o EP Kicking at my heels: basicamente soft rock psicodélico que às vezes soa como Steely Dan no ácido

RESENHA: Plonki, novo projeto de Pleun Stork, estreia com o EP Kicking at my heels: basicamente soft rock psicodélico que às vezes soa como Steely Dan no ácido

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Plonki é o novo projeto da compositora e multimusicista Pleun Stork, que tem no currículo participações em bandas como Thames e Captain Scarlet. Sob o codinome, Pleun reuniu alguns músicos amigos para fazer um som que pode ser definido tranquilamente como um soft rock com uma onda doidona – às vezes, soa como um Steely Dan no ácido, ou uma Electric Light Orchestra indie. É o som que você vai ouvir no EP Kicking at my heels, estreia de Plonki.

Lost to you, a faixa de abertura, chega a lembrar coisas dos Wings, ganhando guitarras pesadas depois e até uma vibe Brian May + Mick Ronson nos solos finais. Made my bed, a melhor do EP, caminha entre o rock e o pop texturizado, com tem ritmo funkeado, beleza e psicodelia na melodia. Short-lived wisdom é um Fleetwood Mac/Steely Dan torto, com ritmos quebrados e corte final psicodélico nos teclados.

O som de Kicking at my heels é quase todo baseado em vocais tranquilos, guitarras leves que depois ficam pesadas, piano Rhodes e batidas levemente dançantes. Quiet life chega a lembrar um Bee Gees indie, enquanto Heard you wrong é um rock gostosinho que ganha ruídos, e um final de voz-e-violão. No final, tem What else can you do?, um soft rock sombrio, que deve tanto à programação das rádios dos anos 1970 quanto a Pearl Jam e Alice In Chains.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 5 de setembro de 2025

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