Crítica
Ouvimos: Yungblud – “Idols”

RESENHA: Yungblud lança Idols, disco cheio de referências (Bowie, Manson, Suede), letras sobre identidade e amores, e clima de ópera-rock moderna.
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“Misture Robbie Williams, o falecido vocalista do Prodigy Keith Flint e o personagem Dennis, o Pimentinha, num liquidificador e, depois de alguns segundos, você terá Yungblud”, escreveu Ollie Macnaughton no jornal The Independent, tentando diagnosticar – sem deixar a ironia de lado – qual é a de Dominic Richard Harrison, o popular Yungblud.
Britânico de Yorkshire, ele está há quatro discos cumprindo, mais do que uma carreira musical, um projeto de vida: tornar-se um daqueles nomes do rock que se tornam tão imensos que, mais do que caberem no guarda-chuva do pop, transformam-se eles próprios em imensos guarda-chuvas. Nomes como Freddie Mercury e David Bowie volta e meia são citados por jornalistas e fãs na hora de falar dele (eu faria uma comparação com o senso comum que joga Jão e Cazuza no mesmo saco de gatos, aqui no Brasil).
- Quem é quem (e o que é o que) na ficha técnica de Ziggy Stardust, de David Bowie
- Ouvimos: David Bowie – Rock and roll star!
Se a ideia é ter o mesmo nível de fama dessa turma, pode até rolar. Mas em termos de criação musical e de manutenção dos tubos de ensaio do pop, 2025 é um ano, digamos, bem diferente de 1972, quando Bowie estourou com Ziggy Stardust. Hoje, discos são criados por times, equipes fazem estudos para entender qual é de determinados artistas, as referências estão ao alcance da mão – às vezes tão ao alcance que tudo pode beirar o mero plágio.
E aí que Yungblud, nascido em 1997, é mais filho dessas criações de laboratório do que de uma época em que você ficava esperando horas para ouvir sua música preferida no rádio – e, honestamente, tudo bem. Idols, quarto disco do rapaz (e primeira parte de uma ópera-rock dupla sobre a “loucura da vida”, entre outros temas), é um bom exercício de – vamos dizer assim – fantasmagoria pop.
Em Idols, Yungblud veio com uma boa safra de canções e o repertório parece assombrado por vários espectros. Há uma mescla de Depeche Mode, Led Zeppelin, Queen e Bowie na épica e quilométrica Hello heaven, hello. Também há algo entre Sisters Of Mercy, My Chemical Romance e Marilyn Manson em Zombie (balada emo com ar gótico que pergunta: “você iria continuar me querendo se eu parecesse um zumbi?”). Vai por aí.
Tem mais: o pós-punk pesado de The greatest parade lembra Suede e Placebo. Monday murder e Ghosts unem U2, The Cure e britpop anos 90 no mesmo caldeirão – a segunda tem elementos de Pride (In the name of love), de Bono & cia, e vai se transformando num gospel pesado aos poucos. E falando em britpop, o disco em vários momentos soa como um redesenho emo na época e no estilo – a tal resenha do The Independent cravou The Verve como referência, eu cravaria além deles, os já citados Suede e Placebo. Em termos de letras, a “loucura da vida” inclui conversas honestas sobre masculinidade, formação de identidade, idolatria, amores que vão e vem etc.
Vale repetir: Idols é bom. Se você em algum momento acha que não tem mais idade para ouvir Yungblud, repense. A biblioteca de referências do disco, inclusive, não aponta para nenhuma atrocidade ou mistura malfeita – nem mesmo quando ele resolve fazer uma espécie de Oasis brega, na balada Change (olha, acho que faz sentido).
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: Locomotion/Capitol
Lançamento: 20 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Paul Weller – “Find El Dorado”

RESENHA: Paul Weller revisita o country, folk e blues em Find El Dorado, disco de covers melancólico, intenso e cheio de sensibilidade rara.
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O El Dorado encontrado por Paul Weller em seu novo disco de covers (tem também Studio 150, de 2004) é o do country, do folk triste, das canções com base no blues, e do pop que, nos anos 1970/1980 aqui no Brasil, costumava ser mais executado em rádios AM. Find El Dorado pode soar até como a playlist que ele ouvia enquanto bolava alguns de seus discos mais recentes (como 66, de 2024, resenhado pela gente aqui).
Adoradíssimo na Inglaterra e com moral no mercado fonográfico, o modfather Paul Weller começou no punk e no mod quando liderava o The Jam – e foi se tornando um sujeito cada vez mais próximo do soul nos álbuns seguintes da banda. Depois, no Style Council, aderiu ao pop adulto e à mistura de rock sessentista, bossa, soul, new wave e grandiloquência sonora chique. Daria para dizer que fãs radicais do Jam torceram o nariz para o Style, mas àquela altura, Weller já tinha mandado os fãs radicais irem passear fazia tempo. Até porque (ora ora) quem é fã de verdade de Paul entende climas novos, desvios e mudanças de rota.
- Ouvimos: Willie Nelson – Oh what a beautiful world
- Ouvimos: Jimi Hendrix – Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision
Find El Dorado, por sua vez, é um relato de tempos mais dramáticos, mais tristes, embora esperançosos – o repertório escolhido forma esse conceito aí. Se fosse um disco lançado em 1972, possivelmente mostraria na capa Paul caminhando, com cara de enterro. Na abertura, Handouts in the rain, de Richie Havens (com Declan O’Rourke ajudando nos vocais): um folk de clima sonhador, com uma letra sobre intolerância, mas de vibe fatalista. Small town talk, de Bobby Charles, é um sucesso de 1972 com clima de country dos anos 1950, e letra sobre fofocas de cidade pequena, vizinhos faladeiros e um casal que tenta sobreviver fazendo o que quer, apesar disso.
Já em White line fever, country anti-cocaína de Merle Haggard, nem parece Weller cantando – entre slide guitars e um clima de countryman marginal, tudo parece coisa do Willie Nelson. Rola um clima decididamente doloroso na estradeira One last cold kiss (cover do Mountain), na releitura de I started a joke (aquela, dos Bee Gees, quase tão derrama-lágrimas quanto o original) e no desespero realista de Never the same (Lal e Mike Waterson, sobre uma criança que “não pode mais brincar” enquanto outra permanece “sentada na chuva”).
E isso sem falar no baladão de AM Daltry street, sucesso da ex-ikette P. P. Arnold e um hino da perda total de esperanças. E também sem esquecer do enxugar de lágrimas de Nobody’s fool, lado Z dos Kinks, com piano e cordas. Quem detesta repertório triste faz bem se passar longe de Find El Dorado, praticamente um álbum de consolo para dias sem esperança. Quem ficar para ouvir, vai se defrontar com a sensibilidade, esse artigo tão raro, e que não pode ser replicado por nenhum Chat GPT da vida.
Vale citar que Weller banca o bluesman rueiro no country de When you are a king (bubblegum pop que foi um dos maiores hits da hoje esquecida banda britânica White Plains, em 1971), beira o soft rock na releitura de Pinball (de Brian Protheroe) e faz rockão de violão e piano em Lawdy Rolla, regravação do grupo francês The Guerrillas – do qual Manu Dibango fez parte tocando saxofone. Tem ainda o country errante Clive’s song (de Hamish Imlach, obscuro compositor de folk nascido na Índia e criado na Escócia), com Robert Plant dividindo vocais. No fim das contas, um disco de covers e de confissões.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Parlophone
Lançamento: 26 de julho de 2025
Crítica
Ouvimos: Francis Hime – “Não navego pra chegar”

RESENHA: Francis Hime une música e imagens sonoras em Não navego pra chegar, disco com parcerias marcantes, clima cinematográfico e faixas de rara beleza.
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Se você chegar para um compositor experiente como Francis Hime e explicar para ele que hoje em dia artistas defrontam-se com temas como persona, branding, construção de marca… Bom, capaz de ele fazer um sinal de “negativo” com a cabeça e ir fazer o que ele sabe fazer de melhor, que é fazer discos e criar universos.
Francis, por outro lado, tem uma marca pessoal forte e um branding (olha aí) de dar inveja: impossível você ouvir qualquer coisa escrita por ele sem perguntar “de que filme é essa música mesmo?”. Ainda que a tal música não seja de filme algum – imaginar um filme na mente, inspirado por melodia e letra, vale igualmente. A questão é que, na obra dele, com ou sem parceiros – e com ou sem letra – música e cinema andam lado a lado e confundem-se rapidamente.
Não navego pra chegar, disco cujo título é mais do que apenas uma lição para esses tempos de caos total, pressa, coaches absurdos, resultados a qualquer preço e política estúpida – é um demarcador de valores pessoais, de sensibilidade e de confiança no processo. A faixa-título, um choro-jazz com Monica Salmaso, no qual cabe uma longa parte instrumental no início, traz o mar como metáfora da vida (“se o horizonte se confunde com o infinito / e se o infinito cabe aqui na minha mão / decifro estrelas, versos e sonhos / e a Lua nova me desvenda o universo”).
Entre parcerias (com Olivia Hime, Zélia Duncan, Ivan Lins, Geraldo Carneiro e até Ziraldo, no samba lento Infinita) e convidados (Ivan, Zélia, Olívia, Simone, Leila Pinheiro), surgem o samba enredo de Samba pra Martinho (da Vila), ao lado de Simone; o blues orquestral de Imaginada (com Ivan), a valsa romântica e desesperançada de Tempo breve – com Zélia Duncan fazendo uma das melhores interpretações do álbum – e a melodia construída no ar de Imensidão, samba lento com Zé Renato.
Uma surpresa é Chula-chula, música antiga e desaparecida de Francis e Geraldo Carneiro (surgiu apenas na novela Feijão Maravilha, de 1979, cantada pela personagem Marilyn Meier, interpretada por Clarice Piovesan, e não estava nem no disco da trilha), que ganha versão definitiva com participação de Lenine. E no geral, Não navego pra chegar é um disco para ouvir e ver cenas numa tela imaginária.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Biscoito Fino
Lançamento: 4 de abril de 2025
Crítica
Ouvimos: Buddy Guy – “Ain’t done with the blues”

RESENHA: Buddy Guy, 89, segue vivo e afiado em Ain’t done with the blues, disco longo, vibrante e cheio de convidados de peso.
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“É como falar do Gato de Botas e ter o próprio Gato para contar a história!”, disse um amigo quando leu a biografia de um artista histórico, que está vivo e colaborou com o livro. O mesmo se aplica a ter o bluesman Buddy Guy, 89 anos, vivo, ativo, gravando e excursionando. Ain’t done with the blues, seu novo álbum, foi construído em torno da noção de que um álbum de Guy não poderia ser, a essa altura, um simples programa de música: teria que manter algum compromisso com a história do estilo e sua perpetuação.
Ain’t done é um disco não-autoral: a maior parte do material foi composto por Tom Hambridge e Richard Fleming, com poucas contribuições do solista, além de algumas vinhetas inspiradas por John Lee Hooker e Lightnin’ Hopkins (respectivamente, Hooker thing e One from Lightnin’). De qualquer maneira, Hambridge, produtor ativíssimo no disco, convocou uma turma boa para trabalhar com Buddy: Peter Frampton põe vocais e decibéis em It keeps me young, Joe Walsh manda bala na guitarra em How blues is that, o bluesman jovem Christone “Kingfish” Ingram brilha na dançante Where U at, vai por aí.
- Ouvimos: Bruce Springsteen – Tracks II: The lost albuns (box set)
- Relembrando: Keith Richards – Talk is cheap (1988)
Fãs radicais de blues talvez impliquem com o soul rock adulto de Been there done that – uma das melhores do disco, vale dizer. A longuíssima duração (mais de uma hora), por sua vez, já entrega o disco de Buddy Guy no colo de uma geração que tem tempo, paciência e sensibilidade. Até mesmo para entender a ordem-unida gospel de Jesus loves the sinner (“Jesus ama o pecador / mas odeia o pecado”), com a bela participação dos Blind Boys Of Alabama – o blues gospel de Dry stick, com Joe Bonamassa, talvez soe mais arejado.
Na segunda metade do disco, destaca-se muito o clima sombrio de I don’t forget, blues que se movimenta como um cobra, e cuja letra avisa que Buddy jamais vai esquecer as maldades feitas com o povo preto. E o boogie pantaneiro de Trick bag e Swamp poker, que vêm na sequência.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 9
Gravadora: Silvertone/RCA
Lançamento: 30 de julho de 2025.
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