Cultura Pop
Várias coisas que você já sabia sobre Sticky Fingers, dos Rolling Stones
Lançado em 23 de abril de 1971, Sticky fingers, nono disco de estúdio dos Rolling Stones, virou cinquentão sem perder a juventude e o charme. E sem perder o lado provocativo. Estressados com a mudança de gravadora, com brigas entre a banda e empresários, e com a mudança para o Sul da França (embora negassem que iriam para um “paraíso fiscal”), os Stones vinham de um período mais movimentado e estressante ainda. Em 1969, a banda tinha se apresentado no festival de Altamont, que terminou com briga generalizada, roubos, depredação e quatro mortes (uma delas, por esfaqueamento).
Os fantasmas da violência e da despedida em tons sombrios dos anos 1960 ainda rondavam as cabeças de Mick Jagger (voz), Keith Richards (guitarra), Mick Taylor (guitarra solo), Bill Wyman (baixo) e Charlie Watts (bateria) quando começaram a fazer o novo disco. Assim que Sticky fingers saiu, os fãs tiveram acesso a um universo que falava de aventuras sexuais (Brown sugar, Bitch), o ranço do dia a dia (Sway), drogas (Sister morphine), charme da decadência (Dead flowers). O disco ainda consolidava a presença de Mick Taylor, ex-John Mayall’s Bluesbreakers, na banda desde 1969.
Sticky fingers já teve diversos relançamentos, incluindo um em 2015 com faixas bônus. Hoje chega aos 50 anos como um dos melhores e mais inspiradores discos da historia do rock. E tá aí nosso relatório sobre ele. Ouça lendo, leia ouvindo.
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ME EMPRESTA CINCO PAUS? Havia uma preocupação rondando as cabeças de Mick Jagger e Keith Richards na época de Sticky fingers: dinheiro. A banda, que saía da gravadora Decca/London, se julgava roubada pelo empresário Allen Klein, figurinha controversa, e dono da produtora Abkco. Keith Richards conta que o grupo descobriu que ele era o único proprietário de uma empresa nos EUA, feita só para lucrar com os Stones.
GRANA E MAIS GRANA. O banqueiro (e príncipe) Rupert Loewenstein, consultor financeiro dos Stones desde 1968, vivia falando o quanto eles estavam sendo roubados por Klein. E convenceu o grupo das vantagens fiscais de se mudarem para o Sul da França. Também persuadiu a banda a passar a ensaiar no Canadá, para diminuir os gastos, e conseguiu grandes patrocinadores para as turnês. Em contrapartida, os RS iniciavam enorme temporada de processos contra Klein, que se arrastaria por quase duas décadas.
ALIÁS E A PROPÓSITO, os Stones foram para a França para fugir do fisco da Inglaterra. Mas graças a uma reforma fiscal, hoje em dia o que mais tem é celebridade fugindo da França para pagar menos impostos.
MEUS QUERIDOS ROYALTIES. Nos anos 1960, havia ainda uma discussão sobre se contratos valiam para LPs ou músicas gravadas. Aliás, também sobre se tudo o que um artista houvesse gravado enquanto estava sob contrato era realmente de propriedade da gravadora, mesmo que fossem demos inacabadas. Klein seria o proprietário de tudo que o grupo gravasse para Sticky fingers, caso a banda não tivesse brigado, já que ele reclamava tudo que a banda gravasse até o fim de 1971. No fim, foram agregados ao antigo contrato da banda com a Abkco os singles de Wild horses e Brown sugar – que saíram até em coletâneas da banda, como a caixa The London years.
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E COMEÇOU A GRAVAÇÃO! Sticky fingers havia sido iniciado ainda em 1969, com gravações da banda no estúdio Muscle Shoals, no Alabama. You gotta move, Brown sugar e Wild horses vieram de lá. Sister morphine havia sido uma sobra de Let it bleed (1969) e deixada para outro lançamento. Mas a coisa pegou mesmo fogo quando a banda instalou uma unidade móvel numa van em Stargroves, casa de campo de Mick Jagger em Newbury, cidade no condado de Berkshire, na Inglaterra em março de 1970.
CASARÃO. Com a entrada de grana na vida dos Stones, os músicos começaram a comprar casas, embora passassem a maior parte do tempo na estrada. Stargroves havia custado a Jagger a bagatela de 37 mil libras em dezembro de 1967, e o cantor ainda despejou uma carreta de grana na reforma do imóvel, que estava em ruínas. Mick gostava de ir para lá junto com Marianne Faithfull porque podia fazer o que quisesse sem ser incomodado, desde ir a lojas locais tomar sorvete com Nicholas, filho de quatro anos da namorada, até usar drogas sem riscos (já que o local estava fora do radar do esquadrão de drogas).
POBREMAS. Durante as gravações, uma coisa precisava ser resolvida pela banda, em especial pela dupla de compositores: como mostrar que os Stones estavam atualizados com o que acontecia no mundo do rock? Jagger parecia atualizado com a nascente onda do hard rock, Keith parecia imerso em seu próprio mundo e estava cada vez mais drogado (com direito ao que chamava de “tempo para se drogar”, que atrasava gravações e o levava a faltar a sessões importantes). Bill Wyman chegou a afirmar que Mick queria sucessos, mas Keith “não estava nem aí”.
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ESTÚDIO MÓVEL. O nome “Rolling Stones mobile studios” virou sinônimo de tecnologia. A primeira versão funcional do estúdio, com oito canais, foi usada por bandas como The Who, Led Zeppelin e Deep Purple. Volta e meia era cedido também para o Festival de Montreux. Aliás, num incêndio durante um show de Frank Zappa no evento, o estúdio quase pegou fogo enquanto o Deep Purple gravava o disco Machine head. O sucesso Smoke on the water é sobre isso, se você não sabia.
POR SINAL, o tal incêndio não foi só um foguinho. Um maluco disparara um sinalizador para o teto do Cassino Montreux e começou tudo. Frank Zappa avisara à plateia durante seu show sobre o incêndio, pedindo calma. Houve uma evacuação 100% controlada – apesar de um grupo ter ficado preso no porão do local e sido resgatado pelo próprio dono da casa, Claude Nobs. O prédio ficou em chamas e precisou ser reconstruído. O Deep Purple gravava bem perto e viu tudo.
ALIÁS E A PROPÓSITO, mesmo com a produção de Jimmy Miller, músicos convidados como o saxofonista Bobby Keys e o pianista Jim Price gravavam quase tudo sozinhos.
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O GRUPO foi retrabalhando algumas canções, ainda que aos pedaços. Mick Taylor foi indelicadamente retirado de Moonlight mile (cujo nome “de trabalho” era Japanese thing), com Richards lhe dizendo que ele “tocava alto demais”. Já Can’t you hear me knocking, por causa da parte final em clima de jazz latino, reuniu todo mundo no estúdio. O álbum ainda teve gravações feitas em dois estúdios londrinos, Trident e Olympic.
FANTASMA DO PASSADO. Querendo sair da Decca, os Stones mexeram nas fitas de shows que tinham dado em Nova York e Baltimore em novembro de 1969. A ideia era fechar o contrato com a gravadora da maneira mais tranquila possível (disco ao vivo, enfim) e responder à crescente onda dos discos piratas. Get yer ya-ya’s out saiu em 4 de setembro de 1970, com Sticky fingers em andamento.
SÓ QUE ainda assim a banda descobriu que devia um single para a Decca. Mick compôs e gravou (no Stargroves, durante os dias de Sticky fingers) Schoolboy blues, conhecida como Cocksucker blues. A letra falava de sexo oral, anal e prostituição masculina e assustaria qualquer dono de gravadora. A Decca não fez por menos: engavetou a canção e, como retaliação à malandragem dos Stones, soltou a coletânea Stone age, que se tornaria popular o suficiente para amedrontar a banda, já que estavam lançando disco novo.
SELINHO. Sem a Decca e com Allen Klein afastado do universo dos Stones (ainda que volta e meia aparecesse para reclamar direitos sobre músicas supostamente compostas sob sua gestão e lançadas depois), os Stones realizaram um sonho e puseram na rua sua própria gravadora. A Rolling Stones Records era “do grupo”, mas era chefiada por Marshall Chess, filho do fundador da Chess Records, Leonard Chess.
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HÁ QUEM COMENTE que a gravadora era só uma fachada para disfarçar o fato de que a banda estava sem gravadora e entrara em leilão. Mas por fim, quem levaria a melhor seria o Kinney Group, definido pelo biógrafo dos Stones, Christopher Sandford, como “uma empresa fraudulenta, que supostamente envolvia a máfia, com uma divisão de estacionamentos e uma divisão mortuária”. Acontece que a Kinney era dona da Atlantic Records na época, e a banda ganhou um contrato de distribuição mundial de 5,7 milhões de dólares.
ALIÁS E A PROPÓSITO, os Stones, em dada altura, foram cortejados pela RCA, gravadora de Elvis Presley, e futura casa de David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop. Quase aceitaram.
SÓ PARA ELES. A ideia original da Rolling Stones Records não era lançar novos artistas, apesar de “lançamentos de novos talentos” constar do release inicial do selo. A gravadora servia para dar aos Stones mais controle sobre seus discos, além de espaço para gravações solo de seus integrantes. O baixista Bill Wyman lançou dois (bons) solo nos anos 1970, mas que passaram despercebidos porque a gravadora já estava ocupada demais com os lançamentos da banda. Mas o primeiro lançamento da Rolling Stones Records foi o seminal Brian Jones presents the Pipes of Pan at Joujouka, gravado no Marrocos pelo falecido Brian Jones em 1969, e guardado até 1971.
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SÓ QUE a gravadora chegou a lançar outros nomes ocasionalmente. Lançaram o Cracker, um grupo cubano-americano que soltou discos lá a partir de 1973. E ninguém menos que Peter Tosh, reggaeman que conseguiu sucesso com o disco Bush doctor, em 1981, mas acabou deixando o selo após desentendimentos com Keith Richards (em cuja casa se hospedou, e da qual não queria mais sair). O vocalista do The Mamas & The Papas, John Phillips, fez contrato solo com a gravadora, deixou lá umas canções prontas – nas quais era acompanhado por quase todos os stones – mas o material só saiu em 2001 sob o título Pay, pack and follow.
OS STONES, diga-se, estavam seguindo uma tendência famosa entre bandas que vendiam bem, tinham público certo e desejavam mais liberdade criativa. O Deep Purple soltou a Purple Records, o Jefferson Airplane, a Grunt, e o Led Zeppelin, só em 1976, pôs para rodar a Swan Song Records. A Apple, dos Beatles, era modelo para essa turma toda, tanto do que fazer quanto do que não fazer (ou seja: contratar um monte de gente ao mesmo tempo, investir em negócios sem sentido e deixar correr uma sangria de dinheiro). Mas vale citar que até Paul McCartney e George Harrison, já em carreira solo, lançaram seus selos (MPL e Dark Horse, respectivamente).
ALIÁS E A PROPÓSITO, Jagger decidiu que os discos dos Stones em seu selo teriam número de série iniciado com as letras COC (uma piada com “cock”, termo chulo para o órgão sexual masculino). A partir de 1978, substituiria as três letras por CUN (redução de “cunt”, o mesmo para o órgão sexual feminino). Sticky fingers era o COC-59 100.
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A HISTÓRIA DE QUE os Stones estavam tentando desfrutar da vida em exílios fiscais já começava a chegar aos ouvidos de alguns críticos. Em 4 de março de 1971, a banda começava a rodar com uma turnê britânica e o Daily Telegraph queixou-se de que a “vantagem tributária pessoal” era a única prioridade para o grupo. Em 6 de abril de 1971, pouco antes de Sticky fingers sair, os Stones fizeram um cruzeiro num navio com seu logotipo, seguindo até Cannes para assinar contrato com a Kinney-Atlantic.
DROGAS E ROCK’N ROLL. Sticky fingers talvez seja o disco de rock que mais dispara referências a drogas. As letras falam em “olhos de cocaína” (em Can’t you hear me knocking), “dança de viciado em anfetamina” (na mesma música), “cabeça cheia de neve” (em Moonlight mile, outra referência à coca) e ainda havia Sister morphine, relato do dia a dia de um viciado em heroína, com letra de Marianne Faithfull, surrupiada por Jagger e Richards. A cantora e ex-mulher de Jagger passou anos amargando a puxada de tapete, mas em 1994 entrou na justiça. Keith Richards admitiu a chupada em sua autobiografia Vida.
DORGAS, MANO. Keith Richards refletiu sobre o excesso de drogas em sua vida nessa época, no livro Vida, e questionou como foi possível fazer tanta música sob o signo de uma das drogas mais pesadas do mundo. Keith diz que não recomenda heroína a ninguém, mas garante que a droga tem pontos positivos. “Em muitos casos ela é um grande nivelador. Depois que você começa a tomá-la, é capaz de enfrentar tudo que surgir na sua frente”, conta ele, que estava extremamente estressado com a mudança para o Sul da França.
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DE VOLTA AO COMEÇO. Apesar de haver arranjos de cordas e metais aqui e ali, Sticky fingers foi recebido pela maioria dos críticos musicais como uma volta ao básico – ainda que os Stones não tivessem condições de soar tão “básicos” quanto soavam quase dez anos antes. A Rolling Stone via em Brown sugar uma das introduções clássicas de guitarra da banda, por exemplo. Mas Jon Landau, que resenhou o disco para a revista, ressaltava que a banda parecia desinteressada em alguns momentos do disco. Lester Bangs, no entanto, classificou-o como “o disco do ano” na pesquisa entre críticos do Village Voice.
VENDEU, AFINAL? Bastante. Em maio de 1971, Sticky fingers foi direto para o primeiro lugar da parada britânica, e passou 69 semanas na Billboard 200. Até hoje, foram mais de nove milhões e trezentas cópias vendidas.
E A CAPA? Passou para a história que o ator Joe Dallessandro, da trupe de Andy Warhol, tinha sido o modelo da capa de Sticky fingers, mas há controvérsias. Warhol fez o design e Billy Name fez a foto, e foram vários os clicados. Há quem diga que Jed Johnson, amante do designer na época, era o garoto da capa. Dallessandro costuma afirmar que ele tinha sido fotografado. O zíper, também ideia do designer, teve que ser cuidadosamente posicionado no lugar do selo do LP, já que alguns lojistas reclamaram que ele arranhava o vinil após os empilhamentos para a distribuição. O trabalho gráfico clássico do disco rendeu a Andy Warhol o equivalente hoje a uns US$ 200 mil, uma soma bem grande de dinheiro para 1971.
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ALIÁS E A PROPÓSITO, mesmo levando o nome de Warhol, a capa acabou sendo feita quase que totalmente por um dos maiores colaboradores do artista, Craig Braun.
BLÉ. Craig também fez os últimos ajustes no logotipo da nova gravadora dos Stones, dando a ele o tom de vermelho que tornou a ideia famosa. Jagger sugerira a John Pasche, um estudante de artes recrutado na Royal College of Art (e que desenhara um pôster para uma turnê da banda) que copiasse a língua da deusa hindu Kali. Pasche fez os primeiros desenhos, mandou para Craig e este ajustou os tons de vermelho com duas listras brancas. No fim das contas, o estudante ganhou só 50 libras (e mais 200 em 1972).
REGATA? Antes de decidir por Warhol, o grupo chegou a chamar Pete Webb, designer inglês conhecido na época, para fazer a capa. Webb teria assustado a banda com uma terrível viagem na maionese. Ele quis fotografar o grupo usando chapéus de palha e blazers listrados, e teve a ideia de clicar a banda numa “montagem surreal da regata de Henley”. O grupo achou melhor que ele fizesse só as fotos internas.
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CENSURA NA ESPANHA. O país vivia a ditadura do general Francisco Franco desde 1936 (permaneceria sob as botas dos milicos até 1975). Não houve jeito: Sticky fingers chegou às lojas por lá pela EMI-Odeon local, mas a gravadora teve que mudar a capa, considerada obscena. O solícito John Pasche foi chamado para conceber o novo visual. Mas teve a ajuda de Phil Jude, o cara que faria em 1973 a foto da sopa de cabeça de bode do disco Goat’s head soup. A censura e a realização dessa capa de Sticky fingers atrasaram em alguns meses o lançamento por lá (na Inglaterra foi em abril, na Espanha só em junho). Mas o engraçado é que o novo design era mais lascivo e tinha realmente “dedos grudentos” (leia mais aqui).
MAIS CENSURA NA ESPANHA. Sister morphine saiu do repertório do disco por lá. Entrou no lugar uma versão ao vivo de Let it rock, de Chuck Berry, gravada ao vivo em Leeds, em 1971.
ALIÁS E A PROPÓSITO, Sticky fingers saiu no Brasil em 1971 pela Philips numa edição bacaninha que tinha até o zíper na capa. Mas Sister morphine também foi tirada das primeiras edições. Só que não foi substituída por nada e o disco chegou aqui com nove músicas. Pouco depois, foi reeditado com a música.
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E DEPOIS? As gravações do disco subsequente dos Stones, Exile on Main St (1972), começaram logo na época de Sticky fingers. E estenderam-se enquanto a banda se instalava na França. Os Stones haviam virado uma usina de força cheia de tensão, que sugava quem deles se aproximasse. Mas que rendia grandes músicas e discos tão caóticos quanto clássicos. Como acontecia com Sticky fingers, Exile era mais um disco para tocar em último volume. Mas isso é outra história.
Crítica
Ouvimos: Sweet, “Full circle”
“Peraí, esse Sweet é aquele?”, muita gente deve estar se perguntando ao ler esse título e o começo deste texto.
Depende do seu ponto de vista. A formação clássica da banda de glam rock e hard rock já se foi quase toda para aquela grande gig no céu – sobrou apenas o vocalista e guitarrista Andy Scott, que desde 1985 leva adiante uma versão pessoal do grupo, que é a desse álbum. Isso porque houve também um Steve Priest’s Sweet, comandado pelo baixista morto em 2020, e houve também um New Sweet – batizado assim por recomendações jurídicas – criado pelo ex cantor Brian Connolly, também já falecido.
O Sweet que parece ser considerado o oficial é esse mesmo, de Andy, que vem gravando desde 1992 (e por acaso, fez shows no Brasil em 2007). Scott é o dono da bola, mas o frontman é Paul Manzi, um londrino de 61 anos que já fez shows com artistas como Ian Paice e foi integrante do grupo neo-prog Arena até 2020. O aquele do começo do texto vai sumindo aos poucos quando Full circle começa a rodar, e o Sweet que emerge das caixas de som (ou dos fones de ouvido) é uma banda de hard rock-heavy metal bem formulaica, nada a ver com o poderoso grupo de glam rock que barbarizava ao vivo e soltava hits como Ballroom blitz e épicos como Sweet Fanny Adams.
Da seleção de Full circle dá para destacar sons como Don’t bring me water, com refrão levanta-estádios, a cavalar Changes (que rouba a frase “i’m going through changes” do hit homônimo do Black Sabbath, e dá uma lembrada básica na introdução de voz de Whiskey in the jar, hit do Thin Lizzy), o metal cromado de Destination Hannover, e o belo hard rock balada da faixa-título. Mas é basicamente uma outra banda, que insiste em lembrar as fases mais recentes do Kiss ou do Whitesnake, por exemplo. Vale pelo (indiscutível) valor histórico e pela sobrevivência de um monolito do rock setentista.
Nota: 6,5
Gravadora: Sony Music.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”
- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
Crítica
Ouvimos: Coldplay, “Moon music”
Aparentemente, o Coldplay está vivendo um dilema que muitos artistas de porte enorme (não existe nada deles que não seja mega, está no DNA da banda) passam a viver assim que olham para o lado e enxergam a cordilheira de fãs que já conseguiram conquistar: como permanecer fazendo coisas diferentes, e ao mesmo tempo, fazendo música para todo mundo ouvir? Ainda mais levando-se em conta que o Coldplay sempre teve um público extremamente ecumênico?
Bom, por ecumênico, entenda-se: existem fãs de sertanejo, de gospel, de MPB e gente que nem tem o hábito de ouvir música (!) que ama Coldplay, e já esteve na plateia de pelo menos um show deles no Brasil. O mesmo, vale dizer, acontecia com o R.E.M – números dos anos 1990 mostraram para a Warner, gravadora deles, que o álbum Out of time, megasucesso de 1991, foi comprado por gente que nem sequer costumava comprar discos. Muita gente deve ter comprado um toca-discos pela primeira vez para ouvir o álbum de Shiny happy people, e muita gente deve ter ido a um show “de rock” pela primeira vez porque precisava assistir ao Coldplay e se envolver com a música e com o espetáculo visual do grupo.
Explicar o papel e definir a postura de cada um desses nomes (R.E.M. e Coldplay) diante desse frege todo do mercado, parece fácil. Difícil é entender, hoje em dia, para que lado vai, musicalmente falando, a banda de discos excelentes como a estreia Parachutes (2000). Autodefinido como uma banda que fala de “maravilhamento” (o cantor Chris Martin já mandou essa numa entrevista), o Coldplay parece entregue em Moon music, o novo álbum, à vontade de investir de vez no segmento de trilhas para time-lapse de construção de shopping center, e vídeo motivacional pra empresas.
Isso faz de Moon music um disco ruim? Não, pode crer que tem coisas legais ali, além de algumas ideias boas que se perdem em finalizações meia-boca. Destaco o clima ABBA + ELO de iAAM, quase uma sobra do primeiro disco da banda; o house bacaninha de Aeterna (que mesmo assim encerra num clima de música de louvor) e a baladinha de piano All my love. Além da abertura “espacial” com Moon music, que tem participação do produtor de música eletrônica Jon Hopkins. Vale citar as mensagens de autoaceitação e autoestima da banda – sim, isso faz diferença, ainda que em termos de política, as letras do Coldplay sejam mais rasas do que piscina infantil.
- Temos episódio do nosso podcast sobre o começo do Coldplay
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Por outro lado, Jupiter é um folk pop bacaninha, mas do tipo que você vê artistas em todo canto fazendo igual. A faixa 6, cujo título é identificado com um arco-íris, é parece feita de encomenda para os tais vídeos motivacionais. We pray é cheia de truques batidos da união de pop, gospel e hip hop. Em vários momentos, o Coldplay parece estar mirando, mercadologicamente, no que parece mais rentável para a banda: na trilha sonora dos seus shows, e não especialmente em discos que mudem a história do grupo. Não dá para culpá-los, mas ao fim do disco novo, a sensação é a de ter escutado um EP esticado ao máximo.
Moon music soa como música ambient produzida não por Brian Eno, mas por um produtor ou diretor de TV, ou um desses diretores criativos que surgiram na onda dos influenciadores digitais. O Coldplay de Music of the spheres (2022) parecia bem menos estandardizado e bem mais ousado. Mas foi rebate falso.
Nota: 5,5
Gravadora: Universal Music
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