Crítica
Ouvimos: Brigitte Calls Me Baby, “The future is our way out”
- The future is our way out é o primeiro álbum do Brigitte Calls Me Baby, uma banda de Chicago, formada por Wes Leavins (compositor e vocalista), Jeremy Benshish (bateria), Trevor Lynch (guitarra), Jack Fluegel (guitarra), Zach Lentino (baixo) e Devin Wessels (teclados). O grupo tem sido bastante comentado por causa das semelhanças da voz de Wes com a de Morrissey, ex-Smiths.
- “Música, como outras artes, é uma oportunidade de criar um momento no tempo que dura para sempre. Sim, claro, ser famoso parece legal, mas como você alcança a permanência? O resultado desejado é ter algo que possa falar por você depois que você não puder mais falar, sabe?”, filosofou Wes em um papo com a DIY Magazine.
- Afinal, Wes é fã de Smiths? “Eu amo e escuto The Smiths, sim, porque gosto da atmosfera musical de sentimento que eles criam e de suas vozes únicas. Tanto The Smiths como Elvis Presley são sobre isso”, disse numa entrevista ao site brasileiro Popload.
O nome do álbum de estreia do Brigitte Calls Me Baby parece à primeira vista apenas uma frase carregada de ironia (“o futuro é a nossa saída”). Afinal, Wes Leavins, o vocalista do grupo, tem sido apontado como uma espécie de Morrissey do século 21. Um cara que tem os mesmos maneirismos e inflexões do ex-Smiths, e que soa de fato como uma releitura do cantor justamente na faixa-título do disco. A repetição da frase “I said it long ago” várias vezes no refrão, dá a real impressão que o cantor britânico decidiu abraçar seu lado mais nostálgico e arrumou novos parças para a nova missão.
Pois até que faz sentido: o futuro imaginado pelo grupo de Chicago é nada mais do que uma bela linha do tempo, esticada na frente dos ouvintes. Uma linha que remonta a Roy Orbison, a Everly Brothers (grande influência de Wes), a Bruce Springsteen, a Chrissie Hynde, ao imaginário da Hollywood dos anos 1950 e 1960, e a tentativas de emular Elvis Presley – e não as pepitas pop britânicas às quais a dupla Morrissey e Johnny Marr recorria como inspiração. E essa linha chega até os novos tempos, com outras influências, esquemas de arranjo renovados e a disposição para nunca soar caricatural. Um tiquinho a mais de falsidade, e a relação forma/função do grupo cairia feito fruta podre.
Quem escutar The future is our way out vai descobrir que, em especial, a mania do BCMB com a estética musical oitentista britânica é real e sincera: há referências a The Cure (em Palm of your hand) e até a Erasure e Depeche Mode (na dançante We were never alive). O disco tem pelo menos uma música que ameaça guiar o timão para uma mescla de Roxette e ABBA, a excelente Too easy. Quem não esperava achar algo parecido com o indie rock dos anos 2000, que já era inspiradíssimo nas inspirações das bandas de duas décadas antes, vai tomar um susto com Impressively average e Pink palace, duas das melhores músicas da banda, mostrando que o grupo não ficou imune a Strokes e Arctic Monkeys.
Já em You are only made of dreams, o grupo soa parecido com o lado Motown de bandas como The Jam e Clash, só que mais doce e romântico. E muito do imaginário sonhador e sarcástico dos Smiths reside em I wanna die in the suburbs, uma das canções do BCMB que são mais associáveis a Morrissey e Marr, em letra e música (“não quero passar minha vida com ninguém além de você/oh, eu quero morrer na sua garagem para quatro carros/apague as luzes e mande a comitiva entrar”). Pode crer que você vai querer ouvir The future is our way out diversas vezes, e ainda vai obrigar todo mundo a ouvir.
Nota: 9
Gravadora: ATO Records
Crítica
Ouvimos: Pluma, “Não leve a mal”
- Não leve a mal é o primeiro álbum da banda paulistana Pluma, formada por Marina Reis (vocal), Diego Vargas (teclados, vocal), Guilherme Cunha (baixo) e Lucas Teixeira (bateria). O grupo, que já tinha dois EPs, surgiu em 2019 de um trabalho de conclusão de curso em Produção Fonográfica. Com a pandemia, decidiram trabalhar mais seriamente – e inicialmente fizeram tudo à distância.
- O grupo tocou em 2022 no festival Primavera Sound, em Barcelona. Voltaram de lá dispostos a fazer o primeiro álbum. “A gente queria lançar o disco em 2023, porque as masters já estavam prontas em outubro, mas a gente ficou até agora fritando a parte visual. Trabalhamos as músicas e então trabalhamos na parte visual em parceria com a incrível Maria Cau Levy. Por isso demorou, mas rolou um aprendizado para as próximas”, contou Diego em julho ao site Downstage.
Talvez o Pluma não tenha esse referência, mas o som deles é recomendadíssimo para quem era fã de Cardigans nos anos 1990 – na estreia Não leve a mal, bate ponto aquela mesma combinação de rock, detalhes eletrônicos, som lounge e vocais doces, além da mescla em doses iguais de peso e estranhice, que os suecos apresentaram no álbum First band on the moon (1996). Bandas como Crumb (para quem eles irão abrir apresentações) soam mais próximas dos integrantes, mas em comum essa turma toda tem a busca por combinar texturas e designs musicais diversos, e por trabalhar com a surpresa do ouvinte.
Escutando Não leve a mal na sequência das faixas, já dá para ficar bastante animado (a) com a abertura climática e levemente dançante de Quando eu tô perto – lembrando que, no final, vocais a cappella e uma pequena rajada de ruídos aguardam o ouvinte. Se você quiser, entre timbres diferentes de teclados, ameaça uma bossa nova eletrônica no começo, e se transforma numa dance music discreta. Um tom meio ligado aos discos de Lô Borges no começo dos anos 1980, mas com agilidade pop-rock, surgem em faixas como Corrida! e Jardins, e até mesmo na psicodelia distorcida de Mais uma vez.
Preguiça, cantada por Diego Vargas, surge quase como uma vinheta, ou um momento de respiro balizando o disco, que ganha ares mais próximos do neo-soul, em faixas como Não leve a mal e Sem você, e une drum’n bass, distorções e balanço quase bossanovista em Plano Z. Indo para o fim do disco, é a vez do synth pop cheio de ganchos de Doce/Amargo (a melhor do disco, lembrando uma união de Rita & Roberto e soul progressivo), de um curioso r&b shoegaze em Quanto vai ficar? e de um dream pop com toques de jazz, Sonar. Uma banda que usa a experimentação musical a favor da canção, em todos os momentos.
Nota: 9
Gravadora: Rockambole.
Crítica
Ouvimos: Apeles, “Estasis”
- Estasis é o terceiro álbum do Apeles, projeto musical criado por Eduardo Praça, conhecido por seu trabalho com bandas como Ludovic e Quarto Negro. Dessa vez, as faixas do disco trazem convidados vindos de países como Itália, Coreia do Sul, Reino Unido, Argentina e Grécia – além de brasileiros. Hélio Flanders (Vanguart) divide a direção musical com Eduardo.
- O disco ganhou vários clipes, um para cada faixa, feitos em Super 8, e que foram lançados ao longo de quase um ano. Antes de começar a gravar, foram quatro anos de conversas com cada convidado de cada faixa, para alinhar tudo. “Fomos de amigos a completos desconhecidos”, contou Eduardo ao site Hits Perdidos.
Estasis, terceiro disco do Apeles, poderia fazer parte de alguma zona perdida e underground do synth pop oitentista – colagens sonoras, sons eletrônicos e vocais falados, ou capturados em meio a conversas casuais, acabam compondo uma sonoridade que tem mais cara de experiência musical 360º do que de disco para ser apenas ouvido. Tanto que cada música ganhou seu clipe (em Super 8) e o conceito do álbum é ligado a um clube noturno imaginário. A própria capa do disco já tem um aspecto de portal, de passagem para um universo diferente e repleto de sensações, das mais mágicas às mais depressivas.
Ao contrário dos dois álbuns anteriores do projeto, Eduardo Praça decidiu sair do foco de sua própria banda. Cada faixa tem um convidado diferente (todos de várias partes do mundo) soltando a voz. Como na participação da cantora portuguesa Bernardo na celestial In god’s hands, e do rapper londrino Awate num encontro entre trap e synth pop, Magical/Rational. Ou o italiano Colombre no momento baggy anos 1980 do disco, com Puro (Leviticus 13:1).
Se o Apeles já soava anti-convencional nos discos anteriores, ambos próximos da neo-psicodelia, no novo álbum Eduardo aumenta mais ainda a variedade de estilos – até pela circulação de convidados – e cria canções que soam mais como ambientes sonoros, na linha de LCD Soundsystem, Massive Attack e outros grupos. Estasis promove também encontros entre artistas de origens variadas, como Gustavo Bertoni e YMA na dançante e psicodélica Lábios mentem à distância, ou Hélio Flanders, Jair Naves e a pianista grega Lena Platonos no poema sintetizado Blefe, prova, posse. Resta saber os próximos passos, já que Estasis, diz o próprio Eduardo, fecha uma trilogia.
Nota: 8
Gravadora: Balaclava Records.
Crítica
Ouvimos: The The, “Ensoulment”
- Ensoulment é o novo disco do The The, banda-de-um-homem-só criada em 1979 pelo músico Matt Johnson, sempre com o auxílio de convidados. O disco sai pelo Cineola, selo criado pelo próprio Matt, que abarca também uma rádio com o mesmo nome. A produção foi feita por Matt e Warne Livesey.
- No começo da epidemia de covid-19, Matt foi internado para remover um abcesso da garganta. Depois disso, ele ficou seis meses sem cantar. A estadia sombria no hospital vazou para uma das faixas do novo disco, Linoleum smooth to the stockinged feet. “Talvez eu tenha morrido. Pensei que era isso que tinha acontecido. Estou morto. Agora estou naquela sala de espera entre o céu e o inferno”, contou ao The Independent.
The The é a banda-de-uma-pessoa-só que tem hits como Uncertain smile, This is the day e Slow emotion replay – músicas que já animaram festas por aí e que costumam rolar em rádios rock, das mais ousadas às mais motoclubistas e conservadoras. O fato de terem vindo dos anos 1980 e terem uma estética que fica a meio caminho de grupos como The Cure e New Order, ajudou nesse sucesso aqui no Brasil, claro.
Bom, não é bem por ai. Matt Johnson, criador e único integrante oficial do grupo, já foi louco de tacar pedra. Um dos maiores hits da banda é o eletrogótico Infected, e a coleção de clipes Infected: The movie, lançada em 1986, traz vídeos em que o cantor se mete em brincadeiras bastante arriscadas. Tipo descer um rio selvagem num barco, só que amarrado numa cadeira, ou contracenar com uma cobra. O período em que Matt chamava Jesus de Genésio por causa das drogas se foi, sua banda passou a ser mais conhecida como autora de trilhas sonoras e, em 2018, anunciou o retorno dos shows ao vivo.
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O sombrio Ensoulment, álbum novo do The The, continua na linha de mostrar que o grupo de Matt Johnson sempre esteve mais para banda pop dirigida por Tim Burton do que pra autores de jingle radiofônico de loja de surf wear (Slow emotion replay, a “da gaitinha”, foi por muito tempo usada no Rio de Janeiro exatamente para essa função). Era o que vinha acontecendo nas trilhas sonoras feitas pelo The The e foi o que rolou no obscuro disco NakedSelf (2000), basicamente um álbum de rock industrial.
Ensoulment é uma trilha para um filme que possivelmente só existe na cabeça de Matt, e cujo design sonoro está mais para discos de Iggy Pop e Leonard Cohen do que para qualquer som de festa, como rola na abertura com a climática Cognitive dissident e na folk e nostálgica Some days I drink my coffee by the grave of William Blake – esta com melodia delicadamente sampleada de The house of the rising sun, tema tradicional imortalizado por The Animals. O blues maldito Zen & the art of dating lembra uma mescla de David Bowie e Marilyn Manson, enquanto Kissing the ring of POTUS é uma balada de terror, e Life after life volta a mexer no baú de Leonard Cohen. Ajuda o fato de Matt ter enfatizado mais ainda o registro grave de sua voz com o passar dos tempos.
Daí para a frente, o álbum traz músicas como a funérea e romântica I want to wake up with you, o blues de piano fantasmagórico Down by the frozen river, o r&b lúgubre de Risin’ above the need e o folk de outros mundos de Where do we go when we die?. Sem contar as lembranças sombrias da estadia num hospital em Linoleum smooth to the stockinged feet. E assim Ensoulment é a volta do The The num clima de fantasia, mais narrativo e sofisticado.
Nota: 8,5
Gravadora: Cineola
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