Crítica
Ouvimos: Ryan Adams, “Blackhole”
- Blackhole é o “novo” álbum do cantor e compositor Ryan Adams – na verdade um disco perdido, anunciado há anos, com gravações compostas entre 2003 e 2006 e arquivadas em meio a problemas dele com sua antiga gravadora.
- “O conteúdo do álbum e a lista final de faixas foram amplamente especulados desde sua concepção no início dos anos 2000 (…) O álbum arquivado, primeiramente demo em 2006, tornou-se fortemente pirateado, com fãs circulando gravações de baixa qualidade e trechos de apresentações ao vivo, alimentando uma demanda pelo lançamento oficial do álbum”, diz o texto de lançamento publicado na loja da gravadora de Ryan.
- O disco sai em CD e vinil (na cor preta tradicional).
Discos “perdidos” e jamais lançados costumam chamar a atenção, desde que o artista tenha fãs dedicados e fiéis ao extremo, do tipo que papam tudo. Ryan Adams é um artista que consegue atrair esse tipo de adoração, e mais do que isso, consegue alimentar esse tipo de adoração, seja lançando vários singles, fazendo turnês com repertório de seus antigos álbuns, ou lançando cinco discos num dia só – e justamente no primeiro dia do ano, como fez na abertura de 2024.
Blackhole é “o” disco perdido de Adams, com várias faixas feitas entre 2003 e 2006, já devidamente vazadas entre fãs e pirateadas nas versões demo, por vários anos. Em 2014 já tinha texto em blog contando a história do disco, cujo repertório foi sendo feito em meio a várias pinimbas de Ryan com seu antigo selo, Lost Highway.
Durante vários anos, Ryan adotou o confusionismo como arma e deixou fãs malucos: avisava que o disco já estava quase pronto, publicava fotos segurando a prensagem-teste, fugia do assunto, voltava de novo, prometia que o disco era “sensacional” e já estava saindo, não saía nada… Até que, tá aí, Blackhole, disco que ele sempre afirmou ter sido “inspirado na guitarra de Johnny Marr”, finalmente chegou. Mas e aí, vale?
Vale, sim. Para começar, Blackhole soa como um disco coeso, e não como um cata-corno de faixas sumidas. Dizer que tudo é inspirado em Smiths soa reducionista. Ryan até que soa como um Smiths pesado, voltado para o power pop, em faixas como Help us e Call me back. E une influências que vão de R.E.M. e Byrds a clássicos pop dos anos 1960 em The door, que abre o álbum. Likening love to war é um jangle pop legítimo, batido na guitarra, fechado com barulhos de trem e tempestade.
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Só que em vários momentos (vários mesmo) de Blackhole, a banda mais evocada é o U2. Um pouco por causa dos vocais desesperados e meio exagerados de faixas como Starfire, Runaway e For the sun, um pouco pelos riffs econômicos (como os de The Edge) que aparecem aqui e ali. Um dos melhores refrãos do disco está em Tomorrowland, pós-punk tranquilo e com os dois pés na boa composição pop. Just you wait é pop romântico e balançado herdado de Paul McCartney (e vá lá, dos próprios Smiths). Catherine é uma boa surpresa, pós-punk feito para tocar em rádio – bom, se a rádio for a Transamérica e o ano for 1986. E claro, nessa, o U2 é devidamente louvado.
Uma música bem enjoadinha de Blackhole é When I smile, reggae-rock cagado que encerra o disco, no qual o eu-lírico de Ryan faz o sujeito espontâneo e incontrolável, o tipo de pessoa meio maníaca, meio sorumbática que quando está na maior merda, está na maior merda mesmo. É uma obsessão do cantor, que assume uma mescla da tristeza de Neil Young com pé na bunda teen em Call me back, e pressente que seu namoro está pela bola sete na quase punk Starfire (“veja o jeito que ela diz meu nome/veja o jeito que ela se move/algo nela começa a congelar”). É Ryan sendo Ryan, nas coisas boas e nas que você só pensa “humm, ok”.
Nota: 8
Gravadora: PaxAM
Lançamento: 6 de dezembro de 2024.
Crítica
Ouvimos: Ringo Starr, “Look up”
Uma ideia genial e que parece a coisa mais óbvia do mundo: um disco country de Ringo Starr. Nos Beatles, o baterista sempre foi o músico mais ligado ao estilo: foi ele que fez o vocal da releitura de Act naturally, sucesso do countryman Buck Owens, na trilha de Help!, e sua contribuição autoral para o Álbum branco (1968), Don’t pass me by, é bem nessa onda. Aliás, não custa lembrar que Starr já havia gravado um álbum dedicado ao country, e foi justamente seu segundo disco solo, Beaucoups of blues (1970). Faz tempo.
Look up é o tipo de disco que, se você for fã de Ringo e dos Beatles, vai demorar até achar algo minimamente criticável. O autor de praticamente todas as faixas, o veterano T Bone Burnett, foi guitarrista de Bob Dylan nos anos 1970, e é uma fera que caminha há décadas entre folk, country e rock clássico. Ringo está com a voz em forma, toca bateria em todas as faixas, e fez de Look up um trabalho bem mais cheio de personalidade que seu último EP, Crooked boy, no qual topou até bancar o indie-rocker em alguns momentos. As músicas são boas: a abertura com Breathless é linda, a faixa-título insere micropontos quase invisíveis de psicodelia na história, Time on my hands acena para o lado clássico do country, e traz o velho estilão de Ringo na bateria.
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O clima de todo o disco é basicamente esse mesmo. Mesmo assim, passando a animação, vem uma impressão esquisita: Ringo, um cara que nunca foi exatamente um grande cantor, soa em Look up mais como um baladeiro, um cantor romântico, do que como um contador de histórias do country. Isso talvez faça de Look up uma celebração do rock e da música pop influenciados pelo country, e não exatamente um disco do estilo. Se você for fanático (a) por country music e já chegar disposto a implicar com o álbum, pode acabar arrumando motivos pra isso – ainda mais quando o repertório fica meio irregular, graças a músicas como Come back e Can you hear me call.
E daí? E daí que, entre altos e baixos, o cara mais indicado para brincar de countryman nos dias de hoje é Ringo mesmo. Look up, vale informar, é balizado por alguns country rocks bacanas, como I live for your love, uma canção em que Ringo, ao lado de Molly Tuttle, diz que “não vive no futuro nem no passado” – e curiosamente é uma música que caberia bem num dos primeiros discos dos Beatles. Thankful, com Allison Krauss, emociona: Ringo, 84 anos, sobrevivente de tudo que você possa imaginar dos anos 1960/1970 (da ameaça de falência ao alcoolismo) fala sobre o amor e amizade como elementos de salvação.
No corredor roqueiro de Look up, cabem também o hino You want some e a melhor faixa do álbum, Rosetta – uma espécie de country lúgubre, marcado por violões fortes e por uma guitarra que costura toda a música e ganha protagonismo merecido. Uma curiosidade é a bela e venturosa String theory, outra canção que dá pena por não ter sido composta lá por 1968 e não ter estado na lista de candidatas a White album ou Abbey Road. Talvez John Lennon e Paul McCartney, naquela altura, achassem a letra infantil demais (para Ringo, “tudo vibra”, das melhores coisas às piores tragédias), mas é uma canção tão legal quanto Now and then, o single recente deles.
Nota: 8
Gravadora: Lost Highway
Lançamento: 10 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Goat Girl, “Below the waste”
- Below the waste é o terceiro álbum da banda londrina Goat Girl, formada hoje por Lottie Pendlebury (ou Clottie Cream, vocal e guitarra), Rose Jones (ou Rose Bones, bateria) e Holly Mullineaux (ou Holly Hole, baixo). O disco foi produzido pela banda ao lado de John Spud Murphy (Lankum, Black Midi).
- É o primeiro álbum gravado como trio, já que a guitarrista Ellie Rose Davies descobriu um diagnóstico de câncer e decidiu afastar-se da banda. Com a saída de Ellie, as três passaram a ter funções menos fixas na banda. “E como éramos menos integrantes, meio que abriu mais portas para trocarmos instrumentos. Essencialmente, havia mais espaço dentro da música para preencher, então tivemos que ser bem criativos com a forma como iríamos descobrir isso”, contou Lottie à DIY.
- Entre os temas do disco, há a luta de Rose para se livrar do abuso de substâncias (a faixa TCNC fala de um mantra criado pela mãe da musicista, “take care, not crack”). Não foi o único problema enfrentado por elas. “Ellie estava doente; eu basicamente passei por abuso doméstico por um longo tempo e tive que sair de Londres para fugir disso”, contou Holly.
O Goat Girl não é exatamente o arquétipo de banda de rock explosiva. O trio (que já foi um quarteto), em seus discos anteriores, parecia estar mais interessado na exploração de climas diferentes do que em soar exatamente pesado – numa espécie de visão feminina, misteriosa e elaborada do que é fazer rock experimental e (em vários momentos) “mágico”.
Below the waste, um disco longo (quase 50 minutos) e o terceiro delas, investe na criação de músicas sobre monstros nada imaginários. Surgem temas como ecologia, desperdício, superficialidades, abuso de drogas (os problemas da baterista Rosy Bones surgem em faixas como Words fell out), a mão do destino (a letra de Play it out tem frases ótimas sobre isso), Perhaps (de versos como “não há mais barreiras de estação/cadeados e correntes se abriram/não há mais câmeras nos observando/portas bem fechadas se abriram”). A arte da capa lembra a dos discos do Black Widow, uma banda que fazia rock satanista na época em que o Black Sabbath começou – mas não se tornou conhecida.
No novo disco, o som delas se tornou mais assustador, e principalmente, se tornou uma massa ameaçadora que afasta quem espera discos “diretos”. A mensagem de Below the waste é entregada em meio a vinhetas “de terror” como Reprise e Prelude, a canções calmas e perigosas como Words fellout e o noise-rock de bolso Ride around, e ao tom acústico e quase sussurrado de Tonight. Take it away é som quase gótico, ameaçando uma balada, com um coral que vai ganhando vozes, inclusive masculinas.
Jump sludge ameaça um blues, mas o que vem é um indie rock de masmorra, com sons tensos de guitarra e piano. E faixas como Wasting e Perhaps conseguem soar como a mistura certa de Pixies, Black Sabbath,Velvet Underground e o Nirvana do disco Bleach (1989) – no caso de Perhaps, sons aparecem como correntes sendo arrastadas.
Lançado em junho de 2024, Below the waste é o tipo de disco que afasta roquistas empedernidos. Não é à toa: as faixas do álbum conversam com sensações bem diferentes do habitual. E em alguns momentos, vale dizer, ele exige um pouco mais do ouvinte do que geralmente acontece em outros álbuns recentes.
Nota: 8,5
Gravadora: Rough Trade.
Lançamento: 7 de junho de 2024.
Crítica
Ouvimos: Mynk, “Pleaser” (EP)
- Pleaser é o EP de estreia da banda londrina Mynk, formada por Bex Morrison (vocal, baixo), Lewis Clark (guitarra, backing vocal) e Ricky Cato (bateria). A produção foi feita por Faris Badwan (The Horrors, Cats Eyes).
- Boundaries, primeiro single do disco, é sobre “os limites que estabelecemos para funcionar em diferentes situações/relacionamentos; o cruzamento do sacrifício e do hábito se encontra em algum lugar no meio para manter uma conexão. É sobre o questionamento interno relacionável de ‘eu faço/não faço?’ e onde isso leva você, e como você pode se perder nisso”, diz a banda.
O Mynk é uma daquelas bandas que você depara em playlists de novidades e acaba grudando no ouvido. Esse grupo londrino bastante influenciado pelo universo de David Lynch (olha!) mistura no EP Pleaser pós-punk, distorção e batidas diferentes, a ponto de Boundaries soar meio Sonic Youth, meio bossa nova – graças aos vocais da cantora Bex Morrison e ao clima relaxado do ritmo da canção, e também ao tom de “pop noir melancólico” que a banda insere em suas músicas.
Na sequência, o grupo trilha Renewal num corredor oitentista – com um refrão misterioso e que traz uma surpresa a mais na faixa. Shells é um dream pop funkeado e espacial, com um riff de guitarra que lembra New Order e um refrão que ajuda a revirar a faixa (por sinal, a tendência do grupo é investir em refrãos marcantes e que soam diferentes do resto das melodias). The itch encerra o disco num clima que faz lembrar tanto a new rave dos anos 2000 quanto bandas como Talking Heads e Gang Of Four. Disco curto (quatorze minutos) e quase completo.
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 27 de setembro de 2024
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