Crítica
Ouvimos: Post Malone, “F-1 trillion”
- F-1 trillion é o sexto disco do rapper Post Malone, que envereda pelo country e traz duetos com artistas como Chris Stapleton, Tim McGraw, Hank Williams Jr., Morgan Wallen, Blake Shelton e Dolly Parton. O álbum foi produzido por Louis Bell, Charlie Handsome e Hoskins.
- O rapper já havia afirmado que aos 40 anos seria “um cantor country”, e que achava os countrymen de antigamente “caras realmente durões” (Post tem 29, só para informar). Em 2022, ele já havia afirmado que poderia fazer um disco no estilo, durante uma entrevista ao The Howard Stern Show.
Sempre houve interesse (muito, aliás) de Post Malone em ser um rockstar poderoso, e não exatamente um rapper – ele já promoveu aproximações com Ozzy Osbourne, tem justamente um single chamado Rockstar, e no disco Austin (2023), parecia mais um cantor de emo do que um astro do rap. Mesmo discos como Stoney (2016) e Beerbongs & bentleys (2018) lembram mais um “hip hop encontra Coldplay e trance” do que qualquer outra coisa. Até porque basicamente, é outra geração, e a origem da música de Post, mais ligada ao universo do “rock alternativo” radiofônico norte-americano e, de certa forma, ao universo dos games, é bem outra.
Essa partida de Post rumo a outros estilos vem ficando mais clara de uns tempos para cá, e se consolida em definitivo em F-1 trillion, o tal disco “country” dele, repleto de participações especiais – entre elas, uma artista (Dolly Parton, que aparece em Have the heart) cujo aval, ainda que arranjado em contrato, vale bastante. O The Guardian chamou a nova iniciativa de Post de “cosplay country”, e faz todo sentido. Por mais que não convencesse fãs radicais de hip hop, a ideia de um rapper branco fazendo músicas largamente chapadas de Ritalin, maconha e MD tinha lá sua originalidade. E dava lá seu toque geracional – muito embora Post sempre tenha sido inferior a Frank Ocean, Tyler The Creator e todo o Odd Future, que sempre fizeram música realmente perturbadora (e perturbada).
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F-1 trillion se aproveita de uma onda country que vem surgindo no universo pop como saída “adulta” – tipo o que rolou com Beyoncé no Cowboy carter, ou o visual de Lady Gaga e Bruno Mars na capa do single da balada Die with a smile, ou Lana Del Rey já anunciando seu primeiro disco country, Lasso, para setembro. Ou a chegada de novidades como a californiana Dasha, do hit Austin (Boots stop workin’), e Shaboozey, de A bar song (Tipsy). O site Countrytown informa que até no Reino Unido as pessoas estão escutando mais country. Um executivo ouvido pelo site acredita que canções-com-historinha, um especialidade do gênero, estão fazendo sucesso.
No disco novo de Post, não dá para negar, há uma série de refrãos bem interessantes e canções feitas para estourar. Tipo Nosedive, com Lainey Wilson, ou o country-rock ostentação Finer things, com Hank Williams III. I had some help, com Morgan Wallen, anima, e muito: pode até chegar perto de enganar fãs de alt-country. Ao contrário do que acontece em Stampede, disco novo de Orville Peck, o material é todo autoral, embora feito com diversos colaboradores – e, raridade em discos pop, apenas um trio de produtores. Mas ao atravessar os quase 58 minutos e as 18 faixas de F-1 trillion fica evidente o caráter de aventura, como se Post dominasse apenas o básico do estilo musical, e caísse numa armadilha caricatural que o colocou mais próximo da turma dos motoclubistas roquistas do que das histórias narradas pelo country.
F-1 trillion não é picaretagem da grossa – é, vá lá, uma canalhice que presta, mas que está bem longe de ser um desvio country maravilhoso, especialmente por soar mais como uma brincadeira do que como uma real contação de histórias. Para o numeroso fã-clube de Post, saiu já uma edição deluxe (Long bed) com mais 30 minutos de música, e mais oito temas country do cantor.
Nota: 6
Gravadora: Republic/Mercury
Crítica
Ouvimos: The The, “Ensoulment”
- Ensoulment é o novo disco do The The, banda-de-um-homem-só criada em 1979 pelo músico Matt Johnson, sempre com o auxílio de convidados. O disco sai pelo Cineola, selo criado pelo próprio Matt, que abarca também uma rádio com o mesmo nome. A produção foi feita por Matt e Warne Livesey.
- No começo da epidemia de covid-19, Matt foi internado para remover um abcesso da garganta. Depois disso, ele ficou seis meses sem cantar. A estadia sombria no hospital vazou para uma das faixas do novo disco, Linoleum smooth to the stockinged feet. “Talvez eu tenha morrido. Pensei que era isso que tinha acontecido. Estou morto. Agora estou naquela sala de espera entre o céu e o inferno”, contou ao The Independent.
The The é a banda-de-uma-pessoa-só que tem hits como Uncertain smile, This is the day e Slow emotion replay – músicas que já animaram festas por aí e que costumam rolar em rádios rock, das mais ousadas às mais motoclubistas e conservadoras. O fato de terem vindo dos anos 1980 e terem uma estética que fica a meio caminho de grupos como The Cure e New Order, ajudou nesse sucesso aqui no Brasil, claro.
Bom, não é bem por ai. Matt Johnson, criador e único integrante oficial do grupo, já foi louco de tacar pedra. Um dos maiores hits da banda é o eletrogótico Infected, e a coleção de clipes Infected: The movie, lançada em 1986, traz vídeos em que o cantor se mete em brincadeiras bastante arriscadas. Tipo descer um rio selvagem num barco, só que amarrado numa cadeira, ou contracenar com uma cobra. O período em que Matt chamava Jesus de Genésio por causa das drogas se foi, sua banda passou a ser mais conhecida como autora de trilhas sonoras e, em 2018, anunciou o retorno dos shows ao vivo.
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O sombrio Ensoulment, álbum novo do The The, continua na linha de mostrar que o grupo de Matt Johnson sempre esteve mais para banda pop dirigida por Tim Burton do que pra autores de jingle radiofônico de loja de surf wear (Slow emotion replay, a “da gaitinha”, foi por muito tempo usada no Rio de Janeiro exatamente para essa função). Era o que vinha acontecendo nas trilhas sonoras feitas pelo The The e foi o que rolou no obscuro disco NakedSelf (2000), basicamente um álbum de rock industrial.
Ensoulment é uma trilha para um filme que possivelmente só existe na cabeça de Matt, e cujo design sonoro está mais para discos de Iggy Pop e Leonard Cohen do que para qualquer som de festa, como rola na abertura com a climática Cognitive dissident e na folk e nostálgica Some days I drink my coffee by the grave of William Blake – esta com melodia delicadamente sampleada de The house of the rising sun, tema tradicional imortalizado por The Animals. O blues maldito Zen & the art of dating lembra uma mescla de David Bowie e Marilyn Manson, enquanto Kissing the ring of POTUS é uma balada de terror, e Life after life volta a mexer no baú de Leonard Cohen. Ajuda o fato de Matt ter enfatizado mais ainda o registro grave de sua voz com o passar dos tempos.
Daí para a frente, o álbum traz músicas como a funérea e romântica I want to wake up with you, o blues de piano fantasmagórico Down by the frozen river, o r&b lúgubre de Risin’ above the need e o folk de outros mundos de Where do we go when we die?. Sem contar as lembranças sombrias da estadia num hospital em Linoleum smooth to the stockinged feet. E assim Ensoulment é a volta do The The num clima de fantasia, mais narrativo e sofisticado.
Nota: 8,5
Gravadora: Cineola
Crítica
Ouvimos: Nando Reis, “Uma estrela misteriosa”
Se você não for exatamente um/uma fã ardoroso (a) de Nando Reis, provavelmente vai achar um enorme exagero o lançamento de um álbum triplo de carreira do cantor. Vale acrescentar que poucos artistas se aventuraram por esse tipo de formato, e entre eles estão Smashing Pumpkins e ninguém menos que Nelson Gonçalves. E que, se em outros tempos, uma ousadia dessas era sinal de que há público pagante, hoje em dia, com os mistérios das redes sociais e das plataformas, tudo fica na base do ”só vendo”.
No caso de Uma estrela misteriosa – que na versão em vinil ainda ganha um LP bônus, estendendo o título do álbum com o rabicho …revelará o mistério – Nando volta ao noticiário com um projeto tão ambicioso quanto a turnê Encontro dos Titãs, sua ex-banda. Tudo bem conveniente para um artista que sempre soube usar muito bem a mídia e suas ramificações (show, lançamentos ao vivo, feats, podcast, entrevistas, canal do YouTube). E tudo, quem sabe, ótimo para os fãs, que ganham o primeiro material verdadeiramente novo do cantor desde 2016, quando saiu Jardim-pomar. Não custa lembrar que Nando, mesmo sendo parte integrante do mainstream musical brasileiro, é um artista independente, não está rasgando dinheiro, e o projeto todo deve ter partido de uma relação custo-benefício (que já rendeu além do disco, uma turnê por todo o Brasil), e não de megalomania patrocinada por uma gravadora.
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Se o disco triplo é bom… Aí vamos por partes. Em sua obra, Nando costumeiramente se dá melhor quando veste a capa de uma certa MPB heartland, baseada em riffs roqueiros, argamassa quase pesada, letras que mostram detalhes diferentes do cotidiano, e um certo romantismo idealizado, de retorno ao passado – lembrando uma mescla pouco usual de Roberto & Erasmo e Neil Young. Em Uma estrela misteriosa, essa estética toma conta do disco 3, em faixas como O muro, Ginger e Red, Na lagoa e Tome o seu lugar. Rola também na abertura do set com A chave, e na fanfarra brega (no bom sentido) de Coragem é poder mostrar. Os arranjos de metais são uma atração à parte, soando em alguns casos como uma mescla de MPB popularesca dos anos 1970 e Dexy’s Mindnight Runners. Já Azul febril ameaça lembrar uma versão MPB-balada de Ballet for a rainy day, do XTC.
Por outro lado, tem as horas em que Nando parece lembrar que produz músicas para serem tocadas nas poucas rádios de MPB que ainda tomam conta do dial – e aí surgem músicas um tanto repetitivas, como Inverso, a balada blues Pedra fundamental e Daqui por diante. Como letrista, Nando não é como Gilberto Gil, que sabe misturar metáforas e conversas simples, às vezes numa mesma música. No disco triplo, essa disposição para exagerar nas imagens e patinar no hermetismo fica bem clara em várias letras. Por acaso, o álbum tem uma faixa, justamente Estrela misteriosa, que leva o discurso de O segundo sol para Júpiter, e que fala em “79 luas”.
Uma estrela misteriosa foi feito para os fãs de verdade – até pelo seu caráter exclusivista, de ser uma caixa de LPs – e provavelmente vai ser compreendido por eles devido a seu aspecto afetuoso. Como produto, rende altos e baixos. E Para quando o arco íris encontrar o pote de ouro, segundo álbum de Nando (2000) ainda é o disco recomendável a quem quiser encontrar MPB verdadeiramente ligada ao lado invernal da música dos anos 1990.
Nota: 7
Gravadora: Relicário
Crítica
Ouvimos: Cipó Fogo, “Born enslaved”
- Born enslaved é o sexto lançamento do Cipó Fogo, um duo formado por Marcelo Cabral (da cena alagoana, de bandas como o Coisa Linda SoundSystem, Otari, entre outros) e pelo produtor paulista André Corradi (que tocou em bandas como O Surto). Marcelo canta e faz as letras, André responsabiliza-se pelos instrumentos.
- O disco, diz Marcelo, “apresenta uma mirada crítica ainda mais pesada sobre o mundo que vivemos hoje, e sua liberdade fictícia, destinada apenas aos que a podem comprar”, conta. “A nossa conclusão é que a humanidade falhou, miseravelmente, e ao fim e ao cabo, se seguimos como estamos, é melhor deixar esse mundo para outras espécie”.
Punk, hardcore, grindcore, doom e stoner – e tudo o que há de mais pesado – batem ponto no disco do Cipó Fogo. O EP da banda, com apenas cinco faixas e 16 minutos chega a ser conceitual, já que fala basicamente de anti-capitalismo e de visões aterradoras de um mundo em que nada deu certo, e as pessoas só empurram umas as outras para o abismo. A falta de liberdade pregada no nome do disco (“nascido escravizado”, em português) é o nosso dia a dia, com tudo do bom e do melhor restrito apenas a quem pode pagar por isso.
O material do disco vem cantado em três idiomas (inglês, português e espanhol) e varia do thrash de Born enslaved e Pequenas opressiones diarias ao tom mais lento, próximo do doom metal (ou da fase Antichrist superstar, de Marilyn Manson), de Made of stars. Já Distopia é uma unidade de destruição, com vocais guturais e pancadas rápidas na bateria. Fail, com qualidade de gravação de demo, se comparada ao resto do EP, vai do hardcore ao grind em minutos, encerrando o disco.
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
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