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Crítica

Ouvimos: Willie Nelson, “The border”

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Ouvimos: Willie Nelson, "The border"
  • The border é o 75º álbum solo de estúdio (numa discografia que em sua totalidade já ultrapassou os cem discos) de Willie Nelson. O cantor volta produzido por Buddy Cannon, com quem compôs quatro das dez faixas do álbum.
  • A faixa-título do disco já não é novidade – foi composta por Rodney Crowell e Allen Shamblin e havia sido gravada por Crowell em 2019. Parte do material foi garimpado pelo produtor durante um almoço no Nashville Songwrites Hall of Fame.
  • Nos últimos anos, Nelson vem gravando uma média de dois discos por ano, e vem se mantendo bastante produtivo em estúdio e nos palcos.

Já tem disco novo de Willie Nelson vindo por aí: Last leaf on the tree está prometido para o dia 1º de novembro, será o 76º disco solo de estúdio dele, e será o segundo álbum lançado neste ano. Em maio, The border surgiu para mexer mais uma vez com o imaginário meio ufanista, meio fora-da-lei, que envolve a extensa obra de Nelson, um dos mais longevos cantores em atividade no mundo (91 anos).

Como qualquer cantor adorado num país cheio de contradições como os Estados Unidos, Willie é simultaneamente jogado para lados diferentes do tabuleiro. Tem fãs conservadores, é uma das vozes mais ouvidas do country (eterno rei das paradas nos EUA), mas passou a vida inteira votando nos democratas e apoiando causas como a legalização da maconha e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Seu estilo musical está menos para o country mais clássico de Nashville, e mais para o dia a dia dos ferrados, dos fora-da-lei, da marginália norte-americana, das histórias que muitas vezes ninguém conta.

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Na faixa-título de The border, o som e o imaginário de Willie vão à fronteira dos Estados Unidos com o México narrar o dia a dia de um guarda que observa a pobreza, o desespero e as mortes – mas tenta se manter apenas focado em seu trabalho. Não é uma tomada de partido, mas uma narração de ponto de vista, uma visão de que o muro que Donald Trump queria erigir, já existe pra muita gente. Once upon a yesterday vem na sequência trazendo lembranças do começo da história de Willie, quando “éramos crianças lutando duro pra conseguir tocar/e o amanhã era um mundo distante”. Já What if i’m out of my mind tem slide guitar e balanço de salloon, e traz recordações de amores antigos, quase como numa sequência da faixa anterior – as duas feitas por Willie em parceria com o produtor Buddy Cannon.

Dá para traçar uma comparação da discografia recente de Nelson com discos pós anos-1990 gravados por Erasmo Carlos. Nem Willie nem o Tremendão se comportavam como pessoas mais velhas e experientes na hora de escolher repertório ou compor: as recordações do começo e a animação com o que está por vir chegam na frente, como no romantismo da balada I wrote this song for you e da estradeira Kiss me when you’re through. Ou nas lembranças de Made in Texas (“nasci sob aquela velha estrela solitária/eu bati no chão tocando esta velha guitarra”) e de Hank’s guitar, na qual Willie conta da vez em que sonhou que era a guitarra do mestre country Hank Williams (1923-1953). Para ouvir torcendo por mais discos e mais história para Willie Nelson.

Nota: 8
Gravadora: Legacy

Crítica

Ouvimos: Anika – “Abyss”

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Ouvimos: Anika - "Abyss"

RESENHA: Anika mistura pós-punk, krautrock e sons ritualísticos em Abyss, disco sombrio e cru sobre confusão, fuga e relações quebradas.

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Anika vem de Berlim, Alemanha – você vai perceber isso logo que escutar as primeiras faixas de seu terceiro álbum, Abyss. Além do sotaque fortíssimo (ela canta em inglês), os vocais remetem logo a Nico e às tentativas musicais de Christiane F (a própria). Na verdade, quase dá pra dizer Anika soa como uma filha perdida de Nico e Iggy Pop, só que criada por Lou Reed e tendo Ian Curtis como padrinho.

Procurando, ou até sem procurar, você acha toda essa vibe em Abyss, disco de pós-punk duro, de krautrock, gravado quase totalmente ao vivo, e variando da crueza punk às aclimatações tecno (a abertura, com Hearsay), e aos sons de garagem dos anos 1960/1970 – nesse caso, a faixa-título, que lembra Stooges e a era do disco Funhouse, de 1970. Anika segue com o ruído distorcido de Honey, o power pop em preto-e-branco de Walkaway (que chega a lembrar Ramones), o punk ruidoso e dramático de Into the fire – cuja guitarra remete à intro de Life goes on, do The Damned.

O repertório de Abyss é endereçado a quem já se sentiu confuso/confusa demais para entender o mundo e já quis fugir. Essa sensação de desnorteio, de abismo (“abyss”, enfim) permeia todas as letras do álbum, passando pela desassociação de Oxygen, pelos relacionamentos falsos da faixa-título, pelo clima destrutivo de One way ticket e de Walk away. Com referências assumidas de Genesis P-Orridge, Anika também embarca em sons ritualísticos em Out of the shadows (com ruídos misteriosos na abertura). Sem deixar de evocar The Cure e até o lado mais sombrio dos Rolling Stones em Last song e na velvetiana Buttercups.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Sacred Bones Records
Lançamento: 4 de abril de 2025.

  • Ouvimos: The Cure – Mixes of a lost world
  • Joy Division antes, durante e depois do fim, no nosso podcast
  • Relembrando: Iggy Pop – New values (1979)

 

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Crítica

Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – “Curse” (EP)

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Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra - "Curse" (EP)

RESENHA: Curse, novo EP do Unknown Mortal Orchestra, mistura terror, lo-fi e riffs setentistas num som sujo, psicodélico e estranho, mas cativante.

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O único disco mais, digamos, orientado para o mainstream da Unknown Mortal Orchestra é V, de 2023. O restante do trabalho do grupo de Ruban Nielson inclui grooves psicodélicos, singles de 27 minutos (!) e improvisações bem estranhas – como em IC-02 Bogotá, resenhado aqui. Pois bem: Curse, novo EP do grupo, se equipara a V e consegue ser mainstream sendo, ao mesmo tempo, esquisito pacas.

Curse foi inspirado nos giallos, filmes italianos de terror, e de quebra, inspirou-se também nessa época maluca de tirania no poder norte-americano, desgraças nos jornais, violência e outros temas nada amenos. Ruban inspirou-se também, claro, na ondinha que vem se erguendo de produções lo-fi – o repertório do EP parece ter sido gravado em fita K7. Dessa vez, as referências mais comuns da UMO desapareceram e o grupo se transforma numa daquelas bandas desconhecidas de rock pauleira dos anos 1970 que, lá por 2005, geral baixava de blogs, comunidades do Orkut ou endereços do 4shared e do Rapidshare.

Daí, se o papo é terror e porrada, mais fácil comparar a nova Unknown Mortal Orchestra com formações pouco lembradas como o Buffalo (o Black Sabbath australiano dos seventies) e Black Widow (a “outra” banda britânica que falava de temas ocultistas há uns 50 anos). Curse tem essa mesma aura underground, exibida na introdução aterrorizante de Aura, na riffarama de Boys with the characteristics of wolves e Sorcerers of silence, no metal ambient One hundred bats, na aura grunge de Death comes from the sky. No fim das contas, Curse soa como uma trilha sonora psicodélica para um pesadelo vintage – estranhamente atual, perigosamente sedutor.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: JagJaguwar
Lançamento: 18 de junho de 2025

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Ouvimos: Ultrasonho – “Nós nunca vamos morrer”

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Ouvimos: Ultrasonho - "Nós nunca vamos morrer"

RESENHA: O Ultrasonho estreia com um disco aterrorizante, Nós nunca vamos morrer, feito de colagens sonoras, jingles, discursos e ruídos que assombram como fantasmas.

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O projeto paranaense Ultrasonho (ou U L T R A S O N H O, como costuma estilizar o nome) faz música para meter medo, perturbar. Nós nunca vamos morrer, primeiro álbum do projeto criado por Thomas Blum, é formado por estranhas colagens sonoras que mexem com o conceito da hauntology (fantologia), de elementos da cultura do passado que assombram o presente como fantasmas.

Ouvir Nós nunca vamos morrer é tomar contato com esses fantasmas – e com sons que não são reconhecíveis à primeira vista, mas logo vão tomando forma. Nervos de aço, na abertura, é um vaporwave aterrorizante com sintetizador aludindo aos anos 1980, gravação de desenho animado e tom de Richard Clayderman dos infernos – até que tudo é acelerado. Tem de haver uma resposta une discursos de políticos, propagandas antigas da Bombril, jingles e trechos de I know there’s an answer, dos Beach Boys. Narrações e sons da natureza, em meio ao clima sombrio, animam Quem realmente está livre.

  • Ouvimos: Manco Capac – Bom jantar (EP)
  • Ouvimos: Fluxo-Floema – Ratofonográfico
  • Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
  • Ouvimos: Anika – Abyss

Um detalhe interessante sobre o Ultrasonho é que Thomas acha terror em sons que vemos como naturais. Baclofeno midnight faz de sons de rádio e de uma propaganda de creme dental (!) puros manifestos sobrenaturais. Um conto infantil de extremo mau gosto, narrado com sotaque sulista, dá o tom em Os meninos pregados, enquanto até mesmo o piano romântico de Dolce frequentiae aterroriza, ao lado de vários samples de voz. Preciso desinstalar meu instagram é um blues medonho, que reduz o pitch de uma gravação de voz de Silvio Santos – o “patrão” fica parecendo um zumbi.

Muita coisa de Nós nunca vamos morrer vem do rádio, transformado em uma caixinha de sons assustadores em Infinitu scrimu, e subvertido de forma irônica em Relatos de um pai ausente, em que colagens criam a frase “a maioria das pessoas trabalha de 96 a 98 horas por dia” e transformam o dia a dia de um filho com pai sumido em um corredor sombrio. No final, a faixa-título mistura musica de faroeste e uma onda sonora de vozes distorcidas e sons superpostos. Se o álbum do Ultrasonho fosse uma colagem de imagens, você não conseguiria assistir duas vezes.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Hominis Canidae REC
Lançamento: 5 de junho de 2025.

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