Crítica
Ouvimos: Michael Kiwanuka, “Small changes”
- Small changes é o quarto disco do músico, cantor e compositor londrino Michael Kiwanuka. O disco foi produzido por Danger Mouse e Inflo. O disco é, segundo Michael, bastante influenciado por estéticas como a do indie rock.
- “Na minha adolescência, as pessoas achavam muito estranho que um cara negro gostasse de indie. Isso sempre me irritava e eu vasculhava revistas como Q e Kerrang! e ficava realmente irritado porque não havia negros. Você pensa: ninguém vai me contratar para uma banda, então você simplesmente não fez isso. Felizmente, os tempos mudaram. As pessoas não pensam mais de forma encaixotada”, disse ao New Musical Express.
- A foto da capa foi adaptada de uma foto que Michael viu. “Era uma foto em preto e branco, dos anos 60, de um garoto asiático. É como: ‘Uau: o que quer que aconteça agora vai informar o resto da vida dele (do garoto da capa). A maneira como ele pensa, as coisas contra as quais ele pode ter que lutar. Era quase como se ele estivesse decidindo ali mesmo, como um garoto de quatro anos, ‘Qual será meu caminho?'”
O menino na capa de Small changes parece viver uma situação dúbia: as mãos que aparecem na foto estão ali para cuidar dele, ou para aumentar sua ansiedade até que ele não aguente mais? São os pais dele, ou são o mundo “real”? E vale dizer que ele não parece lá muito satisfeito, ou pelo menos parece olhar aquela situação com certa naturalidade – mais do que com conforto, vamos dizer assim.
Small changes, disco novo de Michael Kiwanuka, é apresentado assim ao público – uma forma, talvez, de mostrar as lutas internas e externas que surgem na vida do músico e atravessam seu repertório, que por acaso surge em clima de voo livre no novo álbum. A qualidade de gravação é quase um instrumento à parte, com respiração e tempo próprios: Small changes parece gravado numa sala enorme, com uma abóbada. Michael ressurge mais voltado para seu lado soul do que para seu lado folk, e segue um setentismo muito bem estudado e realizado, em faixas como a abertura Floating parade – esta, um balanço levinho, repleto de vocais que lembram Bill Withers e Terry Callier.
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O novo álbum tem um soul-rock leve que parece se comunicar com Paul McCartney e George Harrison – em Lowdown, part 1, com uma parte 2 instrumental, tranquila, viajante, solada na guitarra, e que se fosse lançada nos anos 1970/1980 seria usada em algum comercial de TV. Tem também soft rock em Small changes, com um piano Rhodes quase hipnotizante, e vocais que parecem vir de um sonho. Rebel soul, uma balada lindíssima, aponta para o soul progressivo. The rest of me é quase um r&b humanizado, orgânico e tranquilo, aberto com um violão estradeiro.
Já One and only é folk tocado na guitarra, complementado por uma base tranquila de piano, baixo e bateria. E graças a efeitos de teclados e às guitarras, Stay by my side parece um soul “voador” – assim como o balanço folk-soul Follow your dreams, levado adiante por vocais, orquestra e uma cozinha que a transforma numa prima bittersweet de Voo sobre o horizonte, do Azymuth. Ouça Small changes em clima de meditação. Ouça também buscando se transportar pro universo do menino da capa.
Nota: 10
Gravadora: Polydor
Crítica
Ouvimos: Ringo Starr, “Look up”
Uma ideia genial e que parece a coisa mais óbvia do mundo: um disco country de Ringo Starr. Nos Beatles, o baterista sempre foi o músico mais ligado ao estilo: foi ele que fez o vocal da releitura de Act naturally, sucesso do countryman Buck Owens, na trilha de Help!, e sua contribuição autoral para o Álbum branco (1968), Don’t pass me by, é bem nessa onda. Aliás, não custa lembrar que Starr já havia gravado um álbum dedicado ao country, e foi justamente seu segundo disco solo, Beaucoups of blues (1970). Faz tempo.
Look up é o tipo de disco que, se você for fã de Ringo e dos Beatles, vai demorar até achar algo minimamente criticável. O autor de praticamente todas as faixas, o veterano T Bone Burnett, foi guitarrista de Bob Dylan nos anos 1970, e é uma fera que caminha há décadas entre folk, country e rock clássico. Ringo está com a voz em forma, toca bateria em todas as faixas, e fez de Look up um trabalho bem mais cheio de personalidade que seu último EP, Crooked boy, no qual topou até bancar o indie-rocker em alguns momentos. As músicas são boas: a abertura com Breathless é linda, a faixa-título insere micropontos quase invisíveis de psicodelia na história, Time on my hands acena para o lado clássico do country, e traz o velho estilão de Ringo na bateria.
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O clima de todo o disco é basicamente esse mesmo. Mesmo assim, passando a animação, vem uma impressão esquisita: Ringo, um cara que nunca foi exatamente um grande cantor, soa em Look up mais como um baladeiro, um cantor romântico, do que como um contador de histórias do country. Isso talvez faça de Look up uma celebração do rock e da música pop influenciados pelo country, e não exatamente um disco do estilo. Se você for fanático (a) por country music e já chegar disposto a implicar com o álbum, pode acabar arrumando motivos pra isso – ainda mais quando o repertório fica meio irregular, graças a músicas como Come back e Can you hear me call.
E daí? E daí que, entre altos e baixos, o cara mais indicado para brincar de countryman nos dias de hoje é Ringo mesmo. Look up, vale informar, é balizado por alguns country rocks bacanas, como I live for your love, uma canção em que Ringo, ao lado de Molly Tuttle, diz que “não vive no futuro nem no passado” – e curiosamente é uma música que caberia bem num dos primeiros discos dos Beatles. Thankful, com Allison Krauss, emociona: Ringo, 84 anos, sobrevivente de tudo que você possa imaginar dos anos 1960/1970 (da ameaça de falência ao alcoolismo) fala sobre o amor e amizade como elementos de salvação.
No corredor roqueiro de Look up, cabem também o hino You want some e a melhor faixa do álbum, Rosetta – uma espécie de country lúgubre, marcado por violões fortes e por uma guitarra que costura toda a música e ganha protagonismo merecido. Uma curiosidade é a bela e venturosa String theory, outra canção que dá pena por não ter sido composta lá por 1968 e não ter estado na lista de candidatas a White album ou Abbey Road. Talvez John Lennon e Paul McCartney, naquela altura, achassem a letra infantil demais (para Ringo, “tudo vibra”, das melhores coisas às piores tragédias), mas é uma canção tão legal quanto Now and then, o single recente deles.
Nota: 8
Gravadora: Lost Highway
Lançamento: 10 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Goat Girl, “Below the waste”
- Below the waste é o terceiro álbum da banda londrina Goat Girl, formada hoje por Lottie Pendlebury (ou Clottie Cream, vocal e guitarra), Rose Jones (ou Rose Bones, bateria) e Holly Mullineaux (ou Holly Hole, baixo). O disco foi produzido pela banda ao lado de John Spud Murphy (Lankum, Black Midi).
- É o primeiro álbum gravado como trio, já que a guitarrista Ellie Rose Davies descobriu um diagnóstico de câncer e decidiu afastar-se da banda. Com a saída de Ellie, as três passaram a ter funções menos fixas na banda. “E como éramos menos integrantes, meio que abriu mais portas para trocarmos instrumentos. Essencialmente, havia mais espaço dentro da música para preencher, então tivemos que ser bem criativos com a forma como iríamos descobrir isso”, contou Lottie à DIY.
- Entre os temas do disco, há a luta de Rose para se livrar do abuso de substâncias (a faixa TCNC fala de um mantra criado pela mãe da musicista, “take care, not crack”). Não foi o único problema enfrentado por elas. “Ellie estava doente; eu basicamente passei por abuso doméstico por um longo tempo e tive que sair de Londres para fugir disso”, contou Holly.
O Goat Girl não é exatamente o arquétipo de banda de rock explosiva. O trio (que já foi um quarteto), em seus discos anteriores, parecia estar mais interessado na exploração de climas diferentes do que em soar exatamente pesado – numa espécie de visão feminina, misteriosa e elaborada do que é fazer rock experimental e (em vários momentos) “mágico”.
Below the waste, um disco longo (quase 50 minutos) e o terceiro delas, investe na criação de músicas sobre monstros nada imaginários. Surgem temas como ecologia, desperdício, superficialidades, abuso de drogas (os problemas da baterista Rosy Bones surgem em faixas como Words fell out), a mão do destino (a letra de Play it out tem frases ótimas sobre isso), Perhaps (de versos como “não há mais barreiras de estação/cadeados e correntes se abriram/não há mais câmeras nos observando/portas bem fechadas se abriram”). A arte da capa lembra a dos discos do Black Widow, uma banda que fazia rock satanista na época em que o Black Sabbath começou – mas não se tornou conhecida.
No novo disco, o som delas se tornou mais assustador, e principalmente, se tornou uma massa ameaçadora que afasta quem espera discos “diretos”. A mensagem de Below the waste é entregada em meio a vinhetas “de terror” como Reprise e Prelude, a canções calmas e perigosas como Words fellout e o noise-rock de bolso Ride around, e ao tom acústico e quase sussurrado de Tonight. Take it away é som quase gótico, ameaçando uma balada, com um coral que vai ganhando vozes, inclusive masculinas.
Jump sludge ameaça um blues, mas o que vem é um indie rock de masmorra, com sons tensos de guitarra e piano. E faixas como Wasting e Perhaps conseguem soar como a mistura certa de Pixies, Black Sabbath,Velvet Underground e o Nirvana do disco Bleach (1989) – no caso de Perhaps, sons aparecem como correntes sendo arrastadas.
Lançado em junho de 2024, Below the waste é o tipo de disco que afasta roquistas empedernidos. Não é à toa: as faixas do álbum conversam com sensações bem diferentes do habitual. E em alguns momentos, vale dizer, ele exige um pouco mais do ouvinte do que geralmente acontece em outros álbuns recentes.
Nota: 8,5
Gravadora: Rough Trade.
Lançamento: 7 de junho de 2024.
Crítica
Ouvimos: Mynk, “Pleaser” (EP)
- Pleaser é o EP de estreia da banda londrina Mynk, formada por Bex Morrison (vocal, baixo), Lewis Clark (guitarra, backing vocal) e Ricky Cato (bateria). A produção foi feita por Faris Badwan (The Horrors, Cats Eyes).
- Boundaries, primeiro single do disco, é sobre “os limites que estabelecemos para funcionar em diferentes situações/relacionamentos; o cruzamento do sacrifício e do hábito se encontra em algum lugar no meio para manter uma conexão. É sobre o questionamento interno relacionável de ‘eu faço/não faço?’ e onde isso leva você, e como você pode se perder nisso”, diz a banda.
O Mynk é uma daquelas bandas que você depara em playlists de novidades e acaba grudando no ouvido. Esse grupo londrino bastante influenciado pelo universo de David Lynch (olha!) mistura no EP Pleaser pós-punk, distorção e batidas diferentes, a ponto de Boundaries soar meio Sonic Youth, meio bossa nova – graças aos vocais da cantora Bex Morrison e ao clima relaxado do ritmo da canção, e também ao tom de “pop noir melancólico” que a banda insere em suas músicas.
Na sequência, o grupo trilha Renewal num corredor oitentista – com um refrão misterioso e que traz uma surpresa a mais na faixa. Shells é um dream pop funkeado e espacial, com um riff de guitarra que lembra New Order e um refrão que ajuda a revirar a faixa (por sinal, a tendência do grupo é investir em refrãos marcantes e que soam diferentes do resto das melodias). The itch encerra o disco num clima que faz lembrar tanto a new rave dos anos 2000 quanto bandas como Talking Heads e Gang Of Four. Disco curto (quatorze minutos) e quase completo.
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 27 de setembro de 2024
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