Crítica
Ouvimos: Alan Vega, “Insurrection”

Alan Vega e sua ex-banda Suicide não eram apenas “rock industrial”. Eram música infernal, mostrando para todos os ouvintes que situações assustadoras eram vividas não apenas em filmes de terror, mas no dia a dia. No contato com vizinhos perturbados, na violência nossa de cada dia, na vida fodida dos debandados do capitalismo – que é o verdadeiro assunto de Frankie Teardrop, música assustadora lançada no epônimo primeiro disco da dupla formada por ele e Martin Rev, de 1977.
Vega viveu no limite: antes do Suicide ter qualquer tipo de sucesso, passou fome e enfrentou dificuldades. No palco, era do tipo que se cortava e saía sangrando dos shows. Seu som sempre teve ideais radicais, inclusive politicamente – ele chegou a ser atacado pela polícia ao participar de passeatas, e o Suicide homenageou Che Guevara na música Che. Dos dois integrantes do Suicide, hoje só Martin Rev vive para perturbar os ouvidos dos outros com som pesado, distorcido e sintetizado. Alan, que prosseguiu por décadas como lenda viva do punk e da música eletrônica, lançando discos e fazendo exposições de arte, teve um derrame em 2012 e morreu durante o sono em 2016.
Seu material como compositor, ironicamente, devia bastante às raízes do rock, e à postura de “herói” do estilo. O novaiorquino Alan era fanático por Iggy Pop e Stooges, e seu vocal variava entre dois uivos – o de Elvis Presley, cujo visual inicial trabalhado-no-couro passou a imitar, e evidentemente o de Iggy. Os primeiros álbuns solo de Alan variavam entre o synth-pop nervoso e uma espécie de rockabilly aceleradíssimo e violento (o melhor exemplo é a estreia epônima de Vega, lançada em 1980). Não custa lembrar que o som do Suicide, de fato, chegou a impressionar até mesmo Bruce Springsteen, que já disse ser (pode acreditar) fã da dupla.
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Insurrection é uma coletânea de gravações inéditas que estavam no baú de Alan. São músicas industriais e infernais feitas no fim dos anos 1990, todas falando sobre morte, sofrimento e contagem de mortos como se fosse algo natural, do dia a dia – e pensando bem, olhando os jornais e andando pelas ruas, é meio isso. É “bom de ouvir” dependendo do seu humor: é o disco das dançantes e góticas Sewer e Crash, do synth pop monocórdico Invasion, do pesadelo selvagem Cyanide soul e do lamento sonoro (de quase dez minutos) de Murder one.
Já Mercy é um estranho e assustador pedido de clemência, falando em gritos, anjos sangrando e tempestades sombrias. E nessa música o vocal de Alan lembra de verdade o de Elvis Presley, o que soa mais estranho ainda. Os beats são dados por uma percussão intermitente e tribal, seguida por uma batida eletrônica mais próxima do “dançante”. Soa mais insociável do que qualquer coisa lançada pelo Ministry ou pelo Alien Sex Fiend, por exemplo. Chains soa como entrar numa bizarra ressonância magnética de distorção. E Fireballer spirit oferece a mesma sensação, só que acrescida de barulhos eletrônicos.
Nota: 7,5
Gravadora: In The Red
Crítica
Ouvimos: Chloe Slater, “Love me, please”

- Love me, please, é o segundo EP da cantora inglesa Chloe Slater. O primeiro EP, You can’t put a price on fun, saiu ano passado (e foi resenhado pela gente aqui).
- “Acho que muitas pessoas acham que sou controversa ou algo assim, mas meu ponto de vista é que todos merecem ser amados, ter direitos e existir no mundo. Acho que essa é uma crença bem básica de direitos humanos, mas muitas pessoas discordam”, disse recentemente à New Musical Express, quando foi capa da publicação.
- Recentemente, Chloe chamou a atenção a ponto de pular dos pequenos shows em Manchester (onde ela nasceu) para o status de ato de abertura do Kings Of Leon em uma arena em Colônia, e para tocar no palco BBC Introducing de Glastonbury (foi sua primeira experiência em um festival, aliás).
O momento é de Chloe Slater, e nada parece capaz de deter isso. Já perfilada em duas extensas reportagens do New Musical Express — a mais recente, inclusive, como matéria de capa —, a artista volta com Love me, please, um EP mais direto e afiado do que You can’t put a price on fun, sua estreia no ano passado.
A música de Chloe transita por um rock acessível e imediato, especialmente para as novas gerações. Ecos de Paramore e Wet Leg surgem aqui e ali, mas, desta vez, até um primo mais comercial do Sonic Youth dá as caras. É o caso de Sucker, um pós-punk debochado de vocais quase falados, onde ela mira neofascistas e adoradores de Trump e similares: “Não serei uma otária pelo sonho americano/não mentirei para fazer você ficar/e se eu conseguir, então não vou endireitar meus dentes (…)/como é saber que seus milhões podem alimentar uma tonelada?”.
Como o próprio título sugere, Love me, please também cutuca a indústria da fama e a maneira como alguns artistas são lançados. Em Tiny screens, um cruzamento entre Blondie, Paramore e uma estética ruidosa, Chloe descarta o mundo de algoritmos, celebridades vazias e estrelas fabricadas. Já Fig tree molda a servidão ao patriarcado na indústria da música, sobre uma base que flutua entre o pós-punk e o pós-grunge.
We’re not the same injeta micropontos de metal no indie rock enquanto a letra ironiza artistas sem cultura e sem informação: “Ah, então você gosta de Tarantino?/Eu nunca assisti a esse filme/Como é que se chama mesmo?/A garota com o sangramento nasal na parede do seu quarto”. No desfecho do EP, o quase dream pop de Imposter aborda a insegurança da síndrome do impostor — aquele medo silencioso que muitos escondem. Love me, please consolida Chloe Slater como uma voz afiada e impossível de ignorar.
Nota: 9
Gravadora: Stoler Juice/AWAL
Lançamento: 4 de fevereiro de 2025
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Crítica
Ouvimos: Circa Waves, “Death & love, pt.1”

- Death & love, pt.1 é o sexto álbum da banda britânica Circa Waves. O grupo é formado por Kieran Shudall (voz e guitarra), Joe Falconer (guitarra solo, piano, backings), Sam Rourke (baixo, teclados, backing vocals) e Colin Jones (bateria).
- “Os problemas que eu tinha com meu coração mudaram completamente minha perspectiva de vida… abalou meu mundo e o mundo da minha família, é claro. Eu fui de pensar merda, vou morrer, para encontrar o que eu descreveria como uma nova chance de vida. Eu ainda não consigo superar o quão sortudo eu sou de ainda estar aqui”, disse Kieran ao site Boot Music.
Poderia ter sido o melhor disco do Circa Waves, mas a banda não colaborou lá muito. Marcado pelos problemas pessoais do vocalista Kieran Shudall – que fez uma operação cardíaca em 2023 e ficou entre a vida e a morte – Death & love pt. 1 é aquele típico disco legalzinho, que não compromete tanto, mas que poderia ter saído bem melhor. O Circa Waves volta “lembrando” uma série de grupos, mas sem conseguir usar uma cola própria para unir tantas referências e “recados” que pulam de uma faixa para a outra.
Vá lá que o disco abre com uma faixa boa: American dream abre em clima Pixies, com base seca de guitarra, e vai ganhando uma base mais próxima do indie rock dos anos 2000 – já a letra, feita provavelmente bem antes dos Estados Unidos embarcarem sem disfarce na escrotidão política, reflete a chegada de um jovem inglês a Nova York, com versos como “então eu caminho pelo Central Park/tentando encontrar meus pés, mas a rua ficou escura/e eu vi coisas que você nunca viu/oh, eu sou um garoto inglês com um sonho americano”, sem sombra de ironia. Like you did before traz Kieran botando em melodia os pensamentos da internação (“neste quarto escuro, estou subjugado/estou confuso, clamando por ajuda”) numa música que parece uma mescla de Harry Styles e Strokes – mas parece com canções pouco inspiradas de ambos, vale dizer.
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We made it caminha por um terreno perigoso: soa como uma mescla do indie rock norte-americano dos anos 2000 com a época em que bandas como Snow Patrol e Coldplay eram boas. Um certo tom dramático no estilo das bandas emo chega perto do grupo em Le Bateau, e um clima meio batido de rock de pista toma conta de Everything changed, cuja letra é relato bem fiel das mudanças na vida do vocalista (“eu sei que você queria que as coisas permanecessem as mesmas/bem, querida, tudo mudou, tudo mudou”). A bacaninha Hold it steady reza na cartilha do pop adulto oitentista.
No entanto, é no final do disco que se encontra uma faixa que deveria servir de modelo para o Circa Waves: Bad guys always wins tem lá seus cruzamentos com o som do The Jam, com um tom bittersweet no fim. A letra mistura dores de corno e recomeços (“e às vezes é difícil quando você se sente excluído/e você acha que pode ser deixado para trás/apenas prenda a respiração e vá devagar/linha por linha”). Vale louvar a capacidade do Circa Waves de explorar coisas diferentes, mas é para aguardar a parte 2 desse disco (sim, tem uma parte 2) na esperança de inspirações melhores.
Nota: 6,5
Gravadora: Lower Third/PIAS
Lançamento: 31 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: FACS, “Wish defense”

- Wish defense é o sexto álbum da banda norte-americana FACS. Acabou sendo o último disco produzido por Steve Albini. O engenheiro de som Sanford Parker pegou o trabalho depois que ele morreu.
- Hoje na formação do grupo estão Brian Case (guitarra, voz, teclados), Noah Leger (bateria e percussão) e Jonathan Van Herik (baixo, violão e baixo de seis cordas). Jonathan, que era um integrante original do grupo, voltou após a saída da baixista Alianna Kalaba.
- “Todo esse álbum é sobre a ideia de um duplo, ou um doppelgänger. Como você se apresenta e quem você realmente é. Eu li Doppelgänger: A trip into the mirror world, de Naomi Klein, e fiquei fascinado por como o deslizamento para o mundo digital cria espaço suficiente entre fatos/realidade para que as pessoas parem de ser críticas, apesar das evidências em contrário, e apenas aceitem o que está na tela”, contou Case ao site Birthday Cake Breakfast.
Wish defense, sexto álbum do FACS, trio ruidoso de Chicago, foi feito para gerar tensão — aquele tipo de som que mantém os instintos aguçados, à espera de uma explosão que pode ou não acontecer. Para começar, o disco foi produzido por um mestre nessa arte: Steve Albini, que “gravou” a banda durante dois dias em seu estúdio. O resultado acabou sendo o último álbum produzido por ele (morto em maio do ano passado). E, ouvido em perspectiva, soa como um testamento das habilidades de Albini na captação de bandas ao vivo. As guitarras e os pratos da bateria, por vezes, parecem até suar frio.
Poeticamente, todas as faixas exploram a ideia do duplo — “como você se apresenta e quem você realmente é”, diz o guitarrista e vocalista Brian Case. Musicalmente, Wish defense dialoga com referências como Killing Joke, Public Image Ltd e Wire. As experimentações rítmicas lembram as obsessões de John Lydon na época de Metal box (1979, segundo disco do Public Image), enquanto os vocais blasés e ríspidos ecoam tanto Lydon quanto Jaz Coleman (KJ). Já o clima cáustico dos arranjos remete à primeira fase do Wire.
O baixo pulsante e as guitarras estridentes de Talking haunted chamam atenção logo de cara. Ordinary voices surpreende com um clima samba-hard, onde bateria e chocalho se entrelaçam. O math rock aparece nas quebradiças Wish defense e Desire path — esta última com um quê de Fugazi. O trio chega perto de um samba-jazz do demônio em A room e equilibra peso e beleza na ótima Sometimes only, que gira em torno de um riff circular e uma batida hipnótica. No final, um tom mais “normal” de pós-punk surge em You future, sustentado por um riff de guitarra que constrói a melodia. Um disco feito de sombras e choques.
Nota: 8,5
Gravadora: Trouble In Mind
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025
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