Cultura Pop
Marginal Alado: duas bandas indies lançam split single em homenagem a Chorão
Difícil imaginar que o skate-rock do Charlie Brown Jr tenha alguma coisa a ver com experimentalismos musicais e atitude indie, certo? Bom, duas bandas ligadas ao selo carioca Transfusão Noise Records, especializado em gravações lo-fi feitas em cassete (e lançadas depois em outros formatos), contrariam a escrita e homenageiam o cantor Chorão (1970-2013) e a banda com um split single. O grupo carioca Oruã e a banda campista marianaaa soltam em formato digital o compactinho Marginal alado. No disquinho virtual, releem a seu modo, respectivamente, Só por uma noite e Tudo pro alto.
Com atividades encerradas após a morte do cantor (seguida pelo suicídio do baixista Champignon), o Charlie Brown Jr é a segunda banda nacional mais ouvida dentre as que ganharam fama nos anos 1990. Pelo menos no Spotify, o grupo, com mais de 1.900.000 ouvintes mensais, reina mais do que Los Hermanos (903.830), Raimundos (1.310.860), O Rappa (1.470.921), Nação Zumbi (326.051) e até Jota Quest (1.745.064). Perde apenas para o Skank, com seus mais de 2.600.000 fãs. Lê Almeida, guitarrista do Oruã, 34 anos, lembra que Transpiração contínua prolongada (1997) estreia do Charlie Brown, era um dos cinco CDs que tinha em sua coleção no início da adolescência.
“Eu gostava muito deles nessa época. Acho até que não entendia bem a mensagem deles, essa coisa de sempre continuar, mesmo que aconteçam mudanças na banda. Comparado ao que é famoso no rock nacional hoje em dia, acho o som deles muito bom”, conta o músico, que, durante um show em Campos, conversou bastante com os amigos do marianaa sobre a banda santista. “Depois o marianaa veio fazer um show aqui perto da gente, nos reunimos e gravamos”. Só por uma noite entra numa sequência de covers que o Oruã vem gravando enquanto não lança o segundo disco, que já está sendo gravado e sai em 2019.
O Oruã também havia gravado uma releitura de Mother sky, do Can.
David Dinucci, guitarrista do marianaa, é quem canta em Tudo pro alto, que ficou quase irreconhecível com os rapazes. “Procurávamos uma cover que a gente pudesse encaixar de forma natural. E ficou bem espontâneo”, conta o músico de 30 anos, lembrando que era impossível escapar do som do Charlie Brown quando ele era adolescente. “Não diria que cheguei a ser fã deles, já que nunca comprei CD nem nunca fui a nenhum show. Mas eu era um garoto que não tinha internet, e o que chegava até mim era o que tocava na TV e no rádio, até por falta de opção”, conta. “Mas tenho carinho pelo som deles e tem coisas boas”.
A escolha por regravar uma canção de um grupo tão popular causou certa confusão nos amigos das duas bandas. “Eu tenho amigos que não conseguem entender nossa regravação como não sendo uma zoeira. E nossa intenção foi fazer uma homenagem. Eu vi muitas entrevistas do Chorão no YouTube, quis mesmo contextualizar e fazer um negócio honesto”, conta Lê, ciente de que frases de Chorão tornaram-se verdadeiros virais na internet nos últimos tempos (como o “um homem quando está em paz não quer guerra com ninguém”, de Só os loucos sabem). “Tem muito meme sobre eles, num contexto cômico que nem acho tão legal. Mas a gente fez a regravação com seriedade”.
David diz que alguns amigos não admitem que gostam da banda. “A galera vê de um jeito jocoso, parece que têm vergonha, falam de maneira debochada… Eu não tenho problema com música comercial. Tem coisas interessantes ali. Dentro do universo comercial, tem gente que não consegue fazer nada consistente e eles conseguiram. Charlie Brown tem muita coisa boa, mas tem muita coisa muito ruim também. De qualquer jeito, eu não tocaria se fosse para debochar da música”, avisa.
Mais sobre o compactinho aqui.
Crítica
Ouvimos: Sweet, “Full circle”
“Peraí, esse Sweet é aquele?”, muita gente deve estar se perguntando ao ler esse título e o começo deste texto.
Depende do seu ponto de vista. A formação clássica da banda de glam rock e hard rock já se foi quase toda para aquela grande gig no céu – sobrou apenas o vocalista e guitarrista Andy Scott, que desde 1985 leva adiante uma versão pessoal do grupo, que é a desse álbum. Isso porque houve também um Steve Priest’s Sweet, comandado pelo baixista morto em 2020, e houve também um New Sweet – batizado assim por recomendações jurídicas – criado pelo ex cantor Brian Connolly, também já falecido.
O Sweet que parece ser considerado o oficial é esse mesmo, de Andy, que vem gravando desde 1992 (e por acaso, fez shows no Brasil em 2007). Scott é o dono da bola, mas o frontman é Paul Manzi, um londrino de 61 anos que já fez shows com artistas como Ian Paice e foi integrante do grupo neo-prog Arena até 2020. O aquele do começo do texto vai sumindo aos poucos quando Full circle começa a rodar, e o Sweet que emerge das caixas de som (ou dos fones de ouvido) é uma banda de hard rock-heavy metal bem formulaica, nada a ver com o poderoso grupo de glam rock que barbarizava ao vivo e soltava hits como Ballroom blitz e épicos como Sweet Fanny Adams.
Da seleção de Full circle dá para destacar sons como Don’t bring me water, com refrão levanta-estádios, a cavalar Changes (que rouba a frase “i’m going through changes” do hit homônimo do Black Sabbath, e dá uma lembrada básica na introdução de voz de Whiskey in the jar, hit do Thin Lizzy), o metal cromado de Destination Hannover, e o belo hard rock balada da faixa-título. Mas é basicamente uma outra banda, que insiste em lembrar as fases mais recentes do Kiss ou do Whitesnake, por exemplo. Vale pelo (indiscutível) valor histórico e pela sobrevivência de um monolito do rock setentista.
Nota: 6,5
Gravadora: Sony Music.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”
- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
Crítica
Ouvimos: Coldplay, “Moon music”
Aparentemente, o Coldplay está vivendo um dilema que muitos artistas de porte enorme (não existe nada deles que não seja mega, está no DNA da banda) passam a viver assim que olham para o lado e enxergam a cordilheira de fãs que já conseguiram conquistar: como permanecer fazendo coisas diferentes, e ao mesmo tempo, fazendo música para todo mundo ouvir? Ainda mais levando-se em conta que o Coldplay sempre teve um público extremamente ecumênico?
Bom, por ecumênico, entenda-se: existem fãs de sertanejo, de gospel, de MPB e gente que nem tem o hábito de ouvir música (!) que ama Coldplay, e já esteve na plateia de pelo menos um show deles no Brasil. O mesmo, vale dizer, acontecia com o R.E.M – números dos anos 1990 mostraram para a Warner, gravadora deles, que o álbum Out of time, megasucesso de 1991, foi comprado por gente que nem sequer costumava comprar discos. Muita gente deve ter comprado um toca-discos pela primeira vez para ouvir o álbum de Shiny happy people, e muita gente deve ter ido a um show “de rock” pela primeira vez porque precisava assistir ao Coldplay e se envolver com a música e com o espetáculo visual do grupo.
Explicar o papel e definir a postura de cada um desses nomes (R.E.M. e Coldplay) diante desse frege todo do mercado, parece fácil. Difícil é entender, hoje em dia, para que lado vai, musicalmente falando, a banda de discos excelentes como a estreia Parachutes (2000). Autodefinido como uma banda que fala de “maravilhamento” (o cantor Chris Martin já mandou essa numa entrevista), o Coldplay parece entregue em Moon music, o novo álbum, à vontade de investir de vez no segmento de trilhas para time-lapse de construção de shopping center, e vídeo motivacional pra empresas.
Isso faz de Moon music um disco ruim? Não, pode crer que tem coisas legais ali, além de algumas ideias boas que se perdem em finalizações meia-boca. Destaco o clima ABBA + ELO de iAAM, quase uma sobra do primeiro disco da banda; o house bacaninha de Aeterna (que mesmo assim encerra num clima de música de louvor) e a baladinha de piano All my love. Além da abertura “espacial” com Moon music, que tem participação do produtor de música eletrônica Jon Hopkins. Vale citar as mensagens de autoaceitação e autoestima da banda – sim, isso faz diferença, ainda que em termos de política, as letras do Coldplay sejam mais rasas do que piscina infantil.
- Temos episódio do nosso podcast sobre o começo do Coldplay
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Por outro lado, Jupiter é um folk pop bacaninha, mas do tipo que você vê artistas em todo canto fazendo igual. A faixa 6, cujo título é identificado com um arco-íris, é parece feita de encomenda para os tais vídeos motivacionais. We pray é cheia de truques batidos da união de pop, gospel e hip hop. Em vários momentos, o Coldplay parece estar mirando, mercadologicamente, no que parece mais rentável para a banda: na trilha sonora dos seus shows, e não especialmente em discos que mudem a história do grupo. Não dá para culpá-los, mas ao fim do disco novo, a sensação é a de ter escutado um EP esticado ao máximo.
Moon music soa como música ambient produzida não por Brian Eno, mas por um produtor ou diretor de TV, ou um desses diretores criativos que surgiram na onda dos influenciadores digitais. O Coldplay de Music of the spheres (2022) parecia bem menos estandardizado e bem mais ousado. Mas foi rebate falso.
Nota: 5,5
Gravadora: Universal Music
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?