Cultura Pop
Um papo com Leonardo Rivera sobre os 20 anos do selo Astronauta Discos
Estive outro dia representando o POP FANTASMA (opa, foi a primeira vez que isso aconteceu) no bate-papo comemorativo de vinte anos da gravadora Astronauta, aqui mesmo na minha cidade, Niterói. Leonardo Rivera, jornalista (passou por publicações como a Bizz nos anos 1990), produtor e criador do selo, me convidou para a gente falar um pouco sobre música, carreiras, jornalismo e sobre essa maluquice de falar de cultura pop por um viés totalmente marginal – e fora das pautas “normais” – que eu (Ricardo Schott, editor dessa bagaça) pratico aqui no site.
Rendeu o papo, pensamos em outros encontros, mas como eu costumo falar com pessoas que estão inventando coisas na cultura pop, decidi esticar a conversa e saber um pouco de como ele está vendo o mercado da música em 2019. Em 1999 o selo fez seu primeiro lançamento (a estreia dos Autoramas, Stress, depressão e síndrome do pânico) quando tinha parceria com a Universal e está de volta à antiga união com a gravadora. Antes disso, Leo passou por um período de muito trabalho e maturação como funcionário do A&R da PolyGram (nome antigo da Universal), onde trabalhou com nomes como Rita Lee e Cássia Eller, e descobriu o Farofa Carioca, com Seu Jorge no vocal.
Pega aí os planos e as opiniões do Leo. Entre as perguntas e respostas, alguns dos lançamentos mais interessantes do selo. O segredo para viver durante 20 anos, afirma ele, é continuar tentando, ir fazendo e – em especial – não desistir.
POP FANTASMA: Você fez outro dia um evento comemorativo de 20 anos da Astronauta em Niterói, no Centro Cultural Pascoal Carlos Magno. Como é pra você poder dividir um pouco do que você aprendeu com a Astronauta nesse tempo todo?
LEO RIVERA: Cara, para mim aprender foi uma coisa que aconteceu naturalmente, visto que eu vinha de revistas, como Bizz, International Magazine. Na International fazia a seção Tangerina (de bandas novas) e já tinha aquela coisa de ouvir as demos e tal. Por isso eu tinha uma intimidade com o mercado independente da época, por escrever, resenhar. Quando entrei para o mercado e aprendi efetivamente o que era produzir numa escala industrial para uma multinacional foram muitas porradas. E sem me colocar como vítima de nada – porque eu não sou vítima, sou um guerreiro, um cara que foi ali e encarou – eu acho que eu sobrevivi.
A sobrevivência por duas décadas – enquanto muitos selos caíram – é muito interessante, porque foi um decisão pessoal. É uma decisão de vida. Você pode abrir uma pousada amanhã, trabalhar com turismo, fazer um concurso e pegar um emprego público, talvez… Mas não, eu preferi trabalhar como jornalista, como freelancer, conseguir qualquer tipo de dinheiro mesmo nos momentos de baixa da empresa para poder mantê-la aberta esses vinte anos. Me sinto muito feliz de poder dividir isso com um pessoal que nem chegou a ter um selo. Me sinto grato por ter vivido isso, por tudo, pelo fato do mercado ainda me assimilar e me absorver. E mesmo quando ele não me absorveu eu fui lá e fiz o meu. Acho que é um jogo de dois lados que todo mundo quando começa a montar um projeto desses tem que entender. Posso servir não de exemplo, mas de referência em um caso ou outro.
Aliás o que você diria que foi seu maior aprendizado na gravadora nesses vinte anos? Com a gravadora em si – porque aí já tinha me desligado da época de funcionário – o maior aprendizado foi ver que tudo o que me diziam que não ia dar certo, estavam com medo que desse certo na minha mão. Me sinto meio subjugado porque muita gente falava “esse cara é lunático, ele é maluco, isso não vai acontecer”. O nome Astronauta é uma brincadeira com isso.
Como você vê o retorno da turma que trabalha com música nesses eventos que você faz? Você acha que tá todo mundo muito pessimista? O retorno em geral é pequeno. As pessoas estão muito acomodadas em suas casas, acho que o contato físico perdeu um pouco de importância. Assim como vinil e o CD perderam importância, hoje tudo é digital. As pessoas preferem uma videoaula do que assistir a um painel, um debate, uma palestra. Mas pretendo continuar fazendo, para ter três ou quatro bandas, quatro ou cinco produtores, donos de estúdio. As pessoas estão pessimistas, mas mais acomodadas do que pessimistas.
O que é que mais faz falta hoje em dia para artistas novos, e que a turma dos anos 80 e 90 tinha à disposição? Uma MTV, um Chacrinha? Mais casas de shows? Acho que você falou tudo aí. Faz falta um canal dedicado, um programa popular que dê essa voz. Você vê isso hoje no Só toca top, mas adaptado ao tempo de hoje. Eles estão contemplando a internet de alguma maneira no programa. Falta, mas hoje é diferente, tudo é mais diluído do que naquela época, quando tudo era mais concentrado. E o show sempre é imbatível, o que vende uma banda é o show. Isso se tornou uma coisa muito forte, ainda mais no mercado digital em que você só ouve o disco. Acho que o ao vivo se tornou uma coisa muito forte na era digital, por incrível que pareça. Quando ela vê no Spotify que tem um show da Ivete Sangalo na cidade dela, ela vai correr e comprar o ingresso.
O público piorou? Você diria que com o passar dos tempos ele ficou menos exigente ou algo assim? Ele ficou menos exigente, não piorou. É aquela coisa do skip, da faixa que você pode mudar com mais facilidade que no vinil. Isso começou com o CD, depois com o MP3, com o streaming. Não piorou mas ficou mais distraído.
https://www.instagram.com/p/BwfkYg9JXej/
Como foi retornar para a Universal e o que significa isso para a Astronauta no momento? Como está sendo o bate-bola com eles? Foi uma retomada muito bacana, me senti muito feliz por ter uma história na casa. Vivi meu principal momento de vida lá. Meu selo se agregou a um projeto deles que é um conjunto de selos, cada um com uma cara, que estão todos ali captando talentos e mostrando dentro da Universal. Está dando certo porque tenho a liberdade de curadoria. Posso até levar selos parceiros para lançar juntos e agregar valor sempre.
O fato de você ter retornado para a Universal, você diria que mostra que é complicado para um selo independente sobreviver longe de um guarda-chuva maior? Não, não significa isso não. Diria que todo selo independente deve sobreviver longe de um guarda-chuva maior. Voltei para lá por uma questão de missão, de história, de trajetória. Me sinto como um resgate de uma história que continuou. Estar num guarda-chuva maior, dependendo da ambição do selo, é importante, ainda mais no meu caso que quero lançar produtos populares também. Mas é muito mais pela trajetória, porque lá me sinto em casa. Na gravadora vai haver um novo elenco para o segundo semestre.
Quais são os serviços que a empresa oferece hoje? Além de selo ela virou um escritório. Somos produtores e damos consultoria artística – de concepção, conceito, ideias, junto com ele. É um diagnóstico, eu e alguém da equipe vamos ao ensaio, detectamos alguns problemas que podem estar acontecendo. Usamos essas duas décadas de conhecimento em prol do artista. O que não tem diretamente a ver com o selo, que já é outra questão, e que envolve outro tipo de contrato. O artista que faz uma consultoria com a gente, sendo bom, a gente pode lançá-lo na Astronauta.
Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
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