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Cultura Pop

Thrillington: o “amigo imaginário” de Paul McCartney

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Nos anos 1970, discos vendiam a rodo. A ponto de grandes artistas se sentirem liberados até para despejarem autogozações nas lojas, e o público que comprasse (ou não). Em maio de 1977, por exemplo, saiu um LP chamado “Thrillington”, com todas as músicas de “Ram”, segundo lançamento de Paul McCartney (lançado alguns anos antes, em 1971) em versões orquestradas, no esquema mais easy listening possível. Olha ele aí numa playlist.

O disco era creditado a um enigmático maestro, produtor e socialite chamado Percy “Thrills” Thrillington, que (diz o release original do disco) teria nascido em 1939 na catedral de Coverntry, na Inglaterra. Viajou o mundo, montou uma orquestra em Londres, levou vida de playboy em lugares tão díspares quanto Mustique e o Rio de Janeiro, chamou a atenção da imprensa e da indústria do cinema… E, finalmente, realizou o sonho de encontrar Paul McCartney e conseguir, por intermédio do ex-beatle, um contrato de gravação.

No tal release do selo Regal Zonophone (que lançou o disco junto com a MPL, de Paul e Linda McCartney), o texto explicava também que até o periódico britânico “The Times” recebia telefonemas de pessoas querendo saber quem era o maestro – e que o departamento de imprensa da EMI fazia questão de explicar que “Percy Thrillington certamente não é Paul como algumas pessoas parecem pensar. Ele existe de verdade e é surpreendente como tanta gente segue suas atividades em colunas sociais do ‘Times’ e do ‘Evening Standard’. Esperamos que ele faça uma aparição pública logo”, dizia o texto.

Mais: numa piada com Stephen Clackson, repórter do jornal “Evening standard” que estava dedicado a descobrir quem era o maestro, o texto diz que “um repórter de uma publicação de Londres” teria ligado para o músico e perguntado se ele era Paul. “A resposta foi algo como ‘Bah’ ou ‘Baa'”,afirmaram.

Claro que nem precisa forçar muito a barra para perceber que (óbvio) se tratava de uma piada musical do próprio Paul. O músico tinha gravado “Thrillington” em junho de 1971, logo após sair “Ram”, para lançamento imediato. Só que logo depois Paul montou os Wings com Linda McCartney, passou a fazer extensas turnês e deixou o projeto de lado.

Na época, Paul teve a ajuda de músicos como o futuro maestro da Filarmônica de Londres, Richard Anthony Hewson, o guitarrista Vic Flick (que tocara o riff de guitarra do tema do personagem James Bond e trabalhara na época com Supertramp, Carly Simon e o próprio Paul, em “My love”) e o baixista Herbie Flowers (que acompanhou uma extensa lista de artistas e tocou em “Space oddity”, de David Bowie e “Walk on the wild side”, de Lou Reed), além de 19 violinistas.

Em 1977, ao resolver lançar o disco, Paul soltou na imprensa uma série de notinhas explicando as idas e vindas de Thrillington e sua vida de jet setter (daí a tal movimentação em colunas sociais, que existiu de verdade). No encarte, Paul era citado apenas como “amigo” do maestro.

O tal disco foi bolado por Paul com “Ram” tendo esquentado lugar duas semanas nas lojas, como lembra Hewson. “Ele me mostrou ‘Ram’ e falou: ‘Vamos fazer isso aqui instrumental, só que mudando vocais, guitarra e teclados para instrumentos de orquestra”, contou, em papo publicado no livro “The unknown Paul McCartney”, de Ian Peel.

Mesmo sem sequer ter escutado o álbum de Paul, Hewson topou o job de imediato, e disse que Paul queria realmente experimentar. “Na época a gente nem tinha samplers para checar como ficaria o som de um vocal do disco se transformado em, sei lá, um oboé. Precisávamos imaginar o resultado na cabeça e torcer para que funcionasse bem em estúdio”.

E mesmo com as limitações tecnológicas, Paul, Hewson e sua turma conseguiram aprontar “Thrillington” em milagrosos dias. Poucos dias depois, McCartney já estava gravando “Wild life”, estreia dos Wings e nem pensava mais no projeto. Hewson e os outros músicos só receberam contratos para assinar em 1977.

Por que o atraso de seis anos? Ian Peel aposta em “The unknown Paul McCartney” que tudo aconteceu por causa das várias experimentações que Paul vinha fazendo no pós-Beatles e sua provável percepção de que os Wings se pareciam mais com o que ele queria fazer de verdade. Já McCartney disse, em conversa reproduzida no livro, que só depois do álbum pronto se deu conta de que ninguém iria querer lançá-lo.

“Thrillington”, até hoje um dos itens menos conhecidos da discografia obscura de Paul, ficou pouco tempo em catálogo e acabou virando uma obscuridade, com fãs mais cult ainda. Mike Keneally, guitarrista americano que tocou por vários anos com Frank Zappa, ama o álbum. Diz inclusive que ao ouvir o disco lembra-se “da música incidental de um programa britânico de espionagem do fim dos anos 1960, algo com muitos carros na tela e uma edição ruim”, conta ele, que chegou a gravar uma música solo, “5 legs”, em homenagem a “3 legs”, de “Ram”.

O disco saiu em CD em 1995 e 2004, e em 2012 foi incluído como bônus da edição deluxe de “Ram”. Na época, Paul chegou a criar uma conta do Twitter com o nome do maestro.

Um cara fez uma resenha dos dois discos, “Ram” e “Thrillington”, lado a lado. Olha aí.

(texto atualizado em 17 de maio de 2021)

Cultura Pop

No nosso podcast, os últimos dois anos do Nirvana (e de Kurt Cobain)

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Não é uma história fácil de ouvir – já avisamos. O final é triste, as atitudes foram impensadas, o entorno era completamente tóxico. Em seus últimos dois anos, o Nirvana teve mais “acontecimentos” em sua carreira e nas vidas pessoais de seus integrantes do que em dez anos de várias bandas. Foi uma banda que vendeu quase tanto jornal quanto disco e ingresso para show -não houve ser humano vivo que não acompanhasse de perto a vida do vocalista Kurt Cobain. No meio do caminho, um disco que se tornou um sonho e um pesadelo para todos os envolvidos, In utero (1993), o último do grupo.

No episódio de hoje do Pop Fantasma Documento, nosso podcast. a gente dá uma olhada em como andavam as coisas com Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl entre 1992 e 1994. E aproveita para dar uma olhada no mundo no rock alternativo, no fim da “onda grunge” e em como bandas como Nirvana e Sonic Youth foram criando uma nova onda de interesse pelo rock, a partir dos sons do submundo.

Século 21 no podcast: Mannequin Pussy e Morcegula.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts. 

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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Cultura Pop

No nosso podcast, o R.E.M. de “Automatic for the people” e “Monster”

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No nosso podcast, o R.E.M. de "Automatic for the people" e "Monster"

Já pensou que legal vender milhões e milhões de cópias de um disco? Tem gente que depois de alcançar números muito altos,  entra numa onda de “preciso vender mais que isso”. E tem gente que simplesmente finge que não liga – afinal, depois de conseguir tanta fama e grana, pra que se preocupar? E tem gente que pira. O R.E.M., por sua vez, depois de vender 9 milhões de cópias – que depois evoluíram para 18 milhões – de Out of time (1991), simplesmente já se enfiou num estúdio para preparar outro disco. E permaneceu sumido do universo das turnês, focando apenas em aparições na TV e shows ocasionais.

No episódio de hoje do Pop Fantasma Documento, nosso podcast, a gente dá uma olhada nos bastidores dos discos Automatic for the people (1992) e Monster (1994) e observa tudo o que estava acontecendo com uma das maiores bandas de rock do mundo, numa época em que parecia que Peter Buck, Michael Stipe, Bill Berry e Mike Mills eram ouvidos até por gente que nem tinha o hábito de ouvir música.

Século 21 no podcast: Dolly e The Parking Lots.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts. 

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas!

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Crítica

Ouvimos: Pavement, “Cautionary tales: Jukebox classiques”

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Ouvimos: Pavement, "Cautionary tales: Jukebox classiques"
  • Cautionary tales: Jukebox classiques é o novo box retrospectivo do Pavement, com músicas dos lançamentos da banda em 7 polegadas, além de algumas outras coisas, como as versões alternativas das faixas Black out e Extradition, lançadas em 2006 para quem fez a pré-encomenda da nova versão do disco Wowee zowee (1995).
  • A caixa já está disponível nas plataformas – mas em formato físico, Cautionary tales sai apenas no dia 12 de julho. O pacote inclui reproduções dos singles originais de 7″ e um livreto de 24 páginas.

Blur, Cate Le Bon, Parquet Courts, Nirvana, Weezer, Super Furry Animals, The Coral e até o R.E.M. Todas essas bandas/artistas, em algum momento da carreira, foram comparadíssimas a um verdadeiro gigante do indie rock, o Pavement. Ou se deixaram deliberadamente influenciar pela banda criada pelos guitarristas e vocalistas Stephen Malkmus e Scott Kannberg. Um grupo que, vindo da Califórnia, estava mais para projetinho lo-fi e barulhento vindo de Nova York ou de algum canto ensimesmado de Seattle, embora fizesse sentido no cenário de um estado norte-americano bastante diversificado.

No caso do Nirvana, passou para a história o quanto a música do Pavement inspirou a composição de In utero (1993), último álbum do trio liderado por Kurt Cobain. Dando uma ouvida nas primeiras faixas desse Cautionary tales: Jukebox classiques, caixa (por enquanto apenas virtual) reunindo todo o material de 7 polegadas lançado pelo grupo, fica evidente que sem o ruído berrado dos dois primeiros EPs do Pavement, Slay tracks: 1933 – 1969 (1989) e Demolition plot J-7 (1990), porradas do álbum do Nirvana como Scentless apprentice não teriam sido feitas.

As onze faixas desses dois EPs (incluindo pérolas como Box elder e You’re killing me!) perfazem a primeiríssima fase da carreira do Pavement, uma banda que, por ter vindo de uma cidade pequena na Califórnia (Stockton), parecia se sentir mais à vontade para zoar tudo o que via de longe, e ainda falar do dia a dia de seus conterrâneos nas letras. O próprio grupo não parecia perceber o quanto seu som, apesar de focar no ruído, era sociável – caíram até nas graças do DJ inglês John Peel, que descobriu a banda e passou a divulgá-la.

Slanted and enchanted, álbum de estreia (1992), provocou inveja em boa parte dos grandes nomes do rock da época, Kurt Cobain incluso: era porrada musical elaborada, com uma ou outra canção com tendência a grudar no ouvido – Summer babe, incluída no box, era desse disco, e Cautionary tales resgata também lados B como Baptist blackstick e raridades como Sue me Jack, rock suingado e elegante para os padrões do grupo na época.

De Crooked rain, crooked rain (1994, o segundo disco) em diante, o Pavement ficaria mais elegante, inclusive. Traria barulhos incluídos de modo dosado, em meio a canções mais formais, influenciadas por country, power pop, Beach Boys, Neil Young. A banda juvenil dos primeiros EPs estava se tornando um The Cure bem mais indie, um Television dos anos 1990 ou quem sabe um Grateful Dead da mesma década – misterioso, cultuado e com um séquito de fãs.

Essa história é contada por intermédio de músicas que fizeram o grupo ganhar um número bem grande de fãs no Brasil, como Cut your hair e a bela e quase radiofônica Gold soundz. Ou Range life, canção que, em sua letra, espalhava brasa para Smashing Pumpkins (“eles não têm nenhuma função, e eu não entendo uma palavra do que eles dizem”) e Stone Temple Pilots (“eles não merecem nada mais do que eu”). Billy Corgan, dos Pumpkins, agarrou ódio do Pavement por causa disso – já se recusou a dividir palco com eles em festivais.

Lados B dessa época, como a vinheta instrumental Kneeling bus, com bateria desencontrada e tom dado por riffs de guitarra e solos de piano elétrico, são as boas descobertas da caixa. Daí para diante, o Pavement já fazia parte do cenário indie oscilando entre canções contemplativas e melodias que sequestravam a atenção – além de letras que os fãs, antes de tudo, gostavam de discutir. I love Perth, referência à maior cidade da Austrália Ocidental, faz os fãs australianos da banda debaterem em fóruns na internet até hoje.

A referência irônica à psicodelia californiana de Gangsters and pranksters também despertou a atenção de muita gente. Unseen power of the picket fence, feita pela banda para aparecer na coletânea No alternative (1993), é cara de pau: a música pinta um retrato bem estranho do R.E.M., a ponto de muita gente se perguntar até hoje se ninguém da banda ficou ofendido ou grilado com versos como “o cantor tinha cabelo comprido/o baterista sabia como se restringir/o cara do baixo tinha os movimentos certos/o guitarrista não era nenhum santo”, em meio a referências a discos e músicas do quarteto (“Time after time era a música que eu tinha como menos favorita”, cantam).

O slacker rock (sinônimo de rock blasé e garageiro) do Pavement foi se tornando cada vez mais palatável e de longo alcance à medida que novos álbuns surgiam: Wowee zowee (1995), o ultra-trabalhado Brighten the corners (1997) e finalmente o controverso Terror twilight (1999) – este, produzido por Nigel Godrich (Radiohead), que tentou colocar o espírito livre do Pavement numa redoma, embora a banda tenha soado fora de tempo e espaço como sempre, em Spit on a stranger e Carrot rope, além do B side Harness your hopes, tudo isso presente em Cautionary tales. Uma história bem legal de ouvir, e de contar.

Nota: 10
Gravadora: Matador.

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