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Ouvimos: Marcelo D2, “IBORU”

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Ouvimos: Marcelo D2, "IBORU"
  • IBORU (estilizado em maiúsculas) é o nono álbum de estúdio de Marcelo D2 e o segundo disco dele dedicado ao samba. O primeiro foi Marcelo D2 canta Bezerra da Silva, de 2010.
  • Em tradução livre do iorubá, IBORU significa “que sejam ouvidas as nossas súplicas”. O disco tem participações de sambistas como Zeca Pagodinho, Alcione, Xande de Pilares. “Eu precisava do suporte deles para fazer isso. Tenho muito respeito pelo samba, assim como tenho pelo rap, então quis pisar devagar nesse terreiro”, explicou à revista GQ.
  • No YouTube, é possível ver uma das melhores faixas do disco, Gandaia (ou Quem quiser me ver), sendo cantada pelo seu autor, o sambista baiano Romildo Souza Bastos. O vídeo é um trecho do documentário Cheio de cantigas, de Valter Filé, feito para a antiga TV Maxambomba.

Não seria Marcelo D2 que faria um disco comum de samba, respeitando integralmente as tradições e copiando o que os álbuns do estilo faziam nos anos 1970 – o rapper já havia lançado um álbum no estilo cantando o repertório de Bezerra da Silva e conseguiu, mais do que soar deslocado, soar como se não fosse ele. IBORU traz novidades ao estilo como os discos de João Bosco, Antonio Carlos & Jocafi, Clara Nunes e Paulinho da Viola também já haviam trazido há vários anos, quando misturavam instrumentos diferentes, técnicas de gravação inovadoras, compositores de diferentes formações e referências mais pop que o habitual.

Dessa vez, mais do que unir rap e samba, D2 fez samba com programações, efeitos e outros elementos que transformam o álbum em uma (desculpe pela palavra gasta) experiência com o estilo, e com o lado confessional e testemunhal do samba. A louvação às tradições está nas referências da umbanda e do candomblé de faixas como Tambor de aço, Pra curar a dor do mundo (um samba das matas, a mais bela do disco, com acompanhamento de cordas e testemunho de ancestralidade no final) e Kalundu, no batuque estudado de sambas como Povo de fé, Até clarear (de Arlindinho Cruz, Diogo Nogueira, Inácio Rios e Igor Leal) e Duras penas. E também no fato de D2 surgir cantando de verdade como um sambista, e ainda arriscar pelo menos uma composição solitária, a homenagem à mãe Pedacinhos de Paulete.

Já o afoxé Gandaia, abrilhantado pela guitarra de Kiko Dinucci, atualiza uma gíria setentista no título e traz de volta o trabalho do recifense Romildo Souza Bastos (1941-1990), compositor da Mocidade Independente de Padre Miguel e autor de Conto de areia, sucesso de Clara Nunes. A voz de Romildo surge na faixa e é a maior mensagem na garrafa propiciada pelo álbum de D2. Pra alegrar, tem Bundalelê com Zeca Pagodinho e Xande de Pilares, e O samba falará + alto, com Alcione e Mumuzinho.

Gravadora: Pupila Dilatada
Nota: 9

Foto: Rodrigo Ladeira/Divulgação

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Ouvimos: Saint Etienne, “The night”

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Ouvimos: Saint Etienne, “The night”
  • The night é o décimo segundo álbum de estúdio da banda britânica Saint Etienne, definido pela própria banda como uma continuação do disco de 2011, I’ve been trying to tell you.
  • O disco foi produzido pelo Saint Etienne em colaboração com o compositor e produtor Augustin Bousfield. A banda é formada há mais de três décadas pelo trio Sarah Cracknell, Bob Stanley e Pete Wiggs.
  • Sobre o disco, Wiggs diz que “queríamos continuar o clima suave e espacial do último álbum, talvez até mesmo dobrá-lo. Mas é um álbum muito diferente, não é baseado em samples. Músicas, climas e peças faladas entram e saem enquanto a chuva cai lá fora. É o tipo de disco que gosto de ouvir no escuro ou com os olhos fechados”, diz.

Faz falta a época em que o Saint Etienne era uma grande revelação do indie pop. Foxbase alpha (1991) e So tough (1993) são discos que observam a composição de música pop por ângulos bastante diferentes, recorrendo sempre a cláusulas clássicas (synth pop anos 1980, grupos vocais dos anos 1960, uma mescla de Beatles + Beach Boys, etc) e dando uma sensação de conforto, especialmente por causa da bela voz de Sarah Cracknell.

As pessoas mudam, as coisas mudam, e lá se foi o Saint Etienne dedicar-se cada vez mais a uma música ambient, experimental e abstrata – em que tudo parece ser a trilha sonora de algo, seja das letras inconclusivas do grupo, seja de uma história que está sendo contada no decorrer das faixas. Claro que ficou bonito e isso não se discute, apesar da nostalgia dos primeiros tempos. No caso de The night, o disco novo (cuja capa soa como uma paródia – em clima de lixo industrial – da arte de Three imagnary boys, estreia do The Cure) parece fazer um sobrevoo sonoro e introspectivo nos caminhos percorridos por alguém da juventude até uns 20, 30 anos depois.

Talvez o tal sobrevoo seja na vida do próprio grupo, nas felicidades e nas tristezas. The night é marcado do começo ao fim por um ruído de chuva, que desaparece em poucos momentos, e por uma imagem de “ouro” como o tempo que se esvai. As faixas são interligadas, abrindo com Settle in, que inicia com conversas, como se fosse um papo de piano-bar – até que a música se torna um art pop celestial, e surge a voz de Sarah falando: “Quando você tem vinte ou vinte e um anos, você tem tanta energia e fé/(…) O tempo voa e escapa pelos dedos”. Chegando perto do final, a vinheta Wonderlight traz a cantora declamando, com voz tranquila, sobre a sensação de voltar para casa sozinho e ouvir música até adormecer, como o (quase) fechamento de um ciclo.

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O material novo do Saint Etienne tem partes orquestrais de tirar o fôlego (Half light, Celestial, esta encerrada com ondas sonoras vocais de emocionar) e mexe com sons que parecem vir de longe – como uma trilha sonora distante num filme em que alguém olha a chuva na janela (por acaso na faixa Through the glass), ou uma música indistinguível que aparece num sonho. No caso, a já citada Half light, No rush e Northern countries east – esta, aberta com um instrumental sombrio, como se algo estranho fosse acontecer, mas imediatamente adocicada pela presença de um cravo, que dá uma beleza quase dissonante à música.

When you’re young, levada adiante por um piano simples e por um ritmo que lembra uma célula rítmica de reggae, e o hino Gold, um r&b experimental com piano lembrando Cais, de Milton Nascimento, dão mais variedade ao disco. E, bom, o rótulo “progressivo” é algo que só deve ser tirado do bolso quando realmente valer a pena – no caso de The night, não vale mesmo. Mas enfim, é um disco que tem o tom mântrico de Nightingale, que lembra Peter Gabriel, as vozes sobrepostas (num clima meio Laurie Anderson) de Elliar Carr, e Preflyte, que se fosse lançada nos anos 1980 acabaria ganhando aquele rótulo esvaziado de new age.

De qualquer jeito, o estilo se insinua também no soul celestial de Alone together, uma das raras músicas com bateria-percussão mais distinguíveis, aberta com piano rhodes e guitarra, e seguindo com algo que lembra Holding back the years, do Simply Red. É o encerramento do álbum, apostando na magia da passagem do tempo e no tom introspectivo.

Nota: 9
Gravadora: Heavenly Recordings.

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Ouvimos: The Bug Club, “On the intricate workings of the system”

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Ouvimos: The Bug Club, “On the intricate workings of the system”
  • On the intricate workings of the system é o terceiro álbum da banda galesa The Bug Club, formado hoje por Sam Willmett (voz, guitarra) e Tilly Harris (baixo, voz). Eles têm também três EPs, um deles com a antiga formação de trio.
  • O New Musical Express definiu o Bug Club como “a banda mais estranha e prolífica do País de Gales”. Isso porque a banda lançou em 2023 um disco de 47 faixas (!), Rare birds: hour of song. “Se não tivéssemos músicas para escrever e arranjar quando estamos em casa, eu ficaria um pouco louca”, diz Tilly.

O Bug Club já existe há quase dez anos e teve uma origem que volta e meia se insinua nas músicas deles – eram, um trio de blues, que perdeu um dos integrantes (o irmão do vocalista e guitarrista Sam Willmett) e hoje é uma dupla com ele e com a baixista e vocalista Tilly Harris. O tom de voz grave e meio rouco de Sam dá um certo ar rock-clássico para o som dos dois, mas o BC que surge de seu terceiro álbum, On the intricate workings of the system, é um projeto de pré-punk, new wave, garage rock e indie rock, com letras zoeiras, viralatice sonora, batidas robóticas.

A ironia do Bug Club lembra bandas como Ramones e Shonen Knife, embora o som de San e Tilly seja mais aproximado de grupos como Gang Of Four, The Fall, B-52s (quando Tilly solta a voz, especialmente), Pixies, Kaiser Chiefs e até Cramps. Nem sempre a tentativa de falar tudo brincando, mas em tom sério, dá certo: Quality pints repete o título da música várias vezes (diz o release que a ideia é brincar com o dia a dia repetitivo dos shows e turnês) e… sei lá. Pop single é uma brincadeira com o exercício de compor canções pop que soa meio ingênua, como se todo estilo musical não tivesse seus ganchos. We don’t care é engraçadinha mandando todo mundo calar a boca, mas nem tanto.

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Musicalmente, é rock feito para dançar, com caracteres new wave e músicas tão boas de pista quanto os clássicos do The Hives e dos Strokes. Passam com louvor nessa prova War movies, a robótica A bit like James Bond (que quase repete a melodia de War movies), a marcha punk zumbi Best looking strangers in the cemetery e o tom meio Slits, meio Buzzcocks de Lonsdale slipons. A fase inicial do grupo parece invadir Better than good, quase uma faixa-solo de Sam, que soa como uma demo expandida (com violão, voz e batidinha eletrônica) e lembra o power pop garageiro do Presidents Of The USA.

Letra bacana no álbum, tem a de Cold. Hard. Love., uma pensata muito doida sobre corações partidos comprados no supermercado e amores frios. No final, a faixa-título mete protesto na parada: “É maior que você/então cale a sua boca/sobre o sistema!/o maldito sistema/o intrincado funcionamento interno do sistema”. Vale citar que, de modo geral, trata-se de uma banda boa de aproveitamento de espaço: músicas curtas cheias de partes diferentes, refrãos e pontes, o que mostra que eles até mandam bem nas amarras do formato pop – que eles mesmos zoaram, inclusive.

Nota: 7,5
Gravadora: Sub Pop

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Ouvimos: Afonso Antunes, “Filho único”

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Ouvimos: Afonso Antunes, “Filho único”
  • Filho único é o primeiro álbum solo de Afonso Antunes, vocalista da banda Alpargatos. O álbum teve direção artística de Rômulo Fróes e produção de Mario Arruda, com colaborações de Nina Nicolaiewsky e Nego Joca. O álbum tem músicas mais antigas ao lado de canções feitas durante a gravação.
  • “A narrativa do álbum é tecida por letras que abordam temas como a relação com o tempo, a ansiedade diante das possibilidades, o medo da morte e a certeza da vida”, diz o texto de lançamento.
  • Além do trabalho como músico, Afonso é professor de português. Com o Alpargatos, ele já gravou três álbuns. “E não sou filho único”, diz no Instagram.

Durante o projeto de seu primeiro álbum solo, Filho único, o gaúcho Afonso Antunes contou com a mentoria de Romulo Froes. A presença do músico, cantor e compositor paulistano é clara no álbum, que apresenta experimentações com samba, canção pop, folk, lo-fi e coisas eletrônicas – um variedade que surge, às vezes, em poucos segundos de diferença.

Filho único, a faixa-título, é bossa-samba-eletrônico, com uma letra que parte de percepções que vão da infância à idade adulta (bom verso: “o leite derramado/quem bebeu?/não fui eu”). Bigorna parte de um samba eletrônico com levada soul para algo até bem próximo do pop gaúcho oitentista na letra. Se eu morresse amanhã é um samba-canção em tom sombrio, com percussão quase cardíaca, cuícas e samples de vozes dando o ritmo. Em cada porto tem seu ambiente introduzido por barulhos de barco ao mar, e prossegue como uma balada com cara blues, marcada pelo uso de cordas. E não é mais rio é um blues violeiro, com letra sobre amores e mudanças, ganhando mais peso e guitarras do meio para o final.

Na segunda metade do álbum, surgem os sons de rua e o tom pop de Porto Alegre 12:30, a delicadeza da balada contemplativa Tanta coisa, as constatações da balada jazzística e ruidosa Pelas seis, com Nina Nicolaiewsky (dos versos: “a TV me falou que é normal/um dia chove, no outro faz sol/um dia morre pro outro nascer/acho que vou desligar a TV”) e a MPB bedroom de Topografia, com voz, violão e ruídos, e letra voltando para o ciclo inicial do álbum, da linha do tempo começando na infância (“bem perto daquele menino que falava errado/e via tão certo”).

Nota: 8
Gravadora: Frase Records.

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