Cultura Pop
Masked Marauders: “Bob Dylan”, “John Lennon” e “Mick Jagger” em supergrupo
No fim dos anos 1960, parecia uma excelente ideia montar supergrupos, com músicos ultra-hiper-uber experientes vindos de outras bandas ou de sessões intermináveis de estúdio. Crosby, Stills, Nasy & Young vieram desse raciocínio. O Cream (montado pelo ex-Yardbirds e ex-Bluesbreakers Eric Clapton com dois ex-integrantes do Graham Bond Organisation, Jack Bruce e Ginger Baker) também. E até o Led Zeppelin encontrou razões para existir, em parte, por causa disso. Agora, já pensou num super grupo formado por John Lennon, Mick Jagger, Bob Dylan e Paul McCartney?
Bom, em outubro de 1969, a Rolling Stone americana noticiou que esses quatro aí de cima tinham acabado de lançar um supergrupo secreto chamado The Masked Marauders. De acordo com a resenha escrita por T. M. Christian, o disco tinha produção de Al Kooper, foi gravado no Canadá e tinha entre seus maiores destaques Mick Jagger e Bob Dylan cantando uma versão de dez minutos de “Season of the witch”, de Donovan, com Paul ao piano. E um novo “clássico instantâneo” de Jagger, “I can’t get no nookie”. George Harrison e “um baterista ainda sem nome” estavam em algumas sessões. O tal disco, lançado por um pequeno selo chamado Deity, não trazia os nomes de nenhum deles no encarte por razões contratuais. E era praticamente o disco do ano, segundo a publicação.
Se você está pensando algo como “meu Deus, isso é o melhor disco do mundo! Como eu nunca ouvi falar disso?”, calma: 1) Lennon, Jagger, McCartney e Dylan nunca montaram supergrupo nenhum juntos e 2) esse disco não existia. “The Masked Marauders” era só uma zoação da revista com a onda nova dos supergrupos e com outra mania: a dos álbuns piratas. T. M. Christian, o resenheiro, era um codinome do editor de resenhas Greil Marcus – e era brincadeira com o livro “The magic Christian”, que levado aos cinemas com Ringo Starr no papel principal viraria “Um beatle no paraíso”.
Só que o disco acabou saindo de verdade: como os empresários de Dylan e Lennon começaram a cobrar explicações da revista, a Rolling Stone meteu num estúdio uma banda pouquíssimo conhecida chamada Cleanliness And Godliness Skiffle Band, contratou imitadores de Mick Jagger, Bob Dylan e John Lennon, envolveu uma gravadora de peso na história (a Reprise, que adotou a alcunha Deity para o lançamento) e soltou o tal disco dos Masked Marauders. Olha ele aí.
Antes mesmo do disco sair e da Reprise entrar no meio do bolo, Marcus já havia enviado tapes de algumas músicas para as rádios de San Francisco. A Warner, que controlava o selo, disputou o LP com outras gravadoras e não foi canja de galinha: gastou US$ 15 mil para ressarcir os editores da revista dos custos de produção. Teve muita gente que caiu no trote: o álbum chegou no Hot 100 da Billboard e todo mundo queria conferir troços como “Bob Dylan” cantando uma versão psicodélica de “Duke of Earl”, do repertório de Gene Chandler, “Mick Jagger” cantando o country-rock “I can’t get no nookie” e “John Lennon” soltando a voz em “The book of love”.
Olha aí algumas das músicas, como vieram ao mundo, tiradas do LP original. Interessante que a resenha da Rolling Stone trazia indicações de músicas que a turma não gravou, como a versão acústica de “Kick out the jams”, do MC5, com George Harrison e Bob Dylan nos violões, e a tradicional “Oh happy day”, gravada com todos no vocal – e que sairia como single.
A Rhino reeditou o disco com outra capa (só o braço, sem a foto da moça), o nome “The complete Deity sessions” e o material tá até no Spotify, Olha aí.
As execuções, corretinhas, até que poderiam enganar muita gente, vai. Mas quem ouviu o disco até o fim, deparou com “Saturday night at the Cow Palace”, que entregava a piada: o personagem da música reclamava de ter sido enganado pela Deity Records e dizia que quando encontrasse a turma da gravadora iria “obrigá-los a descer do prédio (do selo) vestindo apenas barris”.
Em 2013 o programa Rock Center with Brian Williams, da BBC, fez uma excelente matéria sobre o disco, entrevistando Greil Marcus, alguns compradores que caíram no conto e até alguns músicos que tocaram na gravação. Olha que legal (tem legendas automáticas).
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”
- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
Crítica
Ouvimos: Coldplay, “Moon music”
Aparentemente, o Coldplay está vivendo um dilema que muitos artistas de porte enorme (não existe nada deles que não seja mega, está no DNA da banda) passam a viver assim que olham para o lado e enxergam a cordilheira de fãs que já conseguiram conquistar: como permanecer fazendo coisas diferentes, e ao mesmo tempo, fazendo música para todo mundo ouvir? Ainda mais levando-se em conta que o Coldplay sempre teve um público extremamente ecumênico?
Bom, por ecumênico, entenda-se: existem fãs de sertanejo, de gospel, de MPB e gente que nem tem o hábito de ouvir música (!) que ama Coldplay, e já esteve na plateia de pelo menos um show deles no Brasil. O mesmo, vale dizer, acontecia com o R.E.M – números dos anos 1990 mostraram para a Warner, gravadora deles, que o álbum Out of time, megasucesso de 1991, foi comprado por gente que nem sequer costumava comprar discos. Muita gente deve ter comprado um toca-discos pela primeira vez para ouvir o álbum de Shiny happy people, e muita gente deve ter ido a um show “de rock” pela primeira vez porque precisava assistir ao Coldplay e se envolver com a música e com o espetáculo visual do grupo.
Explicar o papel e definir a postura de cada um desses nomes (R.E.M. e Coldplay) diante desse frege todo do mercado, parece fácil. Difícil é entender, hoje em dia, para que lado vai, musicalmente falando, a banda de discos excelentes como a estreia Parachutes (2000). Autodefinido como uma banda que fala de “maravilhamento” (o cantor Chris Martin já mandou essa numa entrevista), o Coldplay parece entregue em Moon music, o novo álbum, à vontade de investir de vez no segmento de trilhas para time-lapse de construção de shopping center, e vídeo motivacional pra empresas.
Isso faz de Moon music um disco ruim? Não, pode crer que tem coisas legais ali, além de algumas ideias boas que se perdem em finalizações meia-boca. Destaco o clima ABBA + ELO de iAAM, quase uma sobra do primeiro disco da banda; o house bacaninha de Aeterna (que mesmo assim encerra num clima de música de louvor) e a baladinha de piano All my love. Além da abertura “espacial” com Moon music, que tem participação do produtor de música eletrônica Jon Hopkins. Vale citar as mensagens de autoaceitação e autoestima da banda – sim, isso faz diferença, ainda que em termos de política, as letras do Coldplay sejam mais rasas do que piscina infantil.
- Temos episódio do nosso podcast sobre o começo do Coldplay
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Por outro lado, Jupiter é um folk pop bacaninha, mas do tipo que você vê artistas em todo canto fazendo igual. A faixa 6, cujo título é identificado com um arco-íris, é parece feita de encomenda para os tais vídeos motivacionais. We pray é cheia de truques batidos da união de pop, gospel e hip hop. Em vários momentos, o Coldplay parece estar mirando, mercadologicamente, no que parece mais rentável para a banda: na trilha sonora dos seus shows, e não especialmente em discos que mudem a história do grupo. Não dá para culpá-los, mas ao fim do disco novo, a sensação é a de ter escutado um EP esticado ao máximo.
Moon music soa como música ambient produzida não por Brian Eno, mas por um produtor ou diretor de TV, ou um desses diretores criativos que surgiram na onda dos influenciadores digitais. O Coldplay de Music of the spheres (2022) parecia bem menos estandardizado e bem mais ousado. Mas foi rebate falso.
Nota: 5,5
Gravadora: Universal Music
Crítica
Ouvimos: Faust, “Blickwinkel” (curated by Zappi Diermaier)
Se você está procurando uma música indecente para assustar vizinhos e atazanar transeuntes, esqueça qualquer grupo de heavy metal ou de punk, e tente a banda alemã Faust. Artífices do krautrock – o rock experimental alemão, parente tanto do punk quanto do rock progressivo – eles começaram em 1971, e desde o começo, fizeram carreira na experimentação, na dissonância, nas microfonias e nos efeitos de estúdio. Tanto que Werner “Zappi” Diermaier, Hans Joachim Irmler, Arnulf Meifert, Jean-Hervé Péron, Rudolf Sosna e Gunther Wüsthoff (a primeira formação do grupo) fizeram questão de agregar um engenheiro de som exclusivo, Kurt Graupner.
O curioso a respeito do Faust é que as origens da banda são até bem (vá lá) comerciais, já que o grupo tinha um criador, produtor e mentor. Era o jornalista e crítico musical Uwe Nettelbeck, que havia sido procurado pela Polydor alemã com uma proposta tentadora: criar uma banda “underground” que poderia ser a resposta do país aos Beatles e Rolling Stones.
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Uwe, digamos, entendeu mais ou menos bem a proposta: reuniu duas bandas alemãs em uma e montou o Faust, que levou para a gravadora. Convencer a empresa de que aquela banda numerosa e “difícil” seria a sensação do ano deve ter sido até fácil. Difícil foi convencer o público a ouvir um grupo tão maluco e experimental, inspirado por jazz e música concreta. Afinal se tratava de um grupo que no terceiro disco, The Faust tapes (lançado em 1973 pela Virgin, quando a própria Polydor já havia desistido), apresentava só duas longas músicas sem título, divididas em pequenos segmentos com ruídos, microfonias e gravações caseiras.
O Faust existiu até 1975, se reagrupou durante os anos 1980 para poucas apresentações e retornou nos anos 1990 com três integrantes originais. Fizeram até uma primeira tour pelos EUA em 1994. De lá para cá, dá para dizer que a banda nunca mais parou, com direito a uma vinda ao Brasil em 2011. Em 2022, saiu Punkt, disco “perdido” deles gravado em 1974, e que havia sido recusado pela Virgin. Agora é a vez de Blickwinkel, álbum que marca uma fase em que a banda tem curadoria do fundador Zappi Diermaier, com a presença de uma turma animada de músicos (um deles, o também fundador Gunther Wüsthoff).
O grupo que ajudou a fundamentar a estética motorik (batidas intermitentes e quase robóticas), copiada pelo pós-punk todo, volta disposto a criar cenários fantasmagóricos e psicodélicos, em sete longas faixas instrumentais que chegam a parecer surrealistas – uma delas, basicamente uma música de violão, percussão e ruídos, se chama Sunny night (“noite ensolarada”). For schlaghammer, na abertura, parece uma música de perseguição, criada por percussões que lembram passos, sintetizadores e ruídos metálicos.
Künstliche intelligenz lembra um pouco a fase A saucerful of secrets, do Pink Floyd (1968), e tem um ar meio Syd Barrett em alguns momentos. Kriminelle kur é progressivo funkeado e distorcido na onda do King Crimson, e é a faixa do disco que mais se aproxima da noção de “rock instrumental”. No final, o ruído inconformista, perturbador e heavy de Die 5 revolution, e o batidão aterrorizante de Kratie.
É música, literalmente, feita para incomodar.
Nota: 9
Gravadora: Bureau B
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