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Cultura Pop

Janis Ian: nome feminino e guerrilheiro do folk

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Quando o produtor, empresário e compositor George Shadow Morton trabalhava com as Shangri-Las, ele ficou sem emprego fixo após o fim do selo que lançava os compactos delas, Red Bird Records. Foi correr atrás de outros girl groups para produzir e acabou deparando com uma cantora solo de 14 anos, Janis Ian, nascida em Nova Jersey.

Janis, que na verdade se chamava Janis Eddy Fink, escrevia poesia desde bem nova, era bastante influenciada por cantoras como Joan Baez e compunha seu próprio repertório – mais ligado ao folk e às canções confessionais. Por acaso, era filha de pais esquerdistas que estavam sempre sendo investigados pela polícia dos Estados Unidos por causa de alguma coisa (o FBI mantinha os nomes deles em listas).

Mesmo não sendo uma personagem faca-na-bota como as Shangri-Las, Janis não era mole – diz a lenda que Morton prestou atenção nela logo em seu teste de estúdio, quando ela resolveu colocar fogo no jornal que ele estava lendo (!) enquanto ela cantava para ele. A primeira canção gravada por Janis, Society’s child, falava sobre um amor interracial que era desaprovado pela mãe da personagem, e por todos em volta dela. Era um pop barroco de protesto, criado por Janis a partir de sua experiência como garota moradora de um bairro onde havia várias famílias afro-americanas.

Society’s child foi recusado por 22 gravadoras – mesmo a Atlantic, que pagou por uma gravação da música, não quis lançá-la. Àquela altura, Morton já tinha assinado um contrato de produção com Janis e levou a canção para uma divisão folk-rock do selo Verve, o Verve Forecast, que topou lançar a faixa em setembro de 1966. A música, cuja letra tem versos bastante ácidos como “todos os meus professores riem, eles sorriem e olham/cortando profundamente em nossos assuntos/pregadores da igualdade”, fez sucesso e foi parar até num especial de TV da CBS, Inside pop: The rock revolution.

Foi aí que começou a carreira de Janis, e igualmente os problemas. Num papo com o jornal The Guardian, ele recordou ter recebido ameaças de morte (“eu tinha medo de haver cartas-bomba na minha correspondência”, recordou), cusparadas nas ruas e insultos racistas nos shows. Mas deu certo, apesar do estresse: Society’s child vendeu bastante, foi regravada por bandas como Spooky Tooth, relembrada durante vários anos e até incluída no salão da fama do Grammy por sua relevância.

O sucesso de Society’s child a fez ser vista como “maravilha de um hit só” por uma turma enorme, mas a discografia dela é bem grande, abrindo logo em 1967 com o álbum Janis Ian. Um disco inteiramente autoral, com a aparência artsy comum aos álbuns de folk (a capa traz uma pintura com o rosto dela, feita pelo novaiorquino Joseph Solman) e outras canções tão boas e tão guerrilheiras quanto o single, como Younger generation blues e Pro-girl.

O segundo disco, lançado em outubro de 1967, se chama For all the seasons of your mind e tem uma linguagem musical mais psicodélica, em letras, melodias e até na capa – que na prática, é uma dupla exposição tosca de duas fotos dela. As letras são bastante ousadas: Queen Merka and me é sobre amor lésbico, e a asfixiante Insanity comes quietly to the structured mind narra detalhadamente uma cena em que uma garota se atira pela janela (“olhando para fora através da minha dor/olhando através da vidraça da minha janela/veja o rosto dela se transformar em chuva”).

Janis continuou sua carreira na Verve com The secret life of J. Eddy Fink (1968), disco co-produzido por ela (Morton, contou a cantora, foi bem ausente no estúdio), que conta histórias de sua infância e adolescência, e com Who really cares (1969), um álbum triste, feito em meio a crises pessoais. Para compensar, ela tinha um dia-a-dia (ou melhor noite-a-noite) bem animado, incluindo festas animais com amigos muito importantes (Jimi Hendrix, Janis Joplin, Nina Simone) e trabalhos em estúdio como backing vocalista de James Brown. A parceria com Morton acabou indo pro vinagre nessa época.

O currículo de Janis Ian inclui álbuns lançados por gravadoras como Capitol e Columbia (com essa, o relacionamento foi bem longo), sucesso no Japão, trabalhos como autora de trilhas, e até um namoro com a disco music – no disco Night rains, de 1979, que teve duas parcerias com Giorgio Moroder. Em 1975, teve um sucesso quase tão grande quando Society’s child. Era At seventeen, uma new bossa sobre rejeição social na época da escola, com versos como “o amor foi feito para belas princesas/e estudantes brancas sorridentes/que se casavam cedo e se aposentavam” e “essa é para as que conheciam a dor/de cartões de dia dos namorados que nunca vinham”.

Por causa dessa música – lembra a matéria do The Guardian – Janis ganhou um Grammy em 1976 e o elogio de Ella Fitzgerald, que a chamou de “a melhor cantora jovem dos EUA”. Já nos anos 1980, sua carreira ficou no pára e anda – o ápice foi um disco que poderia ter sido inteiramente escrito por Lou Reed (o ácido e pesado Uncle wonderful, de 1985, lançado por um selo indie após ser rejeitado pela Columbia). Mas ela sumiria dos estúdios por alguns anos, logo depois.

Contando logo o final feliz da história: Ian permanece na ativa até hoje, e em 2022 gravou o belo The light at the end of the line, por seu próprio selo Rude Girl Records. Sua carreira dos anos 1990 para cá foi de redescobertas – em 1993, deu entrevistas falando sobre sua sexualidade (havia começado um relacionamento com Patricia Snyder em 1989 e estão casadas até hoje) e lançou Breaking silence.

O histórico da família de Janis Ian com o FBI foi esmiuçado na faixa-título do disco God and the FBI (2000), que falava também de machismo no rock (Play like a girl) e citava Caetano Veloso em Murdering Stravinsky (“estamos assassinando Stravinsky, atirando em Ravel / enterrando Picasso, massacrando Caetano”), inspirada justamente por discos de artistas tropicalistas.

É de se perguntar porque é que, quando cantoras como Tori Amos, Sinéad O’Connor, Tracy Chapman e Suzanne Vega apareceram, o trabalho de Janis Ian não foi devidamente resgatado. Janis é um nome para conhecer, ouvir e guardar (muito) na memória. Ainda mais porque ela resolveu encerrar sua carreira. Pelo menos foi o que disse em 2022 ao The Guardian, alegando saco cheio com as regras do mercado musical. “Já era ruim quando era um negócio, mas e agora que é uma indústria? Já deu”, contou.

Foto: Reprodução da contracapa do álbum Stars.

Crítica

Ouvimos: Faust, “Blickwinkel” (curated by Zappi Diermaier)

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Ouvimos: Faust, "Blickwinkel" (curated by Zappi Diermaier)

Se você está procurando uma música indecente para assustar vizinhos e atazanar transeuntes, esqueça qualquer grupo de heavy metal ou de punk, e tente a banda alemã Faust. Artífices do krautrock – o rock experimental alemão, parente tanto do punk quanto do rock progressivo – eles começaram em 1971, e desde o começo, fizeram carreira na experimentação, na dissonância, nas microfonias e nos efeitos de estúdio. Tanto que Werner “Zappi” Diermaier, Hans Joachim Irmler, Arnulf Meifert, Jean-Hervé Péron, Rudolf Sosna e Gunther Wüsthoff (a primeira formação do grupo) fizeram questão de agregar um engenheiro de som exclusivo, Kurt Graupner.

O curioso a respeito do Faust é que as origens da banda são até bem (vá lá) comerciais, já que o grupo tinha um criador, produtor e mentor. Era o jornalista e crítico musical Uwe Nettelbeck, que havia sido procurado pela Polydor alemã com uma proposta tentadora: criar uma banda “underground” que poderia ser a resposta do país aos Beatles e Rolling Stones.

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Uwe, digamos, entendeu mais ou menos bem a proposta: reuniu duas bandas alemãs em uma e montou o Faust, que levou para a gravadora. Convencer a empresa de que aquela banda numerosa e “difícil” seria a sensação do ano deve ter sido até fácil. Difícil foi convencer o público a ouvir um grupo tão maluco e experimental, inspirado por jazz e música concreta. Afinal se tratava de um grupo que no terceiro disco, The Faust tapes (lançado em 1973 pela Virgin, quando a própria Polydor já havia desistido), apresentava só duas longas músicas sem título, divididas em pequenos segmentos com ruídos, microfonias e gravações caseiras.

O Faust existiu até 1975, se reagrupou durante os anos 1980 para poucas apresentações e retornou nos anos 1990 com três integrantes originais. Fizeram até uma primeira tour pelos EUA em 1994. De lá para cá, dá para dizer que a banda nunca mais parou, com direito a uma vinda ao Brasil em 2011. Em 2022, saiu Punkt, disco “perdido” deles gravado em 1974, e que havia sido recusado pela Virgin. Agora é a vez de Blickwinkel, álbum que marca uma fase em que a banda tem curadoria do fundador Zappi Diermaier, com a presença de uma turma animada de músicos (um deles, o também fundador Gunther Wüsthoff).

O grupo que ajudou a fundamentar a estética motorik (batidas intermitentes e quase robóticas), copiada pelo pós-punk todo, volta disposto a criar cenários fantasmagóricos e psicodélicos, em sete longas faixas instrumentais que chegam a parecer surrealistas – uma delas, basicamente uma música de violão, percussão e ruídos, se chama Sunny night (“noite ensolarada”). For schlaghammer, na abertura, parece uma música de perseguição, criada por percussões que lembram passos, sintetizadores e ruídos metálicos.

Künstliche intelligenz lembra um pouco a fase A saucerful of secrets, do Pink Floyd (1968), e tem um ar meio Syd Barrett em alguns momentos. Kriminelle kur é progressivo funkeado e distorcido na onda do King Crimson, e é a faixa do disco que mais se aproxima da noção de “rock instrumental”. No final, o ruído inconformista, perturbador e heavy de Die 5 revolution, e o batidão aterrorizante de Kratie.

É música, literalmente, feita para incomodar.

Nota: 9
Gravadora: Bureau B

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Cultura Pop

No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk

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No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk

Drogas, caos, peso, ocultismo, iluminação espiritual e paixão pela violência e pelo proibido marcaram a carreira do Killing Joke – e marcam até hoje, já que a banda ainda existe. Do começo até meados dos anos 1980, Jaz Coleman, Youth (e depois Paul Raven), Paul Ferguson e o recém-falecido Geordie inseriram mais e mais perigo num estilo musical, o pós-punk, marcado pela insinuação e pela exploração de demônios interiores.

No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, o assunto de hoje é a melhor fase do Killing Joke, uma das bandas mais misteriosas da história do rock, responsável por aproximar estilos como pós-punk, gótico e heavy metal. Terminamos no disco Brighter than a thousand suns (1986), mas a história do grupo ainda inclui muitos outros discos – ouça tudo.

Século 21 no podcast: Girls In Synthesis e Plastique Noir.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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Crítica

Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)

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Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)

Que ironia: um disco nota 6 dos Ramones causa crises de saudades e revisionismo histórico e… pelo menos aqui no Pop Fantasma, aumenta de cotação. Halfway to sanity (1987) volta agora às lojas brasileiras (as online e as que resistem), e no formato CD. Foi o último disco gravado com Richie Ramone na bateria, pouco antes do grupo fazer uma tentativa de colocar o ex-Blondie Clem Burke para substituí-lo.

Dizer que “o disco tal dos Ramones foi marcado por brigas durante a gravação” é chover no molhado, ainda mais em se tratando de uma banda que tinha o intransigente Johnny Ramone como guitarrista. Halfway, décimo álbum da banda, lançado originalmente em 15 de setembro de 1987, por sua vez, é um caso à parte: a porrada comeu antes, durante e depois. Para começar, em janeiro daquele ano, o grupo baixou em São Paulo para três shows – o primeiro deles terminou em briga generalizada provocada por skinheads.

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  • Temos episódios do nosso podcast sobre Ramones e Blondie.

No meio das gravações, Joey e Johnny Ramone, inimigos íntimos, não se entendiam. O produtor Daniel Rey tinha problemas de comunicação com boa parte da banda. Dee Dee Ramone (ainda no baixo do grupo), passava boa parte do tempo doidão, não conseguia se comunicar com ninguém e – dizem – teve suas partes de baixo tocadas por Rey. Pessoas que lidavam com os Ramones de perto dizem que a banda já estava de saco cheio de trabalhar feito louca, gravar um disco por ano e não ser reconhecida, com direito a amigos da onça perguntando a eles “quando a banda iria estourar”.

E aí que Halfway soa insano, embora sob controle. Curtíssimo (12 músicas em 30 minutos e uns quebrados), o álbum traz os Ramones fazendo algumas incursões pelo hard rock e pelo hardcore, com direito a vocais berradíssimos de Joey Ramone em faixas como I know better now, a agitada Weasel face (na qual a voz do cantor chega a lembrar a de Alice Cooper) e o skate punk legítimo I’m not Jesus. O grupo chega perto do pós-punk gótico em Garden of serenity, adere ao som tribal na onda do Public Image Ltd em Worm man, e soa revivalista na balada Bye bye baby (com cara de canção de girl group, e escrita, claro, por Joey) e no rock vintage Go lil Camaro go, marcado por uma apagada participação de Debbie Harry.

1987 foi um ano de três bateristas para os Ramones: com Halfway em curso, Richie saiu brigado da banda, e deu lugar para Clem Burke – jornalistas lançaram a piada de que ele adotaria o nome Clemmy Ramone, mas ficou mesmo como Elvis Ramone. Não deu certo e após dois shows confusos, Marky Ramone, que estava afastado da banda desde 1983, retornou. Hoje, vale a redescoberta.

Nota: 7,5
Gravadora: ForMusic (no Brasil)

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