Crítica
Ouvimos: Kaiser Chiefs, “Kaiser Chiefs’ Easy Eighth album”

- Kaiser Chiefs’ Easy Eighth album é o oitavo disco da banda britânica Kaiser Chiefs, produzido por Amir Amor, da banda de drum n bass Rudimental, que já trabalhou com nomes como Sam Smith, Ed Sheeran e Charli XCX.
- Em entrevistas, o grupo disse considerar que voltou às raízes, até pela variedade dos temas do disco, que falam sobre amor, vida, dia a dia, etc. Houve a ideia de não lançar um disco, mas depois de compor duas faixas com Nile Rodgers (Chic), a banda decidiu apostar num lançamento inteiro.
- Tem achado o Kaiser Chiefs muito mudado de uns anos para cá? Em entrevista ao site Hifiway, o baixista Simon Rix explica que isso é proposital. “Não queremos soar sempre como o Kaiser Chiefs em 2005, mas isso é provavelmente o que vem naturalmente para nós. Sempre tentamos fazer coisas novas para manter a banda atualizada, para nós e para as pessoas que nos ouvem”, conta, fazendo questão de mostrar o quanto Amir é responsável pelo som novo. “É um produtor de hits do pop, mas entende o nosso mundo”.
- Esses são os KC hoje: Ricky Wilson (voz), Andrew “Whitey” White (guitarra), Simon Rix (baixo), Nick “Peanut” Baines (teclado) e, desde 2013, Vijay Mistry (bateria).
Nem todo mundo consegue fazer coisas legais quando migra do rock para o pop – ou quando adota um lado mais “clássico”, mais adulto. O Kaiser Chiefs, banda britânica que já foi quase um Buzzcocks do ano 2000, produzindi novidades num estilo musical tão desgastado quanto o punk rock, gravou cinco discos bacanas entre 2005 e 2014 – os melhores continuam sendo os dois primeiros, Employment (2005) e Yours truly, angry mob (2007). Eram uma banda para a qual parecia que tudo era assunto. Era, em especial, uma banda que unia guitarras e clima new wave sem soar forçada e sem parecer que estavam diretamente imitando alguma outra banda mais antiga.
A guinada para o som mais dançante rolou no disco Stay together (2016), por sinal um item bem estranho (e vá lá, fraco mesmo) na discografia do grupo. Os fãs pareceram curtir e a banda pareceu fazer sucesso – falando por mim, preferia uma guinada mais próxima do que bandas históricas do punk e da new wave haviam tido em algum lugar do passado, como o Blondie mexendo com pop dramático e reggae em Autoamerican (1980). Era o Kaiser Chiefs tentando falar com um público que tem metade da idade do grupo, e isso é louvável, mas alguma coisa estava (bem) fora de qualquer tipo de ordem.
O KC recuperou em Duck (2019), disco equilibrado entre o lado indie e o lado pop, com relativamente pouca meteção de dedo de outras pessoas, mas com colaboração até do ex-New Radicals Gregg Alexander (parceiro do grupo na boa The only ones). O equilíbrio continua no interesante (e curto, com menos de meia hora) Kaiser Chiefs’ Easy Eighth album, basicamente um disco no qual a banda mirou em David Bowie, Duran Duran, Chic e Roxy Music, e chegou até no pop dançante britânico dos anos 1990.
Easy eighth é aberto com uma boa pérola pop de 2024 (Feelin’ alright, feita em parceria com ninguém menos que Nile Rodgers), prossegue com um punk com cara indie-pop, sustentado por um baixo intermitente e vigoroso (Beautiful girl), chega num pop-rock que poderia ter saído do baú do trio Stock, Aitken e Waterman (How 2 dance, outra com Nile). Já The job centre shuffle tem raízes no Clash, mas traz uma união de batidas, vocais funkeados e riffs de metais que lembram aquelas bandas de rock “pop” que emplacavam um ou outro hit nos anos 1990 (Fun Lovin Criminals, Sugar Ray etc). Chamam a atenção as melhores músicas do disco, o punk-disco Sentimental love songs e a marcial Reasons to stay alive, além de The lads, pós-punk com dramaticidade herdada de Debbie Harry e bom refrão.
Os vocais, aberturas e refrãos levanta-estádio em excesso dão uma estragada na experiência (confira Burning in flames). E soam como se o grupo quisesse dialogar mais com quem ouve David Guetta e Alok do que com quem é saudoso da onda new rave dos anos 2000, ou coisa parecida. Mas a ousadia e a vontade de mudar venceram.
Nota: 7
Gravadora: Kaiser Chiefs Recordings/V2
Crítica
Ouvimos: Cynthia Erivo – “I forgive you”

RESENHA: Cynthia Erivo transforma dor e perdão em arte no sensível I forgive you, disco de soul contemplativo, emocional e camerístico, com 20 faixas marcantes.
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Todah Opeyemi, jornalista da BBC Africa, escreveu no Medium que chorou ao ouvir o segundo disco da cantora e atriz Cynthia Erivo, I forgive you. De fato, o novo álbum de Cynthia, cantora sensível a ponto de ter interpretado Aretha Franklin (na série Genius: Aretha) e de ter feito shows cantando os repertórios de Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Nina Simone (um deles no Hollywood Bowl, em julho de 2021), é um mergulho corajoso na alma, em letras, melodias e honestidade emocional.
Cynthia, ao lado de mais nove produtores (ela também cuida da produção), cria em I forgive you novas texturas para o r&b, a ponto de transformar tudo o que toca em pop de câmara, com vocais angelicais – a ponto do álbum já ter sido reeditado em uma versão com várias canções a cappella. Tanto que, de modo geral, se trata de um disco pop recomendado para quem compreende estilo como r&b e soul por uma perspectiva mais elaborada e independente – fãs de artistas como Moses Sumney, Anohni and The Johnsons e Hozier, por exemplo, vão gostar bastante.
Usando o perdão, a autodescoberta e a palavra como possibilidades de cura, Cynthia abre o álbum com uma vinheta baseada em Why (faixa de Annie Lennox de 1992) e prossegue com as batidas insinuadas de Best for me, o soul vaporoso de More than twice, o voo ambient e orquestral de You first, a parede de vocais (e o tom de trilha de filme) de Save me from you e o pop noventista e repleto de texturas de Worst of me.
- Ouvimos: Moses Sumney – Sophcore (EP)
- Ouvimos: Little Simz – Lotus
- Ouvimos: Anohni and The Johnsons – My back was a bridge for you to cross
São vinte faixas e, durante todo o disco, Cynthia investe no lado mais contemplativo do pop, aproximando-se de um folk soul mágico em She said, de fusões com jazz e blues em What you want e de truques levemente psicodélicos na derretida Push and pull. Além do clima gospel e quase clássico de Holy refrain, que fala sobre um amor quase existencial – mesmo tema do soul leve e empoderado de I choose love, por sinal.
No álbum, Cynthia fala bastante, às vezes como um subtexto, sobre não se perder de si própria – um tema que aparece com força na meditativa Replay e no soul orquestral Brick by brick. Já o final, com Grace, esconde uma história triste: a voz infantil que aparece na faixa é de uma menina – a Grace do título da faixa – que trocava vídeos com Cynthia e morreu aos 13 anos. A letra é uma homenagem a ela, e encerra I forgive you como um último recado, uma despedida que fica ressoando por um bom tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Verve
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Yungblud – “Idols”

RESENHA: Yungblud lança Idols, disco cheio de referências (Bowie, Manson, Suede), letras sobre identidade e amores, e clima de ópera-rock moderna.
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“Misture Robbie Williams, o falecido vocalista do Prodigy Keith Flint e o personagem Dennis, o Pimentinha, num liquidificador e, depois de alguns segundos, você terá Yungblud”, escreveu Ollie Macnaughton no jornal The Independent, tentando diagnosticar – sem deixar a ironia de lado – qual é a de Dominic Richard Harrison, o popular Yungblud.
Britânico de Yorkshire, ele está há quatro discos cumprindo, mais do que uma carreira musical, um projeto de vida: tornar-se um daqueles nomes do rock que se tornam tão imensos que, mais do que caberem no guarda-chuva do pop, transformam-se eles próprios em imensos guarda-chuvas. Nomes como Freddie Mercury e David Bowie volta e meia são citados por jornalistas e fãs na hora de falar dele (eu faria uma comparação com o senso comum que joga Jão e Cazuza no mesmo saco de gatos, aqui no Brasil).
- Quem é quem (e o que é o que) na ficha técnica de Ziggy Stardust, de David Bowie
- Ouvimos: David Bowie – Rock and roll star!
Se a ideia é ter o mesmo nível de fama dessa turma, pode até rolar. Mas em termos de criação musical e de manutenção dos tubos de ensaio do pop, 2025 é um ano, digamos, bem diferente de 1972, quando Bowie estourou com Ziggy Stardust. Hoje, discos são criados por times, equipes fazem estudos para entender qual é de determinados artistas, as referências estão ao alcance da mão – às vezes tão ao alcance que tudo pode beirar o mero plágio.
E aí que Yungblud, nascido em 1997, é mais filho dessas criações de laboratório do que de uma época em que você ficava esperando horas para ouvir sua música preferida no rádio – e, honestamente, tudo bem. Idols, quarto disco do rapaz (e primeira parte de uma ópera-rock dupla sobre a “loucura da vida”, entre outros temas), é um bom exercício de – vamos dizer assim – fantasmagoria pop.
Em Idols, Yungblud veio com uma boa safra de canções e o repertório parece assombrado por vários espectros. Há uma mescla de Depeche Mode, Led Zeppelin, Queen e Bowie na épica e quilométrica Hello heaven, hello. Também há algo entre Sisters Of Mercy, My Chemical Romance e Marilyn Manson em Zombie (balada emo com ar gótico que pergunta: “você iria continuar me querendo se eu parecesse um zumbi?”). Vai por aí.
Tem mais: o pós-punk pesado de The greatest parade lembra Suede e Placebo. Monday murder e Ghosts unem U2, The Cure e britpop anos 90 no mesmo caldeirão – a segunda tem elementos de Pride (In the name of love), de Bono & cia, e vai se transformando num gospel pesado aos poucos. E falando em britpop, o disco em vários momentos soa como um redesenho emo na época e no estilo – a tal resenha do The Independent cravou The Verve como referência, eu cravaria além deles, os já citados Suede e Placebo. Em termos de letras, a “loucura da vida” inclui conversas honestas sobre masculinidade, formação de identidade, idolatria, amores que vão e vem etc.
Vale repetir: Idols é bom. Se você em algum momento acha que não tem mais idade para ouvir Yungblud, repense. A biblioteca de referências do disco, inclusive, não aponta para nenhuma atrocidade ou mistura malfeita – nem mesmo quando ele resolve fazer uma espécie de Oasis brega, na balada Change (olha, acho que faz sentido).
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: Locomotion/Capitol
Lançamento: 20 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Florence Road – “Fall back” (EP)

RESENHA: Florence Road mistura indie pop com rock 90s, grunge e britpop, mirando fãs de Olivia Rodrigo e pais fãs de PJ Harvey.
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Tem muita coisa no som do Florence Road que lembra o Sunday (1994), que resenhamos outro dia. A diferença é que o Sunday investe numa espécie de shoegaze baixos teores, próprio para tocar no rádio, e esses irlandeses, no EP Fall back, fazem guitar rock com molho pop, investidos da mesma disposição para voltar à música dos anos 1990.
Um pouco de olho nos fãs de Olivia Rodrigo e Taylor Swift, um pouco de olho nos pais deles, o Florence Road mistura introversão e barulho em Hand me downs, leva tom pop ao indie rock com emanações de Pixies e Weezer em Goodnight e faz folk melancólico de FM em Caterpillar. Os vocais de Lily Allon tem aquele tom agridoce típico do rock feminino dos anos 1990, herdado de Alanis Morrisette, PJ Harvey, Dolores O’ Riordan (The Cranberries) – além de servirem uma versão light de Dana Margolin (Porridge Radio) em alguns momentos.
Essa receita “infalível” (vamos dizer assim) prossegue oscilando entre o grunge e o britpop em Figure it out, e invadindo a grande área do pós-punk em Heavy. No fim, Fall back é uma pequena demonstração de um som que ainda pode render.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Warner
Lançamento: 20 de junho de 2025.
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