Cultura Pop
Quando Kurt Cobain compôs usando uma Dreamachine
Um tempo atrás, a MTV americana recuperou aquele famoso papo que Zeca Camargo teve com Kurt Cobain, no estúdio Cia dos Técnicos, em 1993. E num trecho, o líder do Nirvana revela que está tocando com uma arma taser. E mostra um aparelho chamado Dreamer (que provavelmente é uma Dreamachine) com o qual vinha compondo naqueles tempos.
O tal aparelho é um kit maluco que possui óculos estroboscópicos, fones de ouvido e um controlador usado para alterar as configurações e mudar os efeitos. Kurt mostra o controle remoto e avisa que “existem seis funções diferentes, são programas. Eles basicamente apenas ajudam com estresse, insônia, relaxamento, criatividade, concentração e meditação”. Disse também a Zeca que tinha sonhado com pastores alemães, com sexo com seu padrasto e com comer flores (!).
A tal Dreamachine (“máquina dos sonhos”, enfim) tinha sido uma traquitana inventada por Brion Gysin, artista plástico, poeta e escritor, e por um colaborador do escritor William Burroughs, Ian Sommerville, que servia como “consultor de sistemas” e parceiro de ideias malucas. O objeto exibido por Kurt parece, digamos, mais cheio de funções. Porque basicamente o aparelho inventado pelos amigos de Burroughs era um toca-discos de vinil, em cujo prato iam uma lâmpada e um cilindro todo cortado nas laterais. Dependendo de em que rotação estivesse o aparelho, a lâmpada dava 8 a 13 pulsos por segundo.
O aparelho costuma estar em exposições visuais de Burroughs e a ideia é que a pessoa confira o show de luzes de olhos fechados, se sinta cercada de luzes e experimente uma sensação de relaxamento. Dizem que o lance é forte, que um entre cada dez mil adultos pode ter convulsões por causa da Dreamachine e que pessoas com epilepsia fotossensível devem ficar longe de um troço desses.
Aqui tem um curta sobre o assunto.
https://www.youtube.com/watch?v=MIsp2NYBbEQ
E tem uma teoria da conspiração BEM maluca a respeito da ligação de Kurt Cobain com a Dreamachine.
Bom, tem um dado real: Kurt ficou amigo de William Burroughs e gravou um single com ele, The “priest” they called him, lançado em 1993. É a música acima. Mas em 1996, um jornalista chamado Steve Bloom, editor de música da revista High Times, resolveu juntar numa reportagem três pessoas que apostavam ferozmente que Kurt Cobain havia sido assassinado.
“O primeiro é Tom Grant, um investigador particular contratado por Courtney Love uma semana antes do corpo de Cobain ser encontrado em Seattle, há dois anos.
O segundo é El Duce, o líder da banda Mentors, de porno-metal. Ele garante ter sido procurado por Love, que teria oferecido 50 mil dólares para se livrar de Cobain.
O último é o pai de Love, Hank Harrison, afirmando que a filha tem múltipla personalidade, ‘um lado extremamente violento’ e não duvida de seu envolvimento no assassinato”.
Os trechos acima são de uma reportagem sobre a reportagem que a Folha de S. Paulo publicou em 1996. E Bloom decidiu começar a fazer a tal matéria quando recebeu, em dezembro de 1994, um fax na redação da High Times, assinado apenas por um grupo secreto chamado “Amigos que Entendem Kurt”. No tal fax estava escrito que Kurt havia se suicidado porque tinha resolvido usar uma Dreamachine – ele teria comprado uma – por 72 horas seguidas (!), o que o teria levado ao suicídio.
The ORIGINAL "Cobain Case Study Manual" is now available as a PDF file at: https://t.co/UviZd6HgHH pic.twitter.com/Hlp68y8Y75
— Tom Grant (@tomgrantpi) November 11, 2018
Na época, Bloom achou que isso era apenas uma tentativa de desviar o foco das denúncias de Tom Grant. Até hoje nada foi provado. Pessoas bem íntimas de Kurt afirmam que Grant é o maior cascateiro. Sejam verdades ou mentiras, Tom Grant dedica boa parte do seu tempo a postar sobre o assunto em redes sociais.
Se você amou loucamente a ideia de ter uma geringonça dessas em casa, segue aí outro doc sobre a Dreamachine, com uma visão bem bacana a respeito do trabalho de Brion.
Veja também no POP FANTASMA:
– Nirvana canta Nirvana: Lithium em versão psicodélica
– O dia em que uma mesa-redonda de esportes discutiu a morte de Kurt Cobain (!!)
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Crítica
Ouvimos: Charli XCX, “Brat and it’s completely different but also still brat”
Vai chegar o momento em que as pessoas vão fazer como acontece depois de qualquer tipo de onda, e vão recordar a era de Brat, disco de 2024 de Charli XCX, com carinho, com afeição ou até como um barômetro de seu tempo. Assim como (e isso aconteceu até com os imitadores de Sgt Pepper’s em 1967/1968) muita gente vai se perguntar: “Como é que a gente foi achar legal esse negócio de um disco ter uma capa que até meu sobrinho de 7 anos poderia fazer no canva? Ou essas reedições com títulos engraçadinhos? E como tanta gente gostou disso?”
Enquanto isso não acontece – e vale citar que o dicionário Collins já escolheu “brat” como palavra do ano de 2024 – Charli XCX já aproveita para recauchutar seu sexto disco, lançado originalmente em 7 de junho, pela terceira vez. Já havia saído uma edição com três faixas a mais. E dessa vez, Brat and it’s completely different but also still brat transforma as dezoito faixas associadas ao disco numa verdadeira maratona. E numa festa.
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- Resenhamos Brat aqui.
O álbum duplo traz o material regravado, mudado e remixado por vários convidados, entre nomes novos e veteranos. Robyn e Yung Lean acrescentam seus versos e nomes a 360. Ariana Grande elenca as cascas de banana da fama em Sympathy is a knife, ao lado de Charli – com direito a frases ótimas como “é uma facada quando seu amigo começa de repente a pisar em você”, ou “é uma facada quando alguém diz que gosta mais da minha velha versão do que da nova/e eu penso: quem é ela, porra?”. Billie Eilish responde a Charli em Guess e marca presença no pop sáfico. Essas duas últimas são as únicas versões que valem como “grande e indispensável complemento ao original”.
Algumas coisas foram feitas propositalmente para desconstruir as noções de hit do original: I might say something stupid virou ambient nas mãos de Jon Hopkins e The 1975, e Bon Iver deu uma cara melancólica a I think about it all the time. O rapper sueco Bladee aumenta a lista de estresses da fama em Rewind, e Charli XCX confessa nos novos versos que acrescentou, que o dinheiro e a vida em Los Angeles (ela vive lá e em Londres) fizeram com que ela se tornasse “mais competitiva”.
Muita coisa no Brat reimaginado não influi nem contribui, mas não chega a ser ruim. Só que tem o lado chato, aliás chatíssimo: Julian Casablancas pegou Mean girls, uma das melhores músicas do disco, e transformou num indie-pop cagado com vocal de autotune, e a rapper espanhola BB Trickz diminuiu a velocidade de Club classics e só dá mais vontade de ouvir o original, mesmo. Por sinal, Brat and it’s completely different but also still brat vem com o Brat deluxe no disco 2, e reouvindo, dá para perceber o quanto o álbum de Charli é um hype dos mais justificados. Tem festa, sexo, doideira, vícios, saudade dos amigos, redes sociais, as nostalgias dos millennials, e um pop que vai do sombrio ao festeiro em pouco tempo – e de fato, é um barômetro comportamental de 2024, ou deveria ser.
Nota: 7
Gravadora: Atlantic.
Cultura Pop
No podcast, Sparks da pré-história à era de “Kimono my house”
Sparks, a melhor banda que você nunca ouviu, mas da qual já ouviu falar. Uma banda que na verdade é uma dupla – e uma dupla de irmãos. Russell Mael (o vocalista extrovertido) e Ron Mael (o tecladista introvertido de bigode) já atravessaram mais de cinco décadas fiéis às suas concepções de música e de espetáculo. Em discos como o clássico Kimono my house (1974), os Sparks fizeram pós-punk, new wave e synth pop antes do punk surgir – e adiantaram até mesmo o som do indie rock dos anos 2000.
E hoje no Pop Fantasma Documento, nosso podcast, você vai conhecer tudo que você sabe, não sabe e deveria saber sobre uma das bandas mais instigantes do mundo do rock, da pré-história até o auge. Ouça no volume máximo.
Século 21 no podcast: Immoral Kids e Dani Bessa.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Lou Reed, “Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965”
“Eu era uma Ellie Greenwich malsucedida, uma Carole King pobre”, descascava sem dó Lou Reed, sobre o período em que foi um projeto de hitmaker (um “futuro” hitmaker que não emplacava hit nenhum, enfim) no selinho norte-americano Pickwick, localizado em Long Island City. Uma etiqueta musical que fabricava imitações de sucessos das paradas, e tentava ganhar grana lançando tudo em singles e coletâneas cata-corno de baixo preço. Essa época ressurge dissecada na coletânea Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965, com 25 faixas nas quais Lou teve participação como compositor, intérprete ou as duas coisas.
Se for encarar as músicas de Why don’t you smile now todas de uma vez, vá com calma: o material tem bem pouco a ver com o que Lou Reed faria no Velvet Underground e nos primeiros anos de sua carreira solo – embora a composição de músicas para grupos vocais de garotos e garotas acabasse se tornando uma obsessão que iria pairar sobre vários álbuns importantes seus, inclusive New York, de 1989. Formado na Universidade de Syracuse, com planos bem mais ambiciosos em relação ao rock do que apenas fazer músicas por encomenda, e prestes a gravar as primeiras demos do que seria o Velvet Underground, Lou entrou para o time de compositores do selo Pickwick, ao lado dos colegas Terry Philips, Jerry Vance e Jimmie Sims.
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- Temos episódio do nosso podcast sobre Velvet Underground aqui.
- E dois episódios sobre Lou Reed aqui e aqui.
O selo já existia desde 1950, aliás resistiria bravamente até 1977 pirateando discos fora de catálogo (pôs nas lojas vários discos de Elvis Presley que estavam esgotados e deu muita dor de cabeça para a gravadora oficial do rei do rock, a RCA). E naquele momento tentava surfar simultaneamente várias ondas pop. The ostrich, por exemplo, era um tema bizarro que explorava os modismos inúteis do rock então em curso havia pelo menos dez anos. A faixa ensinava os passos da “dança do avestruz”, que consistiam em “você dá um passo para frente e então vira para a direita/você vira para a esquerda e põe seus pés para cima da sua esquerda” (!). A faixa, motivada por um modismo de roupas com penas de avestruz, foi composta pelo quarteto de compositores do selo, cantada por Lou e creditada a um grupo de proveta chamado The Primitives.
The ostrich geralmente é a faixa mais citada dessa fase por fãs roxos de Reed. Mas o material tinha bem mais: imitações de Jan & Dean (em Cycle Annie, creditada a The Beachnuts), pastiches de Phil Spector (como Love can make you cry, cantada por uma tal de Ronnie Dickerson) e muita coisa que poderia ter ido parar no repertório das Shangri-Las, como a tragédia adolescente Johnny won’t surf no more (com Jeannie Larrimore) e Teardrop in the sand (esta, com vozes masculinas, interpretada por The Hollywoods).
O método de trabalho era fazer o maior número de composições que pudesse ser feito em pouco tempo. Segundo Lou, Terry Philips – que chefiava o trabalho – pedia à turma: “Faça dez California songs, agora dez Detroit songs…”, numa demonstração básica de que o trabalho servia para agradar tanto os fãs de imitações dos Beach Boys quanto os seguidores da Motown. Uma curiosidade no disco é a faixa-título Why don’t you smile, parceria entre Lou Reed e seu novo amigo John Cale, que fazia parte do repertório do All Night Workers. Uma banda que não era uma invenção de Lou, mas sim um grupo formado por colegas seus de faculdade – o single deles saiu pela Round Records, selinho ligado à Pickwick.
The ostrich, por sua vez, acabou por se tornar o verdadeiro pré-Velvet: após o lançamento do single, a Pickwick achou que valia a pena investir num grupo de verdade para promover o disco. Terry Philips havia conhecido dois sujeitos numa festa, John Cale e Tony Conrad, que convidaram o amigo Walter DeMaria para compor a banda. Não deu certo, mas Cale e Reed formaram uma parceria que gerou o Velvet Underground e rendeu frutos por alguns anos.
Nota: 7
Gravadora: Light In The Attic
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