Cultura Pop
Quando detonaram o Joy Division
Tem alguns dias, um fotógrafo de turismo britânico chamado Jonathan Crabb teve fotos viralizadas nas redes sociais. Mas as imagens não eram de nenhum ponto turístico local, e sim de um show do Joy Division que Crabb fotografou em 27 de dezembro de 1978 no Hope & Anchor, em Londres.
O material está todo no Facebook dele, que pode ser visto mesmo por quem não é amigo de Crabb. A banda estava no comecinho da carreira e Crabb também estava dando seus primeiros passos como clicador de imagens. As fotos foram feitas numa Kodak Instamatic, “não muito diferente das câmeras descartáveis ??que você tem agora, daí a qualidade” e Jonathan disse que preferiu nem fazer mais cliques, porque não queria atrapalhar a banda no palco.
Se você, antes da pandemia (a partir de agora tudo é outro caso), estava acostumado com o fecha-abre de bares e restaurantes no Brasil, e mais especificamente no Rio, talvez se assuste com o histórico do Hope & Anchor. Primeiro porque o local, que funciona em Upper Street, no bairro londrino de Islington, existe desde 1880. A partir de 1976, passou a abrigar shows de punk e new wave. O The Damned, por exemplo, gravou o clipe de New rose por lá, em 27 de dezembro de 1978 (data fornecida pela Wikipedia).
Em 1978, um festival uniu no Hope & Anchor bandas como Stranglers, Wilko Johnson Band (banda solo do ex-guitarrista e cantor do Dr. Feelgood), The Saints, X-Ray Spex e o grupo de reggae Steel Pulse. O Hope & Anchor Front Row Festival gerou até um LP duplo lançado pela Warner.
Crabb vem fazendo o que muita gente está fazendo nessa época de pandemia: dando aquela revirada no baú de recordações e pegando fotos antigas. Olha aí umas imagens que ele clicou de uma das bandas mais interessantes da história do punk britânico, o Crass.
Agora o que interessa é que: 1) as fotos de Crabb já andavam rolando por aí faz alguns anos e algumas delas já estavam num site de fãs do Joy Division, feito na época da internet a lenha; 2) o mesmo site tem algumas infos sobre o tal show do Joy no Hope & Anchor. A apresentação da banda foi dada para 30 pessoas, e o grupo foi ensanduichado numa agenda que incluía shows dos Soft Boys, Live Wire e Carol Grimes Band (a banda Physicals, também agendada, prometia EP “grátis para ser dado ao público”).
Muitos relatos sobre os primeiros shows do Joy Division dão conta de que a banda tinha lá seus ~problemas~ no palco no comecinho da carreira, quando ainda não haviam conseguido convencer direito o público de que a atitude da banda nos shows era tendência. Mas um crítico chamado Nick Tester deu uma bela detonada no tal show do Joy Division no Hope & Anchor. O texto está no tal site de fãs. Olha aí.
“O Joy Division tenta ser um grupo sombrio, mas eu só consegui sorrir.
Eles gaguejam no palco com olhares profundos, de mau humor. O vocalista, Ian Curtis, parece intensamente irritado, mas ele não diz nada entre as músicas, exceto para dizer que a banda vai tocar.
A música é de cor escura, flat e geralmente sem distinção. O guitarrista Bernard Albrecht (Sumner) toca alguns acordes menores, mas o ritmo monótono de Peter Hooks (baixo) e Steve Morris (bateria) invariavelmente ultrapassa esses babados com som de marreta. O veículo perfeito, ao que parece, para letras com inclinação à desgraça.
Essa tristeza retraída é alienante, mas não por motivos provocativos ou criativos. Achei o ‘tédio’ da Joy Division um tanto oco e cego, cômico em sua angústia supérflua.
Um som sombrio, quase angustiante, mas que é uma paródia fácil disso, ilustrada pela resposta educada dos poucos festivos aqui hoje à noite. Considerando que, digamos, o Gang Of Four provoca amargura genuína e perturbadora por meio de uma abordagem sutil e refrescante, a Joy Division comunica pouco dessa tensão ou expansão via depressão, já que seu ângulo é desajeitado, artificial e mundano a ponto de ser ridículo.
Eles podem ter conseguido seguidores firmes na cidade natal de Manchester, mas não conseguiram causar uma impressão semelhante diante de um novo público (embora não necessariamente mais objetivo). Uma noite perdida, talvez, mas a falta de uma abordagem animadora da Joy Division poderia ser melhorada por uma postura articulada e um método musical mais nítidos.
O Joy Division poderia ser uma boa banda se eles colocassem mais ênfase na postura do que na pose”.
Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
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