Crítica
Ouvimos: The Bug Club, “On the intricate workings of the system”

- On the intricate workings of the system é o terceiro álbum da banda galesa The Bug Club, formado hoje por Sam Willmett (voz, guitarra) e Tilly Harris (baixo, voz). Eles têm também três EPs, um deles com a antiga formação de trio.
- O New Musical Express definiu o Bug Club como “a banda mais estranha e prolífica do País de Gales”. Isso porque a banda lançou em 2023 um disco de 47 faixas (!), Rare birds: hour of song. “Se não tivéssemos músicas para escrever e arranjar quando estamos em casa, eu ficaria um pouco louca”, diz Tilly.
O Bug Club já existe há quase dez anos e teve uma origem que volta e meia se insinua nas músicas deles. No começo, eram um trio de blues, que perdeu um dos integrantes – o irmão do vocalista e guitarrista Sam Willmett. Hoje, são uma dupla com Sam e com a baixista e vocalista Tilly Harris. O tom de voz grave e meio rouco de Sam dá um certo ar rock-clássico para o som dos dois, mas o BC que surge de seu terceiro álbum, On the intricate workings of the system, é um projeto de pré-punk, new wave, garage rock e indie rock, com letras zoeiras, viralatice sonora, batidas robóticas.
A ironia do Bug Club lembra bandas como Ramones e Shonen Knife, embora o som de San e Tilly seja mais aproximado de grupos como Gang Of Four, The Fall, B-52s (quando Tilly solta a voz, especialmente), Pixies, Kaiser Chiefs e até Cramps. Nem sempre a tentativa de falar tudo brincando, mas em tom sério, dá certo: Quality pints repete o título da música várias vezes (diz o release que a ideia é brincar com o dia a dia repetitivo dos shows e turnês) e… sei lá. Pop single é uma brincadeira com o exercício de compor canções pop que soa meio ingênua, como se todo estilo musical não tivesse seus ganchos. We don’t care tem uma letra que manda todo mundo calar a boca, e é engraçadinha, mas nem tanto.
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Musicalmente, é rock feito para dançar, com caracteres new wave e músicas tão boas de pista quanto os clássicos do The Hives e dos Strokes. Passam com louvor nessa prova War movies, a robótica A bit like James Bond (que quase repete a melodia de War movies), a marcha punk zumbi Best looking strangers in the cemetery e o tom meio Slits, meio Buzzcocks de Lonsdale slipons. A fase inicial do grupo parece invadir Better than good, quase uma faixa-solo de Sam, que soa como uma demo expandida (com violão, voz e batidinha eletrônica) e lembra o power pop garageiro do Presidents Of The USA.
Letra bacana no álbum, tem a de Cold. Hard. Love., uma pensata muito doida sobre corações partidos comprados no supermercado e amores frios. No final, a faixa-título mete protesto na parada: “É maior que você/então cale a sua boca/sobre o sistema!/o maldito sistema/o intrincado funcionamento interno do sistema”. Vale citar que, de modo geral, trata-se de uma banda boa de aproveitamento de espaço: músicas curtas cheias de partes diferentes, refrãos e pontes, o que mostra que eles até mandam bem nas amarras do formato pop – que eles mesmos zoaram, inclusive.
Nota: 7,5
Gravadora: Sub Pop
Crítica
Ouvimos: Anika – “Abyss”

RESENHA: Anika mistura pós-punk, krautrock e sons ritualísticos em Abyss, disco sombrio e cru sobre confusão, fuga e relações quebradas.
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Anika vem de Berlim, Alemanha – você vai perceber isso logo que escutar as primeiras faixas de seu terceiro álbum, Abyss. Além do sotaque fortíssimo (ela canta em inglês), os vocais remetem logo a Nico e às tentativas musicais de Christiane F (a própria). Na verdade, quase dá pra dizer Anika soa como uma filha perdida de Nico e Iggy Pop, só que criada por Lou Reed e tendo Ian Curtis como padrinho.
Procurando, ou até sem procurar, você acha toda essa vibe em Abyss, disco de pós-punk duro, de krautrock, gravado quase totalmente ao vivo, e variando da crueza punk às aclimatações tecno (a abertura, com Hearsay), e aos sons de garagem dos anos 1960/1970 – nesse caso, a faixa-título, que lembra Stooges e a era do disco Funhouse, de 1970. Anika segue com o ruído distorcido de Honey, o power pop em preto-e-branco de Walkaway (que chega a lembrar Ramones), o punk ruidoso e dramático de Into the fire – cuja guitarra remete à intro de Life goes on, do The Damned.
O repertório de Abyss é endereçado a quem já se sentiu confuso/confusa demais para entender o mundo e já quis fugir. Essa sensação de desnorteio, de abismo (“abyss”, enfim) permeia todas as letras do álbum, passando pela desassociação de Oxygen, pelos relacionamentos falsos da faixa-título, pelo clima destrutivo de One way ticket e de Walk away. Com referências assumidas de Genesis P-Orridge, Anika também embarca em sons ritualísticos em Out of the shadows (com ruídos misteriosos na abertura). Sem deixar de evocar The Cure e até o lado mais sombrio dos Rolling Stones em Last song e na velvetiana Buttercups.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Sacred Bones Records
Lançamento: 4 de abril de 2025.
- Ouvimos: The Cure – Mixes of a lost world
- Joy Division antes, durante e depois do fim, no nosso podcast
- Relembrando: Iggy Pop – New values (1979)
Crítica
Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – “Curse” (EP)

RESENHA: Curse, novo EP do Unknown Mortal Orchestra, mistura terror, lo-fi e riffs setentistas num som sujo, psicodélico e estranho, mas cativante.
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O único disco mais, digamos, orientado para o mainstream da Unknown Mortal Orchestra é V, de 2023. O restante do trabalho do grupo de Ruban Nielson inclui grooves psicodélicos, singles de 27 minutos (!) e improvisações bem estranhas – como em IC-02 Bogotá, resenhado aqui. Pois bem: Curse, novo EP do grupo, se equipara a V e consegue ser mainstream sendo, ao mesmo tempo, esquisito pacas.
Curse foi inspirado nos giallos, filmes italianos de terror, e de quebra, inspirou-se também nessa época maluca de tirania no poder norte-americano, desgraças nos jornais, violência e outros temas nada amenos. Ruban inspirou-se também, claro, na ondinha que vem se erguendo de produções lo-fi – o repertório do EP parece ter sido gravado em fita K7. Dessa vez, as referências mais comuns da UMO desapareceram e o grupo se transforma numa daquelas bandas desconhecidas de rock pauleira dos anos 1970 que, lá por 2005, geral baixava de blogs, comunidades do Orkut ou endereços do 4shared e do Rapidshare.
Daí, se o papo é terror e porrada, mais fácil comparar a nova Unknown Mortal Orchestra com formações pouco lembradas como o Buffalo (o Black Sabbath australiano dos seventies) e Black Widow (a “outra” banda britânica que falava de temas ocultistas há uns 50 anos). Curse tem essa mesma aura underground, exibida na introdução aterrorizante de Aura, na riffarama de Boys with the characteristics of wolves e Sorcerers of silence, no metal ambient One hundred bats, na aura grunge de Death comes from the sky. No fim das contas, Curse soa como uma trilha sonora psicodélica para um pesadelo vintage – estranhamente atual, perigosamente sedutor.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: JagJaguwar
Lançamento: 18 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Ultrasonho – “Nós nunca vamos morrer”

RESENHA: O Ultrasonho estreia com um disco aterrorizante, Nós nunca vamos morrer, feito de colagens sonoras, jingles, discursos e ruídos que assombram como fantasmas.
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O projeto paranaense Ultrasonho (ou U L T R A S O N H O, como costuma estilizar o nome) faz música para meter medo, perturbar. Nós nunca vamos morrer, primeiro álbum do projeto criado por Thomas Blum, é formado por estranhas colagens sonoras que mexem com o conceito da hauntology (fantologia), de elementos da cultura do passado que assombram o presente como fantasmas.
Ouvir Nós nunca vamos morrer é tomar contato com esses fantasmas – e com sons que não são reconhecíveis à primeira vista, mas logo vão tomando forma. Nervos de aço, na abertura, é um vaporwave aterrorizante com sintetizador aludindo aos anos 1980, gravação de desenho animado e tom de Richard Clayderman dos infernos – até que tudo é acelerado. Tem de haver uma resposta une discursos de políticos, propagandas antigas da Bombril, jingles e trechos de I know there’s an answer, dos Beach Boys. Narrações e sons da natureza, em meio ao clima sombrio, animam Quem realmente está livre.
- Ouvimos: Manco Capac – Bom jantar (EP)
- Ouvimos: Fluxo-Floema – Ratofonográfico
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
- Ouvimos: Anika – Abyss
Um detalhe interessante sobre o Ultrasonho é que Thomas acha terror em sons que vemos como naturais. Baclofeno midnight faz de sons de rádio e de uma propaganda de creme dental (!) puros manifestos sobrenaturais. Um conto infantil de extremo mau gosto, narrado com sotaque sulista, dá o tom em Os meninos pregados, enquanto até mesmo o piano romântico de Dolce frequentiae aterroriza, ao lado de vários samples de voz. Preciso desinstalar meu instagram é um blues medonho, que reduz o pitch de uma gravação de voz de Silvio Santos – o “patrão” fica parecendo um zumbi.
Muita coisa de Nós nunca vamos morrer vem do rádio, transformado em uma caixinha de sons assustadores em Infinitu scrimu, e subvertido de forma irônica em Relatos de um pai ausente, em que colagens criam a frase “a maioria das pessoas trabalha de 96 a 98 horas por dia” e transformam o dia a dia de um filho com pai sumido em um corredor sombrio. No final, a faixa-título mistura musica de faroeste e uma onda sonora de vozes distorcidas e sons superpostos. Se o álbum do Ultrasonho fosse uma colagem de imagens, você não conseguiria assistir duas vezes.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Hominis Canidae REC
Lançamento: 5 de junho de 2025.
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