Crítica
Ouvimos: Moses Sumney, “Sophcore” (EP)

- Sophcore é o sexto EP de Moses Sumney, lançado pelo selo Tuntum Records – os dois álbuns do cantor, Aromanticism (2017) e Græ (2020) saíram pelo selo Jagjaguwar.
- Nascido na Califórnia, o cantor, criado entre Gana (África) e os Estados Unidos , é filho de pastores. “Eu sempre senti que o Arrebatamento aconteceria enquanto eu dormia. Aos 10 ou 11 anos, eu tinha sonhos em que eu estava morto e meu espírito estava vagando pelo universo, tipo, ‘Para onde eu vou?’. Eu explicava esses sonhos para meus pais e eles diziam: ‘esta é uma criança sombria'”, disse em entrevista à Interview.
O folk de câmara de Moses Sumney tem um número bem razoável de ouvintes nas plataformas, quase uma espécie de classe média dos mais ouvidos. Não é um som “difícil”, mas é uma sonoridade orquestral, cheia de detalhes e de silêncios, que precisa de uma compreensão melhor do mercado. É um soul progressivo, repleto de referências clássicas e de demonstrações de alcance e criatividade vocal – um som que alude a Stevie Wonder, Nina Simone e Brian Wilson, e também ao pós-punk artístico do TV On The Radio (Dave Sitek, por sinal, ajudou Moses a gravar o primeiro EP).
O naturalista e erudito Græ, álbum duplo de 2020, ampliou um pouco a fórmula de Moses, incluindo mais parceiros musicais, e mostrando uma aproximação maior ainda com o jazz experimental. Já Sophcore, o novo EP de Moses, é um disco de neo-soul torto e psicodélico, com referências de r&b e trap. E uma sonoridade que, se não é mais comercial, coloca o cantor um pouco mais próximo do que geralmente é considerado “indie pop”. A esquisitice e o estranhamento dos dois discos anteriores continuam aqui, mas parecem surgir dentro de uma fórmula – como num EP para reapresentar o cantor ao mercado.
Sophcore investe num pop perturbador, e repleto de camadas e texturas, logo na abertura com I’m better (I’m bad), que traz ruídos, batidinha trap e vocais com autotune. Vintage soa como Moses cantando sobre antigas fitas de soul remixadas e sampleadas, graças ao som realmente vintage dos teclados e da guitarra – a letra, por sinal, propõe uma volta a 1993 e ao “andar para trás como Michael (Jackson)“, embora não seja uma sonoridade de época, e o estilo esteja mais para um r&b psicodélico. Gold Coast põe tons mais dançantes no soul camerístico e eletrônico de Moses em seus discos anteriores.
De r&b e soul mágicos, especialidades de Moses, Sophcore oferece o balanço hipnótico de Hey girl, e o voz-e-piano celestial de Love’s refrain, acompanhada com estalar de dedos. Pode ser que Moses Sumney volte, em discos posteriores, embalando o público da maneira mais pop que ele conseguir fazer – e menos dado a sons camerísticos, exibições vocais e erudições. Uma nova maneira de escutar o som de Sumney, mas provavelmente vai dar saudades do sons flutuantes dos dois primeiros álbuns.
Nota: 8,5
Gravadora: Tuntum
Crítica
Ouvimos: Lily Allen – “West End girl”

RESENHA: Lily Allen renasce em West End Girl: pop confessional, moderno e afiado, transformando dores pessoais no melhor álbum dela em anos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: BMG
Lançamento: 24 de outubro de 2025.
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Muita gente anda dizendo que não esperava que Lily Allen, depois de tanto tempo (No shame, o disco anterior dela, saiu em 2018) voltasse com um álbum ótimo – e, de fato, as atenções do mercado fonográfico não estavam mesmo voltadas para ela. West End girl surgiu quase de surpresa no momento em que Lily se sentiu com coisas para falar, e mais do que tudo, segura consigo própria. O fim do casamento com o ator David Harbour, e os abusos e traições que ela viveu durante o relacionamento, são o suposto principal tema do disco (recentemente, a cantora deu uma disfarçada, falou que nem tudo é verdade e disse que West End girl foi “inspirado” em seu ex-casamento).
Lily sempre foi bastante confessional em relação a particularidades de sua vida, em músicas e entrevistas, mas dessa vez os fãs já vinham caçando detalhes de que algo estranho vinha rolando. Recentemente ressurgiu uma entrevista dada pelo ex-casal no tapete vermelho do prêmio teatral Oliviers Awards 2022: Lily foi indicada a melhor atriz por seu papel na peça 2:22 A ghost story e, no tal bate-papo, teve aturar o (então) marido fazendo uma piadinha cheia de ressentimento e inveja. Nas fotos do evento, ela parece bastante incomodada com tudo e sem a menor vontade de estar ali, pelo menos ao lado de Harbour.
- Ouvimos: Blood Orange – Essex honey
Seja como for, o David Harbour (ou o que o valha) que é retratado em West End girl é um sujeitinho invejoso (na faixa-título), infiel (Just enough, Madeline e quase todo o disco), viciado em sexo (Pussy palace), escroto (em Nonmonogamummy ela fala algo sobre David ter exigido relacionamento aberto e que ela quisesse ter filhos com ele) e frequentador de redes sociais bem estranhas (4chan Stan, na qual Lily confessa que as bandeiras foram tantas que ela resolveu fuçar nas coisas do ex-marido e achou uma nota de compra suspeita). Allen também se diz cansada de ter que bancar a mãe de seus maridos e namorados (Fruityloop, de versos como “queria poder consertar todos os seus problemas / mas todos os seus problemas são seus para você consertar”).
Já Dallas Major, cantada na primeira pessoa, usa um truque típico de Madonna e Beyoncé – a criação de um alter-ego que, na real, é uma versão dela própria – e resume tudo em tristes constatações: “eu uso o nome artístico Dallas Major, mas esse não é meu nome verdadeiro / sabe, eu costumava ser bem famosa, isso foi há muito tempo atrás / sim, estou aqui em busca de reconhecimento e provavelmente devo explicar / como meu casamento se tornou aberto desde que meu marido me traiu”, canta, antes de mudar a perspectiva: “o nome dela é Dallas Major / ela morre de medo de fracassar / ela só está aqui em busca de validação”.
Musicalmente, West End girl é o melhor disco de Lily em bastante tempo, e tem algumas modernidades bem interessantes, como a bossa jazz pop da faixa-título, a agilidade sonora de Ruminating (com piano pop lembrando os hits de Joe Jackson), a blues ballad indie de Sleepwalking e o pop alternativo, com ares sessentistas, de Tennis. Madeline é um pop abolerado, quase um brega, que vai ganhando cara trap. Faixas como a celestial Pussy palace, 4chan Stan e Fruityloop (essa, lembrando a Lily do começo) deixam sempre a impressão de algo familiar – mas nunca repetido ou entediante.
Já Nonmonogamummy, mesmo com a letra relatando amarguras pessoas, é pop feliz e com ligeiro ar 60’s, evocando algo de Low rider, hit do War. Dallas Major é um r&b com cara quase disco, E ainda tem Let you w/in, pop adulto de piano, com andamento evocando Elton John e Paul McCartney. West End girl é o momento em que Lily percebe o tempo que perdeu tentando impressionar e conquistar gente estúpida – mas também musicalmente, é a “melhor versão” dela nos últimos tempos.
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Crítica
Ouvimos: Zécarlos Ribeiro – “(Todos os Homens)º = 1”

RESENHA: Em (Todos os Homens)º = 1, Zécarlos Ribeiro une rock clássico, folk e deboche em disco variado que mistura poesia do cotidiano, crítica social e ecos de Erasmo, Zappa e Arrigo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: 7 de novembro de 2025
Lançamento: Independente
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Zécarlos Ribeiro é, ao lado de Luiz Tatit, o principal compositor da história do grupo Rumo, e um cara bom de narrar cenas – sempre com um olho na história, e outro no que pode estar acontecendo nas internas. Esse clima toma conta de seu segundo disco solo, (Todos os Homens)º = 1 (“todos os homens elevado a zero é igual a um”).
A curiosidade é que (Todos os Homens)º = 1 é basicamente um disco de rock, e de rock clássico, à maneira de Erasmo Carlos – o espírito do Tremendão baixa em faixas como o boogie Bando de loucos (que tem ótimo arranjo de metais), o rock acústico Vai pra cama descansar e o blues-rock titânico É do mal. Estica a trena abre com uma improvável cara industrial e depois vira um rock irônico e nostálgico. Arrigo Barnabé comparece em Minha cabeça, um eletro-rap-samba zoeiro, que tem algo de Sparks. E vibes lembrando Frank Zappa aparecem na faixa-título.
- Ouvimos: UmQuarto – Fora de lugar
Zécarlos também embarca e tons folk e country em faixas como a sombria Deslumbre (com Ana Deriggi nos vocais), a abolerada e italianada Sonhe em pé (com Carlos Careqa), o roquinho mineiro Vem pra cá e a abolerada Volta pra mim, que lembra Rita Lee. Nas letras, Zécarlos põe poesia e história no trivial, sempre com deboche e protesto, como na insônia de Volta pra mim (“não consigo mais dormir de madrugada / meus pensamentos marcam reuniões inesperadas”) e o papo sobre amor e algoritmos de Bando de loucos.
Já Sonhe em pé conta histórias de italianos em São Paulo, enquanto Estica a trena fala sobre operários que dançam, no sentido literal e figurado – com direito à citação de Construção, de Chico Buarque, e suas lembranças de dias acidentados para o trabalhador brasileiro. Som e poesia do dia a dia.
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Crítica
Ouvimos: Bianca and The Velvets – “Reminder” (EP)

RESENHA: Vinda de Belém, Bianca and The Velvets lança Reminder, EP com base em The Cure, e em estilos como grunge e pós-punk, com voz grave marcante e clima dramático.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de outubro de 2025
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Punk e indie rock de Belém (PA): no EP Reminder, Bianca and The Velvets (Bianca Marinho, Marcel Barretto, Emmanuel Penna e Leonardo Chaves) unem referências que passam pelo pós-punk, pelo grunge e pelo som de bandas dos anos 2000 – tendo como detalhe especial a voz grave de Bianca, que muitas vezes soa parecida com a de Dean Wareham (do Luna, lembra?) e em outros momentos ganha uma vibe entre o sexy e o robótico.
- Ouvimos: Flerte Flamingo – Dói ter
O EP Reminder abre chegando perto simultaneamente de The Cure e do garage rock, com a distorcida Knives – que abre com um “go on” idêntico ao de In between days, do Cure. Like on TV une Gang Of Four e trevas darkwave. Summertime river é o lado sixties do disco, na guitarra e na composição, e tem algo de slacker, de despojado, no arranjo.
As duas próximas faixas reúnem o lado dramático de Reminder. Said you loved me, then you’re gone é uma música sombria de piano e violão, com voz sussurrada, e um clima o mais folk-grunge possível. I was a giver é folk tocado na guitarra, com algo de Velvet Underground nos vocais e na execução. No excuses, indie rock que encerra o álbum, traz emanações de Pretenders e The Killers, simultaneamente.
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