Crítica
Ouvimos: Cassandra Jenkins, “My light, my destroyer”

- My light, my destroyer é o terceiro álbum da cantora e compositora novaiorquina Cassandra Jenkins. O disco foi produzido por Andrew Lappin e sai pelo selo Dead Oceans, que faz parte da mesma família dos selos indies Secretly Canadian and Jagjaguwar (o Secretly Group) e tem no elenco bandas como Khruangbin e Bright Eyes, além de cantoras como Fenne Lily.
- Cassandra, que tem 40 anos, está “em turnê” desde os 12, como lembrou numa entrevista para a revista Spin. Seus pais eram artistas e se apresentavam em festivais e cruzeiros de navio. Recentemente, no meio da pandemia, uma crise pessoal quase a afastou de vez da música. “Eu estava criando meu próprio sofrimento. Eu pensei que estava abandonando o mundo da música, mas eu estava apenas abandonando a pele que eu tinha naquela época”, contou.
An overview on phenomenal nature, segundo disco de Cassandra Jenkins, fez sucesso. Muito mais do que ela própria esperava, diga-se – saiu em fevereiro de 2021, no meio da pandemia, uma época em que até as pessoas mais ligadonas do mercado fonográfico mal sabiam o que ia acontecer. Era um LP curto, sete faixas em 31 minutos. Parecia algo especial para um mercado que consumia conteúdo cada vez mais direto ao ponto, mas nem tanto. Havia um instrumental ambient de sete minutos (The ramble), o material do álbum era emotivo e introspectivo, faixas como Hard drive tinham vocais falados – a letra dessa música falava em chacras, terapia, plano astral e em papos existencialistas e esotéricos como “a mente é apenas um disco rígido nesta vida”.
Era basicamente um disco sobre luto: em 2019 ela havia perdido um amigo próximo (o musicista David Berman, da banda Silver Jews) e músicas como Ambitious Norways falavam diretamente sobre essa perda, com reminiscências e referências. As críticas animadoras e a necessidade que as pessoas tinham de ouvir faixas tristonhas e existencialmente plenas em 2021, acabou tirando Cassandra do selo Ba Da Bing e levando-a para a turma do Secretly Group, repleta de etiquetas indies de peso. A “natureza fenomenal” do segundo disco levou a My light, my destroyer, um álbum musicalmente menos denso e mais palatável que o anterior. Mesmo assim, Cassandra investe em temas cósmicos e na busca de soluções no céu, de maneira científica, ficcional ou existencial.
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O lado introspectivo do disco tem mais a ver com trilhas de filmes tristes do que com som indie “difícil”. Já começa em Devotion, faixa de abertura, no geral uma canção folk de desilusão que abre com os versos “acho que você confundiu meu desespero/com devoção”. Cassandra adere ao indie rock introspectivo em Clams casino, investe em som eletrônico meditativo, sombrio e sussurrado (às vezes lembrando Laurie Anderson, até mesmo na letra imperativa) em Delphinium blue, lembra contos de estrada num belo e maduro folk rock, Aurora IL.
Balizando músicas como o dream pop Omakase e o indie rock na cola de Pixies e Juliana Hatfield Petco, o novo álbum de Cassandra volta um pouco onde An overview havia parado, apresentando vinhetas como Music?? e uma música climática, de piano e sopros, que traz uma gravação caseira de Cassandra e sua mãe levando um papo sobre astronomia (Betelgeuse). Já Tape and tissue soa como um momento mágico dentro do disco, com mudanças bruscas na melodia que cortam a aparente tranquilidade da faixa.
No final, Only one é o pop perfeito de Cassandra, lembrando um r&b do espaço. E Hayley, instrumental com menos de dois minutos, é outro momento em que a cantora traz de volta o universo do álbum anterior. Basicamente uma trilha sonora de sonhos e imaginações.
Nota: 9
Gravadora: Dead Oceans
Crítica
Ouvimos: Hotline TNT – “Raspberry moon”

RESENHA: Em Raspberry moon, o Hotline TNT acerta ao misturar noise, power pop esquisito e guitarras noventistas com letras simples e clima quase emo.
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Rotular a banda novaiorquina Hotline TNT como shoegaze é dar bem pouca areia para o caminhão deles. O grupo liderado por Will Anderson está mais para aquela época em que se sabia que rock, via de regra, tinha que ser ruidoso – seja lá em que gênero ele se adequasse. Raspberry moon, terceiro disco do grupo, guia o timão para os tempos de Hüsker Dü, Sugar, Velocity Girl, Dinosaur Jr e põe os rangidos e as paredes de guitarra para funcionar a favor da melodia.
Raspberry moon traz Will num clima diferente: em vez de compor e tocar sozinho, como aconteceu nos discos anteriores, ele pôs a galera que o acompanha nos shows para criar o disco ao lado dele. Boa parte do repertório soa mais próximo, de fato, do que pode ser entendido como um “disco de banda”, com dinamismo mais acentuado, e variando entre ruído e melodia. Was I wrong?, na abertura, é noise rock educado e alimentado como uma dieta de rock dos anos 1960. The scene é quase um haikai ruidoso e voltado pata a musicalidade pesada dos anos 1990. A ligeiramente funkeada Julia’s war tem cara de hit e chega a lembrar aquelas bandas mais palataveis que usavam a fórmula do grunge (Third Eye Blind, etc).
- Ouvimos: Dinosaur Jr – Farm (15th anniversary edition)
- Ouvimos: Velocity Girl – UltraCopacetic (Copacetic remixed and expanded)
- The living end: lembranças do Hüsker Dü ao vivo, em CD lançado em 1994
- Entrevista: Greg Norton (Hüsker Dü, Porcupine) exclusivo para o Pop Fantasma
Isto posto, dá pra dizer que o Hotline TNT se aproximou bastante do power pop no disco novo – aliás num papo com a newsletter Last Donut Of The Night, Will disse que, quando mais novo, ouvia bandas como Weezer e Red Hot Chili Peppers. Mas é um power pop esquisito, no qual cabem loucuras vaporwave (Transition lens), um clima que remete tanto a Joy Division quanto ao soft rock (Break right e Candles) e um pós-grunge como talvez ele devesse ser hoje em dia (Letter to heaven).
Aclimatações jangle-pop tomam conta de Dance the night away, e ruídos acústicos rangem nos violões ardidos de Lawnmover – enquanto uma nuvem sonora mais próxima do shoegaze que costuma ser associado à banda aparece na última faixa, Where U been?. Já as letras valorizam a simplicidade, ou o desejo de ser entendido (e sentido) em poucas frases. Há mensagens de adeus em Was I wrong? e Letter to heaven, um curioso conto de escalada em Julia’s war, e inseguranças amorosas em várias faixas, num clima praticamente emo – como o “se você realmente me amasse / faria uma cena de ciúmes / visibilidade / e todos veriam” da amarga The scene.
Talvez esse prazer por mostrar o lado mais imaturo da vida corte um pouco da boa experiência de ouvir o Hotline TNT. Mas Raspberry moon faz bem aos ouvidos quase todo o tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Third Man Records
Lançamento 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Getdown Services – “Primordial slot machine”

RESENHA: Em Primordial slot machine, o Getdown Services mistura pós-punk, soul e krautrock com humor ácido e melodias tortas, em faixas caóticas e cativantes.
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Dupla de Bristol, na Inglaterra, o Getdown Services parece um cruzamento de Prince, Beck e John Lydon – ou seja: balanço, estranhice e zoeira marcam o repertório da dupla formada por Josh Law e Ben Sadler.
Primordial slot machine, terceiro EP dos dois (eles têm ainda um álbum, Crisps, de 2023) abre com o pós-punk desértico de Provide me your name, música na qual rola uma conversa telefônica das mais esquisitas. E em seguida vem Chrysalis, soul-rock-pop com piano Rhodes, guitarra sinuosa e vocal falado – a letra basicamente fala sobre situações estressantes resolvidas de maneira imbecil (“vou formar uma crisálida perfeita / e enchê-la de mijo”, explicam/não explicam na letra).
- Ouvimos: The Wants – Bastard
- Ouvimos: Godofredo – Tutorial
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
Ben e Josh investem num eletrokrautrock ruidoso em James Bay’s hat e Eat quiche. Sleep. Repeat, duas músicas cujas letras parecem uma mistura da inocência falsa de David Byrne com o humor corrosivo de Mike Patton (“eu encontrei o maior amor do mundo / no menor meet and greet do mundo / dei uma crítica de duas estrelas de um filme que eu nem tinha visto”, afirmam na segunda). God bless é um rap que parece ter sido construído num sample – ou numa imitação – da levada de Rational culture, de Tim Maia.
A música mais “normal” do disco, Drifting away, vem no fim, e fala sobre vontade de desaparecer (“sou corajoso, mas não corajoso o suficiente para ficar / indo embora”) sob uma base de rock indie e sessentista, com vocal grave lembrando Lou Reed. Para ouvir quando a amargura desses dois não conseguir te contagiar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Breakfast Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vovô Bebê – “Bad english”

RESENHA: Quarto disco de Vovô Bebê, Bad english mistura Bowie, Jovem Guarda, baião e soul em um pop experimental cheio de referências e surpresas.
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Quando começaram a surgir as notícias sobre Bad english, quarto álbum de Vovô Bebê – codinome do músico Pedro Dias Carneiro – nomes como David Bowie eram bastante citados em textos que adiantavam o disco. Bowie paira como uma espécie de santo padroeiro sobre Bad english, disco produzido por Chico Neves e dirigido artisticamente por Ana Frango Elétrico – e a capa parece referir-se a uma versão torta de Blackstar (2016), seu disco de despedida.
E justamente o Bowie que baixou no estúdio em que Vovô Bebê gravou foi a versão mais aventureira e experimental do britânico – a da fase Berlim e a dos discos que ele fez nos anos 1990, incompreensíveis para vários fãs antigos, e revistos anos depois por vários deles. Não é só isso: o despojamento dos discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso feitos em Londres, e até o balanço dos Red Hot Chili Peppers, além do desdobre psicodélico da Jovem Guarda (Incríveis, Silvinha, Vanusa)… Tudo isso é citado em faixas como Intro/End of the moon, Forest baby (essa, em tom bossa + rock + soul + Bowie), a contemplativa e sinuosa Little sun, a espacial Night away e a beatle-tropicalista Offbook effort.
Bad english une Beck e disco music saturada em Star smoke ticket, põe algo de glam rock na mistura em Wrong ticket, e junta baião, afoxé, jazz e lisergia em Brazil commodity e Left for dead. O soul indie Daily basis slide guitars, voz tranquila e um balanço que remete tanto a Marcos Valle quanto a Titãs. Tem experimentalismo, e muito, em Bad english – mas ele surge como um elemento a mais nas canções e arranjos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Estúdio304
Lançamento: 23 de abril de 2025.
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