Crítica
Ouvimos: Lime Garden, “One more thing”

- One more thing é a estreia da banda britânica Lime Garden. O quarteto britânico é formado por Chloe Howard (voz, guitarra), Annabel Whittle (bateria), Leila Deeley (guitarra) e Tippi Morgan (baixo).
- A banda foi formada inicialmente por Chloe e Annabel, que se seguiam nas redes sociais e descobriram que estudavam na mesma escola.
- Chloe disse numa entrevista ao jornal The Independent que admira “bandas que mudam seu som de álbum para álbum. Isso é algo que queremos fazer”.
Se você prevê que 2024 vai ser um ano complicado, com projetos que já completaram dois anos sem sair do papel, parentes enchendo a paciência pra você fazer concurso público, possibilidades profissionais a depender do destino, e amigos de infância perguntando quando é que você vai largar essa vida de artista e casar/ter filhos, existe uma chance enorme de você se identificar com One more thing, disco de estreia da banda britânica Lime Garden.
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A banda não escreve letras como se fizesse músicas apenas para a turma da sua idade – ainda que a vocalista Chloe Howard tenha posto algumas lembranças de quando tinha 14 anos nas músicas, e o Lime Garden tenha surgido quando ela, Annabel Whittle, Leila Deeley e Tippi Morgan eram adolescentes. O repertório de One more thing une várias impressões e confissões de quem já tem vários boletos para pagar, mas ainda assim não esconde a insatisfação e aporrinhação com o mundo adulto.
No disco, tem a desilusão geral da letra de Popstar (“não quero trabalhar nesse meu emprego/porque a vida é curta e eu sou uma popstar”), o discurso anti-padrão de Nepotism (Baby), a porrada amorosa de Love song (“enquanto eu ando/enquanto eu sangro/eu quero levar você para todos os lugares comigo”), o vazio sexual do pós-pandemia em Pine (“todo mundo quer trepar/no entanto, ninguém parece admitir”). E vai por aí, tudo compondo um cenário de fácil identificação.
Falando de som, que é o principal, o Lime Garden tem lá suas referências mais recentes (ecos de Strokes e Dry Cleaning podem ser vistos aqui e ali). Mas é pós-punk como se viesse da Inglaterra nos anos 1980, e não 2020 – tem baixo dominando os arranjos, bateria motorik herdada do rock alemão e várias palhetadas na guitarra, com canções como Love song, Mother e I want to be you unindo melodia e experimentalismo como faziam Pixies, Public Image Ltd, Gang Of Four, Talking Heads, Breeders e outros grupos. A dançante Fears traz riffs e toques eletrônicos que ameaçam deixar entrar um nu-metal mais leve – mas é só a impressão inicial. Encerrando tudo, uma triste balada de violão e piano, Looking, unindo amor, desesperança e frieza.
Nota: 8
Gravadora: So Young
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Terraplana, “Natural”

Tem algo acontecendo de muito sério com o Terraplana – e aliás não só com eles, mas também com a maneira como o shoegaze, esse estilo ruidoso e emparedado, é encarado no Brasil.
A banda curitibana conseguiu chamar atenção até do site gringo Stereogum com esse segundo álbum, Natural. Foram considerados “álbum da semana” e ganharam uma resenha bastante positiva, que abre com algumas notas de maldade sobre a existência de colecionadores de “shoegaze brasileiro”.
Seja como for, a hora é boa para os nerds do estilo: as nuvens de guitarras e os vocais perdidos do estilo musical, que já foram nada mais do que uma cena autocelebratória, são agora uma estética a ser aproveitada, e não um pequeno nicho – e isso tanto aqui quanto lá fora.
Natural vem em hora certa e, mesmo não sendo o melhor disco do Terraplana – o posto ainda está com a estreia Olhar pra trás, de 2023 – traz uma fase ótima de composições, e arranjos que, com algum esforço, acabam arrumando lugar para o som do grupo na prateleira do “rock brasileiro” (ou seja, do rock que pode encarar grandes shows e uma mídia maiorzinha).
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A faixa de abertura, Salto no escuro, já mostra bem isso: é quase um blues-shoegaze, com vocais doces no meio da melodia, que surgem como um sol entre as nuvens lá longe. Na sequência tem Amanhecer é tanto filha dos Pixies quanto de Drop Nineteens. Depois, tem Charlie, cuja intro de guitarra remete a Smells like teen spirit, do Nirvana, mas é só impressão – daí para diante, é uma música recheada com guitarras acinzentadas e vocais celestiais.
Agora, o auge dessa percepção menos anticomercial do Terraplana vem com Todo dia, canção de abertura quase baladeira, um pouco no clima do lado deprê do rock brasileiro dos anos 1980/1990. A letra, como acontece em alguns momentos desse disco, fala de algo que vai sumindo (no caso, um relacionamento), em falhas de comunicação que indicam que algo está prestes a sair de circulação.
Essa mesma vibe invade duas faixas bastante significativas do álbum: Desparecendo (note o nome) e Hear a whisper, com participação de Samira Winter. Esta, uma faixa cuja letra fala sobre a convivência com uma pessoa idosa que vai perdendo a memória – e que, lá pelas tantas, ganha um certo de transmissão de TV que se apaga, como no próprio clipe da música.
No restante, o Terraplana segue para o quase grunge em Horas iguais, para algo próximo do pós-punk em Airbag, e encerra o álbum com sua melhor faixa: Morro azul, canção com clima de mistério, costurado por um baixo que muda climas em momentos estratégicos, e por uma bateria-e-pandeirola bem velvetiana. Uma música que reforça a impressão de um momento bem especial para o grupo curitibano.
Nota: 8
Gravadora: Balaclava Records
Lançamento: 11 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Krisj Wannabe, “Mirror” (EP)

Com uma origem misteriosa — nasceu nos Estados Unidos, foi criado na Itália e hoje vive em Tóquio —, Krisj Wannabe é um cara que mistura grunge e pós-punk e que no EP Mirror, dedica-se ao rock ruidoso, com curiosos vocais graves, distorções, guitarras batidas no estilo do Mudhoney, beats eletrônicos e riffs intermitentes.
A faixa de abertura, Don’t belong, já define o tom com uma letra cínica: “Quando você tem uma mancha de bilionário no rosto / não posso elogiá-lo por qualquer caminho que você escolher / porque no final, eu não pertenço”. Been away traz Krisj fazendo vocais melancólicos e criando um clima que oscila entre Melvins e Joy Division, enquanto Somewhere entrega uma balada oitentista e barulhenta, como algo feito no quarto. Já Are we forgetting something? combina elementos pós-punk com um toque de garage rock sessentista.
O EP apresenta um pequeno deslize nas duas últimas faixas, com Another day, um rock garageiro e punk, e And you?, um som ágil que remete ao Jesus and Mary Chain dos primeiros tempos, mas com um ruído “espacial” que ganha destaque. São músicas legais, mas foram gravadas com um som bem mais baixo que o resto do disco, o que obriga você a levantar o volume. No entanto, no geral, Mirror é um EP intenso, repleto de surpresas que valem a pena ser exploradas.
Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 17 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Brian D’Addario, “Till the morning”

Não, a parceria dos irmãos Michael e Brian D’Addario (os Lemon Twigs) não chegou ao fim. Till the morning, primeiro disco solo de Brian, é quase um disco dos Lemon Twigs liderado por um dos dois. Michael D’Addario co-produziu o disco, fez algumas harmonias vocais, co-escreveu duas músicas e Till the morning sai pela Headstack Records, selo dos brothers – cujo logotipo é justamente uma caricatura deles.
Aliás, Brian não aproveitou o disco solo para fugir do som que faz com sua banda. Pelo contrário: o álbum é uma extensão da discografia dos Lemon Twigs, mas com outros colaboradores. Um deles é Stephen Kalinich, poeta norte-americano que escreveu músicas com Brian e Dennis Wilson (Beach Boys) e chegou a gravar em 1969 um disco, A world of peace must come, que deveria ter saído pelo selo dos BB, Brother Records (foi engavetado e saiu só em 2008). Daryl Johns colabora em This summer, produzindo e tocando bateria – por acaso essa música representa uma mudança de astral no disco, dando um clima pouca coisa mais pesado a um álbum que é pura introspecção setentista.
Quem acompanha os Lemon Twigs desde a arrojada estreia Do Hollywood (2016) sabe que coisas foram acontecendo ao grupo de lá para cá. Songs for the general public (2020), terceiro disco e último pela 4AD, foi fundamental para marcar os Twigs como uma banda de rádio AM dos anos 1970, com Michael e Brian soando como se fossem aqueles artistas que pegaram o bastão de Beatles e Crosby, Stills, Nash & Young para fazer um som entristecido, romântico, radiofônico ààààà beça e influenciado por soul e country.
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Essa galera aparecia muito nas trilhas sonoras internacionais de novelas da época, vendia compactos a rodo, fazia a trilha sonora de muitos chás-de-cadeira na hora da “lentinha”, e era fagocitada, aqui no Brasil, pela rapaziada verde-e-amarela que cantava em inglês (Christian, Fábio “Mark Davis” Jr, Light Reflections, etc). Não falta gente para chamar, carinhosamente, esse tipo de som de “mela-cueca” – o DJ Zé Pedro lançou recentemente um livro sobre o assunto, aliás. No caso dos Lemon Twigs, dá para sacar referências de Radiohead, Rolling Stones, James Taylor, Jim Croce, Beatles (muito), Todd Rundgren (mais ainda), Beach Boys (ô), mas em resumo, é isso aí.
Problema: de lá para cá, uma certa esquisitice bacana que havia no som dos Lemon Twigs foi sendo deixada delicadamente de lado – e olha que estamos falando de uma banda cujo segundo disco, Go to school (2018), era uma ópera-rock sobre um chimpanzé criado como um garoto. Till the morning é um disco excelente e muito bem composto e arranjado, uma espécie de mela-cueca bedroom de respeito, mas cumprimos o dever de avisar que o som é esse aí mesmo, na maior parte do tempo.
A faixa-título chega a parecer uma canção tradicional arranjada por Brian. Faixas como Song of everyone e What you are is beautiful (uma das parecias com Stephen) têm ar seresteiro e romântico. Um pouco do começo dos Lemon Twigs surge em Useless tears, chamber pop que parece uma composição de Bach, com violão soando como cravo, cordas criativas e intensas, e vocais lembrando Queen. Já faixas como Spirit without a home, Company, Nothing on my mind e Only to ease my mind devem muito a Paul McCartney e à primeira fase dos Bee Gees, enquanto Flash in the pan remete a Creedence Clearwater Revival e America. Dividindo vocais, Michael e Brian soam às vezes como Crosby & Nash, às vezes como Everly Brothers.
Nas letras, Brian combina conversas bastante profundas e sociais (Useless tears fala de abusos cometidos a pessoas inocentes) com papos que, justamente, poderiam rolar numa canção bem cabisbaixa dos 70’s. Company, por exemplo, fala tristemente sobre oportunidades de amor perdidas, enquanto This summer e Spirit without a home lidam com (respectivamente) angústias existenciais e entes queridos que partiram. No fim, em meio a algoritmos e carreiras de IA, é um dos novos românticos do rock expondo suas dores pessoais.
Nota: 8
Gravadora: Headstack Records
Lançamento: 20 de março de 2025.
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