Cultura Pop
Aquela vez em que os Pretty Things tocaram a ópera-rock SF Sorrow ao vivo na internet
SF Sorrow, ópera-rock da banda britânica The Pretty Things (1968) antecedeu Tommy, do The Who (1969), por alguns meses. O disco era um dos preferidos de Freddie Mercury na época em que o cantor fazia faculdade e estava montando o Queen – na juventude, Mercury era inclusive amigo do guitarrista dos Pretty Things, Dick Taylor, e de sua então mulher Melissa.
O álbum não chegou a ser um grande sucesso. Além de ter sido ofuscado por Tommy, quase todo mundo considerou o conceito da ópera triste demais, com um personagem (Sebastian F. Sorrow) que cresce numa cidade sem nome, passa por vários problemas pessoais, vai lutar na Segunda Guerra Mundial, vê sua noiva morrer num acidente de balão (na música Balloon burning) e termina se sentindo a pessoa mais solitária do mundo (a última faixa, The loneliest person).
Nos EUA, a concorrência com Tommy ganharia contornos mais complexos, porque SF Sorrow foi lançado por lá meses depois do disco do The Who, e os Pretty Things ganhariam fama de imitadores (!). Ainda assim, o disco ganhou muitos fãs, virou objeto de culto e consolidou a carreira dos Pretty Things, que nos anos 1970 ganharam uma cara mais glam rock e chegaram até a gravar dois discos pelo selo Swan Song, do Led Zeppelin. Não custa dizer que Sorrow saiu na mesma semana em que chegava às lojas o White album dos Beatles. A EMI, gravadora tanto dos Beatles quanto dos Pretty Things, não ofereceu apoio algum a opera-rock do grupo.
O primeiro show em que a banda apresentou o repertório do disco, pra piorar, foi um desastre. A banda subiu no palco do clube hippie Middle Earth, em Londres em 25 de janeiro de 1969, para mostrar o repertório da ópera-rock em apresentação especial. Só que os Pretty Things ficaram amedrontados com a possibilidade de cometerem vários erros ao vivo, já que SF Sorrow era um disco bastante complexo – o guitarrista do grupo, Dick Taylor, diz nunca ter entendido o LP inteiro. Alguém teve a infeliz ideia de botar o grupo fazendo mímica (!) das fitas originais do disco no palco, com cada integrante interpretando um personagem. Não deu nada certo.
Os Pretty Things foram tendo inúmeras mudanças de formação. Na época de SF Sorrow, tinham Phil May (voz), Dick Taylor (guitarra, voz), Wally Waller (baixo, guitarra, voz, piano), Jon Povey (voz, teclados, percussão) e Twink (bateria), além de Skip Alan (baterista que saiu no meio das gravações e fez algumas coisas). Essa turma conseguiu, 30 anos depois de SF Sorrow chegar às lojas, fazer parte de uma grande homenagem ao disco. Em 6 de setembro de 1998, o grupo reuniu a formação do disco para, no mesmo estúdio 2 de Abbey Road onde SF Sorrow foi gravado, apresentar todo o repertório do álbum ao vivo, com transmissão pela internet.
Na real não era bem “essa turma toda”: Twink, que costumava representar o personagem principal nos shows de SF Sorrow, não apareceu. Skip Alan tocou bateria e ainda foi ajudado pelo filho Dov, que tocou percussão. Arthur Brown fez a narração. David Gilmour, do Pink Floyd – que era bem próximo dos Pretty Things nos anos 1960 – tocou algumas guitarras, entre outros convidados. Na plateia, só amigos, parentes e convidados. Esse show (cuja transmissão foi prejudicada pro problemas com o servidor) chegou a ser lançado em DVD. Depois, os Pretty Things chegaram a fazer mais shows com o repertório do álbum na íntegra.
Ainda sobre Tommy e SF Sorrow, vale citar que ficou uma mágoa entre a banda e Pete Townshend. Nesse papo aqui, o cantor Phil May reclama que o guitarrista do Who costumava citar o álbum dos Pretty Things como fonte de inspiração e depois “mudou de ideia”. “Ele sempre dizia que SF Sorrow influenciou Tommy. Recentemente, Townshend aparentemente negou ter ouvido o disco. Ele disse que nunca ouviu SF Sorrow antes de escrever Tommy: ‘Nunca ouvi no rádio, nunca ouvi em lugar nenhum'”, queixou-se May.
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Via também Loudersound
Crítica
Ouvimos: Chico Chico, “Estopim”
- Estopim é o segundo álbum solo de Chico Chico, produzido por Pedro Fonseca e Rafael Ramos. É o segundo lançamento do cantor pela Deck – em 2023 saiu o EP Espelho. Nomes já conhecidos dos álbuns dele, como Julia Vargas, Tui Lana e João Mantuano, participam do álbum.
- Pedro, que vem trabalhando com o cantor desde 2023, “entendeu bem essa dualidade das composições, tanto das imagens rurais quanto das urbanas que permeiam meu trabalho e se fazem presente neste álbum”, diz Chico.
- Nomes como Marlon Sette (trombone), Walter Villaça (guitarra e violão de aço), Thiago da Serrinha (percussão) e Jorge Continentino (sax barítono, flauta e pife) estão na lista de músicos.
Segundo álbum individual de uma carreira bastante voltada a registros em dupla ou grupo, Estopim é o disco mais sistemático (vamos dizer assim) que Chico Chico conseguiu fazer até o momento. E ele conseguiu isso numa gravadora de porte – a Deck -, sem abdicar da identidade própria que havia em todos os lançamentos anteriores. No novo álbum, a voz dele, mais até do que lembrar a da mãe Cássia Eller, soa como vários anos de história da MPB pós-tropicalismo condensados numa pessoa só – numa onda musical que abarca Elis Regina, Luiz Melodia, Gilberto Gil e até Oswaldo Montenegro.
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Nem parece, mas a carreira discográfica de Chico Chico já está prestes a completar dez anos – sua estreia 2×0 Vargem Alta, que era na verdade a estreia epônima de uma banda (formada por ele e vários amigos), saiu em outubro de 2015. A sonoridade quase blues e predominantemente acústica do disco ainda dá as caras em Estopim mas foi sendo acrescida de outros elementos, cabendo o soul forte de Parado no vento (na qual o registro vocal do cantor lembra o de Cazuza), o rock nordestino à moda de Alceu Valença e Raul Seixas em Toada, um som mais pop e suingado em Terra à vista (que por sinal foi o primeiro single do álbum) e uma MPB bem próxima da sonoridade pop setentista em Vai. Além do frevo de Moda do chapéu e do pop com sonoridades arábicas de Acorda Zé.
Quem curtiu músicas folk e brasileiras de Chico como Ribanceira (cujo potencial levou-a à trilha do remake da novela Pantanal) vai ficar feliz com o forró folk ágil de Altiva, gravada com Juliana Linhares, e com a interiorana Urminino, com participação (infelizmente pouco audível) de Julia Vargas. De novidade, tem a experimental Abismo, uma canção cujo arranjo é composto de várias vozes sobrepostas.
Nota: 8,5
Gravadora: Deck.
Cultura Pop
No nosso podcast, Talking Heads e a época de “Stop making sense”
David Byrne, Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris Frantz, os quatro integrantes dos Talking Heads, pareciam “artísticos” e diferentões demais para serem uma banda do mainstream – e mesmo na turma que girava em torno do CBGB’s, boteco roqueiro de Nova York, tinha gente que olhava torto pra eles. No entanto, se bobear você conhece pelo menos uma dezena de músicas deles. E sua rádio rock favorita toca pelo menos Psycho killer, And she was e Wild wild life todos os dias. E a última festa rocker que você foi botou geral pra soltar a voz no quase-hit The road to nowhere, ou no batidão Burning down the house.
Naturalmente, um projeto tão aberto a influências e novidades tinha que chegar nas telonas, e lá foram os Talking Heads dar aquela revolucionada no universo dos filmes de shows de rock e lançar Stop making sense (1984), que está de volta aos cinemas, remasterizado. E o Pop Fantasma Documento, podcast do site Pop Fantasma, dá hoje aquele sobrevoo no antes, durante e depois do filme, focando no período que vai do excelente disco Speaking in tongues (1983) ao magistral Little creatures (1985). Ouça, e depois ouça tudo dos Talking Heads.
Século 21 no podcast: Master Peace e Exclusive Os Cabides.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Laurie Anderson, “Amelia”
- Amelia é o décimo-terceiro álbum* da musicista de vanguarda Laurie Anderson, cujo tema é o voo solo ao redor do mundo feito pela aviadora norte-americana Amelia Earhart (1897-1937). Pioneira na defesa dos direitos das mulheres e detentora de vários recordes de aviação, Amelia, durante o voo, acabou desaparecendo no Oceano Pacífico, perto da Ilha Howland.
- Além de Laurie (voz, viola, teclados e eletrônicos) participam do disco a orquestra checa Filharmonie Brno, os norte-americanos do Trimbach Trio, a cantora Anohni (dos Johnsons) e um grupo que inclui músicos como Marc Ribot (percussão) e Martha Mooke (viola).
- “Amelia estava fazendo uma coisa realmente perigosa. Ela era muito prática, diferente de Charles Lindbergh, que era um piloto de luvas brancas em muitos aspectos. Ela realmente estava trabalhando com os caras sob o capô”, contou Laurie (segundo a Billboard), lamentando que quase cem anos depois do desaparecimento de Amelia, “as meninas ainda não sejam realmente encorajadas a fazer engenharia”.
- No Grammy 2024, Laurie ganhou uma estatueta pelo conjunto da obra. “Fico feliz do Grammy ter visto o que faço como música, porque eles geralmente ignoram coisas experimentais”, afirmou.
Quem curte sonoridades experimentais e art pop vai se sentir tentado/tentada a dar uma olhadinha no disco novo de Laurie Anderson só de ver a lista de faixas. Amelia tem uma formatação bastante curiosa: são 22 faixas em 34 minutos de duração, divididas na maior parte do tempo em canções de pouco mais de um minuto – há micromúsicas de trinta segundos e algumas (poucas) com duração mais extensa. O recheio também é instigante: Laurie voltou a uma peça musical sua que já tinha sido levada ao palco há 25 anos, sobre a história de Amelia Earhart, uma mulher norte-americana que em 1937 ousou ser a primeira aviadora a dar uma volta solo ao redor do mundo, passando inclusive pelo Brasil – e morreu durante a jornada, após faltar combustível e o contato via rádio desaparecer.
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Amelia faz uma jornada conceitual pela história do voo solo, unindo sons orquestrados, efeitos de som e vocais falados/cantados, além das intervenções de Anohni em seis faixas. A partir de To circle the world, na abertura, fica claro que o foco está nas lembranças póstumas de Amelia (“é o som do motor/o que eu mais me lembro”, recita Laurie) e seu roteiro de viagem – chegando nas tentativas frustradas de comunicação em Radio, tema orquestral e climático que serve como um portal para a personagem, e é seguida pelo encerramento com os ruídos marítimos de Lucky dime. Os problemas enfrentados durante a viagem são musicados e transformados num diário da aviadora – a faixa Brazil, por exemplo, fala em estática no rádio e céu carregado, mas traz uma nota de otimismo: “o céu tem muitas avenidas e ruas/mas você tem que saber como encontrá-las”.
De modo geral, Amelia deve ser entendida como um espetáculo que pode ganhar uma contrapartida multimídia – em filme, peça, inteligência artificial, ou o que o valha – e que, em disco, instiga bastante a imaginação de quem ouve. O vocal de Laurie, sempre firme e relaxante, alivia a tristeza da história de Amelia. Laurie, impactada pelo pioneirismo da aviadora, incluiu também notas de feminismo na história, em The word for woman here e em This modern world, que inclui um pequeno trecho narrado pela própria Amelia (afirmando que “este mundo moderno de ciência e invenção é de interesse particular para as mulheres, pois as vidas das mulheres foram mais afetadas por seus novos horizontes”).
Nota: 8
Gravadora: Nonesuch
* Obrigado a Johann Heyss pela correção – tínhamos escrito que era o oitavo disco
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