Cultura Pop
Relembrando: Lou Reed, “Lou Reed” (1972)
O começo dos anos 1970 foi uma época em que se esperava que o rock aproveitasse as lições dos anos 1960 para dizer algo – mas sempre dizer de forma diferente. Como o próprio John Lennon havia feito com as letras verdadeiras e introspectivas de sua estreia com a Plastic Ono Band (1970), ou o Pink Floyd vinha fazendo em álbuns como Atom heart mother (1970) e Meddle (1971). Havia astros folk falando do dia a dia com acidez, vendendo milhares de discos e tocando no rádio. Então dá para dizer que era uma época boa para jogar verdades na cara. Ou para convidar os problemas para tomar um café ao cair da tarde – e para tentar ganhar uma boa grana com a exposição disso tudo.
Tateando na carreira solo alguns anos após deixar sua banda Velvet Underground de forma abrupta (e sem demonstrar muita preocupação com a propriedade do nome, que permaneceu na ativa até 1973 com o guitarrista Doug Yule no comando), no começo dos anos 1970 Lou Reed dividia-se entre os desejos de se tornar escritor e o de permanecer no rock. Nesse período, sentindo-se por fora do mercado, chegou a aceitar empregos que nada tinham a ver com música. Ganhou uma força extra do casal de escritores Richard e Linda Robinson, que uniam uma turma de “escritores de rock” da qual participavam Patti Smith e Jim Carroll.
- Temos um episódio do nosso podcast sobre a fase inicial solo de Lou Reed.
- E um outro sobre o Velvet Underground.
- Mais Lou Reed no Pop Fantasma aqui (e mais Velvet aqui)
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Apesar de ter anunciado numa das reuniões da turma que “jamais voltaria a fazer algo tão tolo quanto cantar rock”, Lou começou a mostrar seu primeiro repertório solo nesses bate-papos. Não eram só canções novas: havia muitas sobras do Velvet Underground, banda que tinha deixado um volume meio grande de material gravado e nunca lançado (anos depois, relançamentos deluxe e discos como V.U., com sobras de estúdio, revelariam os originais dessas músicas). Reed também trazia canções novas que ele próprio recauchutaria depois, como Berlin – que, com versos a menos e ambientação de cabaré, se tornaria a faixa-título de seu terceiro disco, de 1973.
O instável e agressivo Lou (definido como uma pessoa tão ambiciosa que era até mais fácil de ser manipulado do que muitos de seus colegas) foi levado por Richard para a RCA, a gravadora do rei do rock Elvis Presley. A empresa, assim como Lou, vivia um impasse: havia passado os anos 1960 ignorando solenemente as novidades do rock e tentava desesperadamente ser mais moderna no começo dos anos 1970. Dennis Katz, o sujeito que contratara David Bowie (fã de Reed) para lá, gostou das canções do cantor e o contratou. Lou Reed, estreia solo dele, um item geralmente subestimado de sua discografia, saiu por lá em maio de 1972. Na capa, uma estranha ilustração de Tom Adams (pássaros, um maremoto no asfalto, um ovo fabergé) dando um aspecto surrealista que o álbum nem tinha.
Ainda que fosse uma companhia eminentemente norte-americana, e Lou fosse uma figura profundamente novaiorquina, as grandes novidades pareciam vir da Inglaterra, e o próprio Velvet era adorado por lá. Tanto que Reed se mandou para Londres para gravar seu primeiro álbum, acompanhado por uma turma conhecidíssima dos estúdios locais. Rick Wakeman tocou piano, Caleb Quaye tocou baixo, Steve Howe largou o Yes por uns instantes e também tocou guitarra. Richard cuidou da produção.
Lou Reed abre com o hard rock mal-humorado de I can’t stand it, que chega a lembrar bandas como Steppenwolf. Mas prossegue mesmo é numa luta (o termo é esse mesmo) entre o rock mais simples e um clima art rock, literário, como se Lou estivesse se esforçando muito para atender a um velho desejo seu: o de ser um espécie de Dostoiévski do rock. O piano de Wakeman abre a balada Going down, na sequência, trazendo os piores pesadelos de Lou em forma de letra (“quando você está em um sonho/e você acha que tem todos os seus problemas resolvidos/pedaços do esquema/parecem se agitar e depois desmoronar”).
Walk and talk it e Lisa says são Lou e banda, acompanhados pelos vocais gospel de Kay Garner e Helene François, dando outras dimensões, mais cáusticas, ao hard rock e ao country-rock. A Berlin do disco tem pouco a ver com a releitura que sairia no álbum Berlin, de 1973 – é um rock-balada que consegue ser ainda mais triste que a segunda versão. Encantos e desencantos com o amor dominam Love makes you feel, embora Lou na época fosse um marido abusivo. O dia a dia anfetamínico do Velvet e do antigo estúdio do mecenas Andy Warhol, a Factory, são o assunto de Wild child. Já o lado mágico e apocalíptico do disco surge em Ocean, no encerramento – uma canção que já fazia parte do repertório do Velvet, e que em 1974 seria lançada na versão “póstuma” da banda, no álbum 1969: The Velvet Underground Live, gravado (como diz o próprio nome) ao vivo em 1969.
Lou Reed, o disco, rendeu incompreensões e confusões. Lou só sabia que queria dar outras dimensões ao rock mais básico, mas não conseguia dialogar direito com os músicos. Disse depois que o disco, pelo menos, era o mais próximo do som que ele tinha em mente. O público não engoliu: poucas cópias foram vendidas, a RCA considerou o álbum “uma bobagem” e seu contrato quase foi pro saco. Mas como acontecia naquela época, a gravadora quis recuperar o investimento mandando Lou de volta ao estúdio. Em novembro do mesmo ano, sairia Transformer (1972) e as coisas mudariam. Muito.
Crítica
Ouvimos: Sweet, “Full circle”
“Peraí, esse Sweet é aquele?”, muita gente deve estar se perguntando ao ler esse título e o começo deste texto.
Depende do seu ponto de vista. A formação clássica da banda de glam rock e hard rock já se foi quase toda para aquela grande gig no céu – sobrou apenas o vocalista e guitarrista Andy Scott, que desde 1985 leva adiante uma versão pessoal do grupo, que é a desse álbum. Isso porque houve também um Steve Priest’s Sweet, comandado pelo baixista morto em 2020, e houve também um New Sweet – batizado assim por recomendações jurídicas – criado pelo ex cantor Brian Connolly, também já falecido.
O Sweet que parece ser considerado o oficial é esse mesmo, de Andy, que vem gravando desde 1992 (e por acaso, fez shows no Brasil em 2007). Scott é o dono da bola, mas o frontman é Paul Manzi, um londrino de 61 anos que já fez shows com artistas como Ian Paice e foi integrante do grupo neo-prog Arena até 2020. O aquele do começo do texto vai sumindo aos poucos quando Full circle começa a rodar, e o Sweet que emerge das caixas de som (ou dos fones de ouvido) é uma banda de hard rock-heavy metal bem formulaica, nada a ver com o poderoso grupo de glam rock que barbarizava ao vivo e soltava hits como Ballroom blitz e épicos como Sweet Fanny Adams.
Da seleção de Full circle dá para destacar sons como Don’t bring me water, com refrão levanta-estádios, a cavalar Changes (que rouba a frase “i’m going through changes” do hit homônimo do Black Sabbath, e dá uma lembrada básica na introdução de voz de Whiskey in the jar, hit do Thin Lizzy), o metal cromado de Destination Hannover, e o belo hard rock balada da faixa-título. Mas é basicamente uma outra banda, que insiste em lembrar as fases mais recentes do Kiss ou do Whitesnake, por exemplo. Vale pelo (indiscutível) valor histórico e pela sobrevivência de um monolito do rock setentista.
Nota: 6,5
Gravadora: Sony Music.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”
- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
Crítica
Ouvimos: Coldplay, “Moon music”
Aparentemente, o Coldplay está vivendo um dilema que muitos artistas de porte enorme (não existe nada deles que não seja mega, está no DNA da banda) passam a viver assim que olham para o lado e enxergam a cordilheira de fãs que já conseguiram conquistar: como permanecer fazendo coisas diferentes, e ao mesmo tempo, fazendo música para todo mundo ouvir? Ainda mais levando-se em conta que o Coldplay sempre teve um público extremamente ecumênico?
Bom, por ecumênico, entenda-se: existem fãs de sertanejo, de gospel, de MPB e gente que nem tem o hábito de ouvir música (!) que ama Coldplay, e já esteve na plateia de pelo menos um show deles no Brasil. O mesmo, vale dizer, acontecia com o R.E.M – números dos anos 1990 mostraram para a Warner, gravadora deles, que o álbum Out of time, megasucesso de 1991, foi comprado por gente que nem sequer costumava comprar discos. Muita gente deve ter comprado um toca-discos pela primeira vez para ouvir o álbum de Shiny happy people, e muita gente deve ter ido a um show “de rock” pela primeira vez porque precisava assistir ao Coldplay e se envolver com a música e com o espetáculo visual do grupo.
Explicar o papel e definir a postura de cada um desses nomes (R.E.M. e Coldplay) diante desse frege todo do mercado, parece fácil. Difícil é entender, hoje em dia, para que lado vai, musicalmente falando, a banda de discos excelentes como a estreia Parachutes (2000). Autodefinido como uma banda que fala de “maravilhamento” (o cantor Chris Martin já mandou essa numa entrevista), o Coldplay parece entregue em Moon music, o novo álbum, à vontade de investir de vez no segmento de trilhas para time-lapse de construção de shopping center, e vídeo motivacional pra empresas.
Isso faz de Moon music um disco ruim? Não, pode crer que tem coisas legais ali, além de algumas ideias boas que se perdem em finalizações meia-boca. Destaco o clima ABBA + ELO de iAAM, quase uma sobra do primeiro disco da banda; o house bacaninha de Aeterna (que mesmo assim encerra num clima de música de louvor) e a baladinha de piano All my love. Além da abertura “espacial” com Moon music, que tem participação do produtor de música eletrônica Jon Hopkins. Vale citar as mensagens de autoaceitação e autoestima da banda – sim, isso faz diferença, ainda que em termos de política, as letras do Coldplay sejam mais rasas do que piscina infantil.
- Temos episódio do nosso podcast sobre o começo do Coldplay
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Por outro lado, Jupiter é um folk pop bacaninha, mas do tipo que você vê artistas em todo canto fazendo igual. A faixa 6, cujo título é identificado com um arco-íris, é parece feita de encomenda para os tais vídeos motivacionais. We pray é cheia de truques batidos da união de pop, gospel e hip hop. Em vários momentos, o Coldplay parece estar mirando, mercadologicamente, no que parece mais rentável para a banda: na trilha sonora dos seus shows, e não especialmente em discos que mudem a história do grupo. Não dá para culpá-los, mas ao fim do disco novo, a sensação é a de ter escutado um EP esticado ao máximo.
Moon music soa como música ambient produzida não por Brian Eno, mas por um produtor ou diretor de TV, ou um desses diretores criativos que surgiram na onda dos influenciadores digitais. O Coldplay de Music of the spheres (2022) parecia bem menos estandardizado e bem mais ousado. Mas foi rebate falso.
Nota: 5,5
Gravadora: Universal Music
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