Crítica
Ouvimos: The Smile, “Wall of eyes”
- Wall of eyes é o segundo disco da banda britânica The Smile, formada por dois integrantes do Radiohead (Thom Yoke e Jonny Greenwood) e o baterista Tom Skinner. O disco traz canções desenvolvidas na turnê do primeiro álbum, A light for attracting attention (2022). Sam Petts-Davies produziu o disco, ao contrário da estreia, que ficou nas mãos de Nigel Godrich,
- Houve eventos de pré-lançamento do disco que incluíram listening parties e até mesmo a exibição, em cinemas independentes, de Wall of eyes, on film.
- Achou o nome The Smile muito alegrinho para uma banda tão deprê? Thom Yorke diz que o “sorriso” do nome “não é o sorriso de ‘ahh’, mas o sorriso do cara que mente para você todos os dias”.
Você pode optar por ouvir The Smile comparativamente em relação ao Radiohead, ou não. Mas vai ser quase impossível não recordar do grupo britânico quando der uma escutada nesse Wall of eyes. Não apenas pela presença e liderança de dois integrantes no projeto, como também porque é quase proposital que o disco soe como um passeio pelo que o Radiohead tinha de mais sedutor e (também) de menos interessante.
A grande herança que Thom Yorke vai deixar para o universo do rock, inclusive, é a de que você pode lotar estádios e ganhar grana fazendo música “complexa” e introspectiva, anti-pop e climática. E que pode fazer isso até quando decide voltar a apostar em ganchos sonoros e sonoridades menos intranquilas. Como no excelente In rainbows (2007), o disco do Radiohead que todo mundo ouviu, e também discutiu (por causa da política de pague-quanto-quiser).
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A adoração desmedida ao grupo de músicas como No surprises sempre escondeu que muita coisa ali era bem menos maravilhosa do que parecia. O “futuro” do rock dado pelo Radiohead após Ok computer (1997), soava às vezes como um David Bowie fase Berlim, mas sem as mesmas sacadas musicais. Embora pudesse soar às vezes como um Brian Eno mais aterrorizante, um Durutti Column com mais vocação comercial, cabendo um certo aconchego para músicos incapazes de compor uma canção pop, ou que preferem se expressar de forma menos convencional. Também soa como uma banda extremamente genial para quem nunca escutou (por exemplo) os álbuns solo de David Sylvian, ex-vocalista do Japan, cujos ecos são bastante ouvidos nesse Wall of eyes, do começo ao fim.
Wall of eyes é um disco mais (vá lá) progressivo que a obra do Radiohead, embora essa seja uma definição pouco exata. O clima desértico do grupo reaparece aqui, até mesmo em meio ao violão quase jorgebeniano da faixa-título – num balanço associável ao de Jigsaw falling into pieces, do In rainbows. E também nos vocais e na instrumentação repleta de eco de Teleharmonic.
O ritmo maníaco de Read the room, numa onda meio Swans, meio Wire, e da valsa Under our pillows, são o que vai ficar na mente dos ouvintes por muito tempo. No fim dessa última, dá pra perceber a mesma fantasmagoria de The bed, penúltima faixa de Berlin, do Lou Reed. A melhor do disco, Friend of a friend, parece uma canção bittersweet lado Z dos anos 1970 – tem muito do próprio Lou Reed, inclusive, e do receituário jazzístico escutado por Jonny Greenwood.
Bending hectic, single lançado pela banda, por sua vez, não é experimental. É irritante, com guitarra parecendo estar sendo afinada durante boa parte da canção – mas ganha uma cara diferente quando surge a participação da London Contemporary Orchestra. Entra no álbum mais para lembrar o quanto Thom Yorke possivelmente se leva a sério além da conta.
Nota: 7
Gravadora: XL, Self Help Tapes
Foto: Reprodução do clipe Wall of eyes.
Crítica
Ouvimos: Finneas, “For cryin’ out loud!”
- For cryin’ out loud! é o segundo álbum de Finneas, irmão (e parceiro, e produtor) de Billie Eilish. O disco foi revelado pela primeira vez numa reportagem da Rolling Stone, na qual Finneas disse que dessa vez queria que seu disco fosse hipercolaborativo, já que se sentiu “solitário” fazendo o primeiro álbum. E ele também achou que o primeiro disco saiu “apenas OK”.
- O músico avisou também que For cryin’ out loud! surgiria “afastando a mentalidade do produtor de quarto e partindo para um ambiente clássico de estúdio/banda”.
- No disco novo, Finneas apresenta uma única música individual, Starfucker. O restante foi composto ao lado da turma que tocou no disco: Aron Forbes (baixo, guitarra), David Marinelli (percussão, teclado, programações), Lucy Healy (vocais, teclados), Matthew Fildey (guitarra, synth), Miles Morris (bateria e guitarra-barítono) e Sam Homaee (teclado, percussão, guitarra).
Muita coisa mudou no front de Finneas nos últimos anos – e nem precisa perguntar muito o motivo, levando em conta o sucesso de sua irmã (Billie Eilish, cuja carreira surgiu com as produções-musicais-de-quarto que ela fazia com ele). Era evidente que o segundo álbum solo de Finneas viria com uma produção muito melhor. Além de um foco muito maior em mostrar que por trás do produtor e do “irmão de Billie Eilish” há um artista talentoso, variado e classicamente pop. For cryin’ out loud! vai nessa linha, e foi trilhado no corredor de um som mais adulto e menos (digamos assim) “Brat summer”, mas trazendo elementos que jogam nos dois lados.
Também era evidente que ao contrário do EP Blood harmony (2019) e do álbum de estreia Optimist (2021), Finneas não encararia sozinho a missão de dar prosseguimento à sua carreira. Ao contrário de seus discos anteriores, que eram blocos-do-eu-sozinho, o material de For cryin’ out loud! foi feito coletivamente por Finneas e a turma que foi para o estúdio com ele. Enquanto os discos anteriores ainda não se diferenciavam totalmente, em termos de produção e até composição, do trabalho com Billie (e vá lá, soavam bem menos interessantes que os álbuns da irmã), o novo disco viaja por várias noções de pop, dando atenção especial às mesclas com power pop, soul, soft rock setentista, sons oitentistas e coisas parecidas.
Até um skazinho folk alegre com refrão meio Coldplay (mas o Coldplay dos primeiros anos, calma!) surge entre as faixas, Cleats. O disco é aberto com uma balada tristinha e grandiloquente de piano, a atrevida Starfuckers, mas joga na cara do ouvinte um provável futuro hit de rádio adulta, o new jack swing What’s it gonna take to break your heart?, com base de guitarra lembrando Spandau Ballet e Simply Red – que por sua vez chuparam só uns 15 guitarristas e arranjadores de soul dos anos 1970, lógico.
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O lado que aponta para o folk-rock inglês dos anos 1990/2000 (meio do qual justamente o Coldplay surgiu) traz ainda faixas como Little window, Family feud e Same old story. É a faceta menos atrativa de For cryin’ out loud!, que ainda traz um bubblegum de rodinha de violão (2001), um indie rock coolzaço e descolado que lembra uma mescla de Artic Monkeys e Tears For Fears (Sweet cherries, que ganha “parte 2” como nas músicas novas de Billie, com interlúdio de piano e voz, e final em clima hyperpop) e um quase-popzão de boyband (a faixa-título). No final, a música mais anos 1980 do disco, Lotus eater, mirando o som britânico da época, mas com vocais de soft rock. Agora deu certo para Finneas.
Nota: 8
Gravadora: OYOY/Interscope
Crítica
Ouvimos: A Place To Bury Strangers, “Synthesizer”
- Synthesizer é o sétimo álbum da banda novaiorquina A Place To Bury Strangers, hoje formada por Oliver Ackermann (baixo, guitarra, voz), John Fedowitz (baixo) e Sandra Fedowitz (bateria). O grupo ganhou desde o começo a reputação de “banda mais barulhenta de Nova York”.
- Ackermann disse que o disco novo é uma resposta a “essa era em que, na música, tão pouco é DIY (do it yourself, faça você mesmo) e tanto é deixado para a IA (inteligência artificial)”, dizendo também que o ponto do novo álbum é “fazer algo que pareça deliberadamente caótico, bagunçado e humano”.
- O álbum é o segundo da banda lançado pelo selo Dedstrange, que tem Oliver como um dos chefes. Ele também é criador da Death By Audio, marca de pedais de efeito.
Prepare-se para levar um susto logo na abertura desse Synthesizer, já que o novo disco do A Place To Bury Strangers já começa com a guitarra de Oliver Ackermann apitando como se fosse um sirene do apocalipse – na faixa Disgust, uma canção que não chega a ser gótica ou shoegaze, mas passa por tudo isso, costurando estilos com ruído, eletrônica e sensação de perigo.
Quem é fã da banda sabe que o APTBS já soou ruidoso a ponto de parecer quase inaudível, embora seja igualmente capaz de criar melodias que pegam (como nas faixas Playing the part, de 2021, e Keep slipping away, de 2009, mais associáveis a bandas como New Order e The Cure). Dessa vez o grupo decidiu fazer a melodia funcionar a favor do barulho, com experimentações musicais, programações sujas e vocais podres favorecidos por bons riffs e temas melódicos – como nas faixas Don’t be sorry, Fear of transformation (uma mescla de Bauhaus, Kraftwerk e Alien Sex Fiend, com riff de teclado de guardar na memória) e Join the crowd (que lembra a união exata de Depeche Mode e Suicide). Além da nitroglicerina pura da dançante You got me.
Os fãs do lado podre do grupo vão ficar felizes com a porradaria da desnorteadora Bad idea, mas as melhores músicas são as que pões o APTBS na turma das bandas influenciadíssimas pelo Jesus and Mary Chain de Psychocandy (1985), mas que decidiram aumentar o grau de ruído, como na ágil Plastic future e no peso psicodélico de Have you ever been on live. No final, os quase oito minutos de rajada sonora de Comfort never comes, encerrada com uma guerra de microfonias. Pode ouvir no volume dez que seus vizinhos vão adorar 😉
Nota: 8,5
Gravadora: Dedstrange
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Crítica
Ouvimos: Balance And Composure, “With you in spirit”
- With you in spirit é o quarto álbum da banda norte-americana Balance And Composure. É o primeiro disco da banda desde seu retorno no ano passado – o grupo havia feito uma turnê de despedida em 2019, mas decidiu voltar.
- A banda (que é da Pensilvânia) é formada hoje por Jon Simmons (voz, guitarra), Erik Petersen (guitarra), Andy Slaymaker (guitarra), Matt Warner(baixo) e Dennis Wilson (bateria). Dennis entrou para a banda substituindo Bailey Van Ellis, que estava na bateria do grupo desde o começo, em 2007.
- Num papo com o site Stereogum, Simmons diz que nunca quis terminar a banda. “Eu estava apenas seguindo o que os caras queriam fazer. Mas isso me quebrou de certa forma. No nosso último show em 2019, eu estava chorando no final, o que é constrangedor, mas eu realmente não estava pronto para terminar. Mas eles estavam na época”, contou. Também revelou que o grupo vinha tendo muitos problemas com o ex-baterista, sem detalhar o que rolou.
Provavelmente a pandemia fez com que o Balance And Composure voltasse. Uma turnê de despedida foi agendada para 2019 e não parecia haver interesse do grupo num retorno. Só que um single novo emergiu em 2023, e possivelmente a outra variável que entrou na história foi a nostalgia dos fãs da mescla de emo e pós-hardcore que a banda havia espalhado por três álbuns (num papo com o Stereogun, o cantor Jon Simmons disse acreditar também que as próprias bandas, ao retornarem, estão percebendo o que elas haviam deixado no meio do caminho).
Por acaso, o BAC tem dois discos que indicam o retorno ao passado, ou a observação de certas coisas sob uma ótica nova – The things we think we’re missing, o segundo disco (2013) e o anterior, Light we made (2016), que quase foi o último do grupo. O grupo ficou afastado do mercado num período maluco em que surgiram artistas lançando discos mínimos, em que EPs se tornaram um dos padrões do mundo fonográfico, em que músicas de um minuto e meio viraram a saída para muita gente, e em que a chefia do Spotify passou a sugerir que artistas lançassem singles quase como quem bebe água.
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Com With you in spirit, o disco novo, o quinteto retorna quase transformado numa máquina de singles – metade do álbum já foi publicada em compactos desde maio. Soa também como uma banda verdadeiramente pós-grunge. Músicas como Any means, Believe the hype, Sorrow machine e a faixa-título vão além do rock dos anos 1990 e incluem elementos de pós-punk, batidas quebradas e tempos pouco usuais como no pós-hardcore, e em alguns casos, clima de valsa punk com paredão de guitarras (como em Closer to god).
No mais, Cross to bear é o baladão emocore do disco. Ain’t it sweet adequa as batidas do punk aos blips eletrônicos da abertura. E o Balance And Composure retorna de olho nas emoções em frangalhos, na angústia existencial e no pessimismo dos novos tempos, em faixas como Any means (“perdoei deus por todas as suas pequenas catástrofes/devo estar me sentindo horrível”), With you in spirit (“estou mortificado/acordado a noite toda/sufocando quando começa a ficar pesado, não consigo suportar todo o peso disso”) e outras.
Nota: 7,5
Gravadora: Memory Music
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