Crítica
Ouvimos: Kate Nash, “9 sad symphonies”

- 9 sad symphonies é o quinto álbum de estúdio da cantora e compositora inglesa Kate Nash. Dessa vez, ela dividiu a produção do álbum com o produtor e guitarrista dinamarquês Frederik Thaae (com quem já havia trabalhado no disco anterior, Yesterday was forever), sua guitarrista Linda Buratto e o compositor Sam Duckworth (Get Cape. Wear Cape. Fly).
- O novo álbum é mais orquestral e elaborado que os anteriores. Boa parte do material surgiu por conta de seu trabalho como atriz na série Glow, da Netflix, e no musical off-Broadway Only gold, no qual trabalhou com Thaae. O disco novo surgiu na época da pandemia, com ela e Thaae trabalhando via zoom. “Quis fazer algo bonito, nada áspero. Já fiz muitas coisas duras antes”, diz ela.
Sim, o disco novo de Kate Nash está bem diferente. Sim, alguns fãs da antiga podem estranhar. A nova fase da cantora londrina, que não gravava desde 2018, é pop, barroca, sinfônica, ligada a um universo bem mais próximo das trilhas de antigos filmes e de velhos musicais. E leva pra frente tudo que já aparecia como pano de fundo na história discográfica dela desde o começo – mesmo em álbuns como Made by bricks (sua estreia, de 2007) e o confessional My best friend is you (2010), mais próximos das raízes quase punk dela.
Desde o disco anterior, Yesterday was forever (2018) que a carreira de Nash perdeu certo ar indie que transparecia até mesmo nos créditos de composição e produção – já que tudo passou a ser dividido com mais dois ou três nomes. 9 sad symphonies traz Kate dividindo créditos com nomes como Frederik Thaae e Linda Buratto (também co-produtores) e já abre com um ar grandiloquente que apenas se insinuava em discos anteriores, na orquestral e pianística Millions of heartbeats. A letra da faixa, aliás, traz toda aquela mistura de sentimentos da época da pandemia, em versos até hoje atuais como “tudo o que você sente pode simplesmente se desfazer/e a mídia apoia toda a escória da extrema direita”.
O lado “música para musicais” do disco ganha agilidade power pop em Misery, enquanto Wasteman cumpre o papel do baladão eletrônico pop que vai fazer os fãs da antiga estranharem mais ainda. A desequilibrada Abandoned, aliás, causa tanto estranhamento que nem parece Kate Nash – parece uma nova cantora pop com influências de jazz, trap (!) e hip hop, dirigida por algum arranjador espertinho. Essas duas faixas são o momento mais, vamos dizer assim, vale-tudo do disco. Seguindo, tem a beleza da clássica e ágil My bile, o tom celestial de Horsies, Space odyssey 2001 e These feelings, e o country de Ray e Vampire.
Tem algo que faz lembrar os discos mais “alternativos” Taylor Swift (como Folklore, de 2020) em 9 sad symphonies. E fica claro que Kate Nash decidiu aproveitar seu talento de storyteller – sempre trabalhando no limite entre pessoal e privado – para renovar seu trabalho e buscar outras formas de comunicação musical. O repertório do disco novo investe em letras sobre relacionamentos, auto-estima, ansiedade e temas afins. Tanta superprodução deixou o despojamento de discos anteriores de lado, mas tem canções muito boas nesse novo momento de Kate, especialmente quando pop e tons barrocos surgem equilibrados.
Nota: 7,5
Gravadora: Kill Rock Stars
Crítica
Ouvimos: Hotline TNT – “Raspberry moon”

RESENHA: Em Raspberry moon, o Hotline TNT acerta ao misturar noise, power pop esquisito e guitarras noventistas com letras simples e clima quase emo.
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Rotular a banda novaiorquina Hotline TNT como shoegaze é dar bem pouca areia para o caminhão deles. O grupo liderado por Will Anderson está mais para aquela época em que se sabia que rock, via de regra, tinha que ser ruidoso – seja lá em que gênero ele se adequasse. Raspberry moon, terceiro disco do grupo, guia o timão para os tempos de Hüsker Dü, Sugar, Velocity Girl, Dinosaur Jr e põe os rangidos e as paredes de guitarra para funcionar a favor da melodia.
Raspberry moon traz Will num clima diferente: em vez de compor e tocar sozinho, como aconteceu nos discos anteriores, ele pôs a galera que o acompanha nos shows para criar o disco ao lado dele. Boa parte do repertório soa mais próximo, de fato, do que pode ser entendido como um “disco de banda”, com dinamismo mais acentuado, e variando entre ruído e melodia. Was I wrong?, na abertura, é noise rock educado e alimentado como uma dieta de rock dos anos 1960. The scene é quase um haikai ruidoso e voltado pata a musicalidade pesada dos anos 1990. A ligeiramente funkeada Julia’s war tem cara de hit e chega a lembrar aquelas bandas mais palataveis que usavam a fórmula do grunge (Third Eye Blind, etc).
- Ouvimos: Dinosaur Jr – Farm (15th anniversary edition)
- Ouvimos: Velocity Girl – UltraCopacetic (Copacetic remixed and expanded)
- The living end: lembranças do Hüsker Dü ao vivo, em CD lançado em 1994
- Entrevista: Greg Norton (Hüsker Dü, Porcupine) exclusivo para o Pop Fantasma
Isto posto, dá pra dizer que o Hotline TNT se aproximou bastante do power pop no disco novo – aliás num papo com a newsletter Last Donut Of The Night, Will disse que, quando mais novo, ouvia bandas como Weezer e Red Hot Chili Peppers. Mas é um power pop esquisito, no qual cabem loucuras vaporwave (Transition lens), um clima que remete tanto a Joy Division quanto ao soft rock (Break right e Candles) e um pós-grunge como talvez ele devesse ser hoje em dia (Letter to heaven).
Aclimatações jangle-pop tomam conta de Dance the night away, e ruídos acústicos rangem nos violões ardidos de Lawnmover – enquanto uma nuvem sonora mais próxima do shoegaze que costuma ser associado à banda aparece na última faixa, Where U been?. Já as letras valorizam a simplicidade, ou o desejo de ser entendido (e sentido) em poucas frases. Há mensagens de adeus em Was I wrong? e Letter to heaven, um curioso conto de escalada em Julia’s war, e inseguranças amorosas em várias faixas, num clima praticamente emo – como o “se você realmente me amasse / faria uma cena de ciúmes / visibilidade / e todos veriam” da amarga The scene.
Talvez esse prazer por mostrar o lado mais imaturo da vida corte um pouco da boa experiência de ouvir o Hotline TNT. Mas Raspberry moon faz bem aos ouvidos quase todo o tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Third Man Records
Lançamento 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Getdown Services – “Primordial slot machine”

RESENHA: Em Primordial slot machine, o Getdown Services mistura pós-punk, soul e krautrock com humor ácido e melodias tortas, em faixas caóticas e cativantes.
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Dupla de Bristol, na Inglaterra, o Getdown Services parece um cruzamento de Prince, Beck e John Lydon – ou seja: balanço, estranhice e zoeira marcam o repertório da dupla formada por Josh Law e Ben Sadler.
Primordial slot machine, terceiro EP dos dois (eles têm ainda um álbum, Crisps, de 2023) abre com o pós-punk desértico de Provide me your name, música na qual rola uma conversa telefônica das mais esquisitas. E em seguida vem Chrysalis, soul-rock-pop com piano Rhodes, guitarra sinuosa e vocal falado – a letra basicamente fala sobre situações estressantes resolvidas de maneira imbecil (“vou formar uma crisálida perfeita / e enchê-la de mijo”, explicam/não explicam na letra).
- Ouvimos: The Wants – Bastard
- Ouvimos: Godofredo – Tutorial
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
Ben e Josh investem num eletrokrautrock ruidoso em James Bay’s hat e Eat quiche. Sleep. Repeat, duas músicas cujas letras parecem uma mistura da inocência falsa de David Byrne com o humor corrosivo de Mike Patton (“eu encontrei o maior amor do mundo / no menor meet and greet do mundo / dei uma crítica de duas estrelas de um filme que eu nem tinha visto”, afirmam na segunda). God bless é um rap que parece ter sido construído num sample – ou numa imitação – da levada de Rational culture, de Tim Maia.
A música mais “normal” do disco, Drifting away, vem no fim, e fala sobre vontade de desaparecer (“sou corajoso, mas não corajoso o suficiente para ficar / indo embora”) sob uma base de rock indie e sessentista, com vocal grave lembrando Lou Reed. Para ouvir quando a amargura desses dois não conseguir te contagiar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Breakfast Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vovô Bebê – “Bad english”

RESENHA: Quarto disco de Vovô Bebê, Bad english mistura Bowie, Jovem Guarda, baião e soul em um pop experimental cheio de referências e surpresas.
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Quando começaram a surgir as notícias sobre Bad english, quarto álbum de Vovô Bebê – codinome do músico Pedro Dias Carneiro – nomes como David Bowie eram bastante citados em textos que adiantavam o disco. Bowie paira como uma espécie de santo padroeiro sobre Bad english, disco produzido por Chico Neves e dirigido artisticamente por Ana Frango Elétrico – e a capa parece referir-se a uma versão torta de Blackstar (2016), seu disco de despedida.
E justamente o Bowie que baixou no estúdio em que Vovô Bebê gravou foi a versão mais aventureira e experimental do britânico – a da fase Berlim e a dos discos que ele fez nos anos 1990, incompreensíveis para vários fãs antigos, e revistos anos depois por vários deles. Não é só isso: o despojamento dos discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso feitos em Londres, e até o balanço dos Red Hot Chili Peppers, além do desdobre psicodélico da Jovem Guarda (Incríveis, Silvinha, Vanusa)… Tudo isso é citado em faixas como Intro/End of the moon, Forest baby (essa, em tom bossa + rock + soul + Bowie), a contemplativa e sinuosa Little sun, a espacial Night away e a beatle-tropicalista Offbook effort.
Bad english une Beck e disco music saturada em Star smoke ticket, põe algo de glam rock na mistura em Wrong ticket, e junta baião, afoxé, jazz e lisergia em Brazil commodity e Left for dead. O soul indie Daily basis slide guitars, voz tranquila e um balanço que remete tanto a Marcos Valle quanto a Titãs. Tem experimentalismo, e muito, em Bad english – mas ele surge como um elemento a mais nas canções e arranjos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Estúdio304
Lançamento: 23 de abril de 2025.
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