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Crítica

Ouvimos: Halsey, “The great impersonator”

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Ouvimos: Halsey, "The great impersonator"
  • The great impersonator é o quinto álbum de estúdio da cantora norte-americana Halsey. É também seu primeiro lançamento pela Columbia. A cantora fez o disco achando que seria seu último lançamento, já que durante dois anos ela precisou encarar um seríssimo tratamento de saúde – atualmente está em remissão.
  • “Eu fiz esse disco no espaço entre a vida e a morte. E parece que esperei uma eternidade para que você o tivesse. Vou esperar um pouco mais. Já esperei uma década”, disse.
  • Cada uma das 18 faixas do álbum é inspirada num artista – ela divulgou vídeos e fotos no Instagram em que apareceria personificando cada um deles.

Halsey gosta bastante de marketear, pensar e repensar aquilo que produz. Seus álbuns têm conceitos, capas criativas (e justamente nessa época em que as capas somem nas plataformas digitais!), faixas com títulos instigantes e arranjos/produções que aprofundam bastante as ideias das letras. The great impersonator, seu quinto disco, tem um conceito que se estica pelas redes sociais dela. Se você segue Halsey no Instagram, já viu que ela postou dezoito fotos (além dos vídeos das produções) encarnando dezoito artistas – uma turma que inclui Britney Spears, Cher, David Bowie, Bruce Springsteen, PJ Harvey, Dolly Parton, Kate Bush. E cada uma das dezoito faixas do álbum (sim, o disco é grande, saiu duplo no vinil) é inspirada por um deles.

Nenhum disco que Halsey lançou até o momento foi muito barulho por nada. Ainda que seu álbum anterior, If I can’t have love, I want power (2021) seja considerado um mergulho nas trevas industriais, climas dark acompanham a cantora desde seus primeiros lançamentos. No caso de The great impersonator, o que mais chama a atenção nem é o conceito 360º fechado pelas redes sociais, mas o fato de ele ser basicamente um disco conceitual sobre abandonos, dores, drogas, inseguranças, alienação parental, humilhações infantis, amigos perdidos. São temas que já apareceram em discos anteriores dela, mas que aqui impressionam pelo foco e pela força.

The great impersonator apoia-se no indie pop, um gênero que funciona mais como uma chave de interpretação do que uma definição rígida, abrangendo artistas tão diversos quanto Phoebe Bridgers e Billie Eilish. No álbum, há uma mistura interessante de elementos vocais do r&b, trap, hip hop e o synth pop dos anos 80, tudo isso em faixas que flutuam entre o folk, dream pop e até um toque de emocore. Ecos de neo-soul aparecem em músicas como Lucky (dedicada a Britney Spears) e a delicada Letter to god (1998), uma homenagem à “princesa do R&B”, Aaliyah, que morreu em 2001.

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Aliás são três vinhetas intituladas Letter to god, onde Halsey experimenta criar um som que remeta a anos específicos: 1974, 1983 e 1998. As letras dessas vinhetas exploram temas densos da infância e adolescência, como brigas familiares, criação abusiva, relacionamentos conturbados e o impacto de um vício severo em heroína (“estou no médico todos os dias porque não paro de perder peso / e agora sou a única com marcas de picadas nos braços ou pernas”).

A conexão entre as figuras homenageadas e as faixas fica a depender do momento. Dog years, rock acústico e tenso, com instrumentos gravados como se fossem fitas mastigadas pelo gravador, lembra mais The Cure do que a homenageada PJ Harvey – embora a letra tenha muito do clima seco da cantora. Darwinism é uma balada fantasmagórica de piano, violão e voz que soa mais como uma tentativa de fazer pop de câmara do que um aceno a David Bowie (o homenageado da vez).

Em meio a letras sobre como as pessoas são descartadas diariamente, uma surpresa é Lonely is the muse, que abre com guitarra lembrando os anos 1990 e depois se equilibra entre nu-metal e screamo – por acaso, a homenageada aqui é Amy Lee, do Evanescence. Na letra, Halsey fala sobre como as musas de alguns artistas são descartadas com o tempo e sequer participam da divisão de direitos autorais, apesar de terem “inspirado alguns discos de platina”. Acaba soando como um papo interessante sobre descartabilidade do artista na era das plataformas digitais, ou até sobre o apagamento das mulheres na música – e a música é boa. O r&b folk Only girl living in LA, de seis minutos, abre o disco trazendo achados bem legais de escrita (“meu talento não é escrever ou cantar/e sim sentir tudo que todo mundo que está vivo sente todos os dias”), e pegando em fios de alta tensão sobre morte e suicídio.

The great impersonator é variado musicalmente a ponto de ainda apontar para o soft rock – é o que rola em Panic attack, na qual a homenageada é justamente Stevie Nicks. E também para o country, em Hometown (homenageada: Dolly Parton), e para o trip hop, em Arsonist (dedicada a Fiona Apple). E para um dream pop bem produzido, com cara de trilha de filme antigo, na faixa-título (Bjork é a inspiradora dessa música, e apesar de não haver muitos traços da islandesa na faixa, o clima está mais próximo do pop de vanguarda do que em vários outros momentos do disco).

O que Halsey viveu em sua vida conturbada (drogas, transtorno bipolar, amores tóxicos) é o tema do álbum, mas vaza especialmente para uma das faixas mais carregadas do disco – a balada Life of the spider, folk-r&b com cara de anos 1990 que termina com a voz da cantora embargada. E quase o mesmo clima rola na confessional Ego e na fantasmagórica I never loved you. No fim das contas, um disco feito com capricho, que não economiza em exageros (sim, acontece, e bastante), mas que tem bastante força, por trazer Halsey respondendo musicalmente às suas próprias questões pessoais, a partir de sua visão particular de música pop.

Nota: 8
Gravadora: Columbia.

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Ouvimos: White Denim, “12”

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Ouvimos: White Denim, “12”
  • 12 é o (adivinhe só) décimo-segundo álbum da banda norte-americana White Denim. James Petralli, criador do grupo, começou a escrever o álbum assim que saiu o anterior, Raze regal & White denim Inc, em novembro de 2023.
  • O processo de criação do álbum, e de outros side projects de Petralli, foi registrado numa newsletter assinada por ele. Algumas demos e esqueletos de canções foram divulgadas por lá.
  • “Neste disco, há muitas bandas, às vezes na sala comigo, às vezes a quilômetros de distância em uma colaboração remota, e esse processo abriu muitas possibilidades para mim”, diz Petralli, que teve mais oito pessoas (entre convidados e parceiros) como colaboradores.

O White Denim já foi selvagem sem deixar de ser belo. Um encontro entre slacker rock, psicodelia e punk que, além de impressionar, deixava todo mundo na dúvida sobre qual seria o próximo passo, sobre o que estaria até mesmo na próxima música do disco, ou nos próximos minutos da mesma faixa. Desse período, vá sem medo ao primeiro álbum, Workout holiday (2008), um disco que deixaria Kevin Ayers orgulhoso de seu legado.

Se você achou que iríamos usar o velho truque de citar um disco da antiga em comparação com o novo apenas para depreciar a fase nova, enganou-se – 12 é mais do que apenas uma evolução, é uma aula de como fazer música de embevecer. O White Denim, sempre liderado pelo criativo James Petralli, volta numa mescla de psicodelia, jazz rock, yacht rock, bossa psicodélica, power pop, soul e folk mágico, com um resultado tão variado que dá vertigem. Há coisas que lembram Beach Boys e Monkees, há até um aceno às trilhas que Vince Guaraldi compôs para o desenho do Snoopy (Your future as god, que por pouco não lembra também um Gentle Giant dançante).

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Do repertório de 12 faz parte o jazz-rock lisérgico de Light on – cuja letra tem uma mensagem “positiva” que, justamente por unir várias situações desagradáveis (“cara, às vezes é difícil permanecer vivo/tão difícil dormir sozinho à noite/muitas pessoas vão espalhar algumas mentiras/muitas mais vão usar disfarces”) e apelar para a resiliência, parece até brincadeira. Por acaso, esse clima de ironia x seriedade aparece algumas vezes no álbum. A balada 60’s Flash bare ass começa fazendo uma brincadeira em que fãs encomendam trabalhos a artistas, para depois concluir “posso dizer que você será real/tentando ser alguém de quem gosta/o trabalho é mais difícil do que parece/você vai botar a bunda na janela em plena luz do dia”.

Do começo ao fim, a variação de 12 inclui um folk suingado e experimental que cheira a bandas como Aztec Camera e Crowded House (Swinging door), rock entre folk e power pop com uma batida jazzística que confunde ouvidos (Econoling), indie disco (Look good) e coisas que lembram a fase A wizard, a true star de Todd Rundgren, como em I still exist e We can move along. Precious child, por sua vez, é um soul que lembra Cassiano e Stevie Wonder – este, especialmente nos vocais. Second dimension parece um desdobre indie e estranho da fase 80’s dos Doobie Brothers, com direito a solinho de synth.

Uma surpresa bem, digamos, sui generis em 12 é Hand out giving. Uma canção que parece falar sobre amizade, que abre como uma balada com toques folk e chega a lembrar bandas como Journey (!) e que… bom, acho que não precisava chegar a tanto. Mas levando em conta o que é o universo do White Denim, faz sentido.

Nota: 9
Gravadora: Bella Union.

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Crítica

Ouvimos: Torrey, “Torrey”

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Ouvimos: Torrey, “Torrey”
  • Torrey é o novo álbum do (ora vejam só) Torrey, ruidoso grupo de San Francisco, Califórnia. Na formação do grupo, Ryann Gonsalves (voz, baixo), Kelly Gonsalves (guitarra), Adam Honingford (voz, guitarra), Keith Ival (bateria) e Matthew Ferrara (teclados, guitarra).
  • A vocalista Ryann faz parte de uma outra banda excelente que lançou disco esse ano, o Aluminum (leia resenha do disco Fully beat aqui). Uma banda que (frase nossa) parece um primo perdido de grupos como Ride, Happy Mondays, My Bloody Valentine e Boo Radleys.
  • É o primeiro disco do Torrey para o selo Slumberland – a mesma gravadora que lançou discos de bandas como The Pains Of Being Pure At Heart, Stereolab e Velocity Girl.

Tem algo no som do Torrey que remete ao rock britânico dos anos 1990 antes do brit-pop começar a existir de verdade, mas sem o projeto de balanço que aparecia em discos de bandas da época. Basicamente o som desse grupo é um quase-shoegaze, uma espécie de power pop em negativo, com boas canções, referências de jangle pop e sonoridade chuvosa e nublada. É o que rola nesse álbum epônimo, em faixas como (olha só o nome!) Rain, que tem uma intro grande de guitarra e voz, e microfonias abrindo espaço para sonoridades mais tempestuosas. Ou No matter how, cujo início soa cono uma demo bem gravada, e logo depois mostra algo profundamente ligado ao bubblegum sessentista.

Em Moving, a acústica de bateria e vocais dão uma cara especial, assim como a gravação de guitarra – tudo isso junto dá um tom noturno e misterioso que é uma das marcas do novo disco. Bounce, por sua vez, tem algo que lembra o U2 do começo, ou bandas como Comsat Angels. A combinação entre vocais femininos e masculinos traz sensibilidade como diferencial, nessa faixa. Hawaii é aberta com muita distorção de guitarra e baixo. A voz vem distorcida como se saísse de um megafone e o som parece uma união de Jesus And Mary Chain e The Cure. Igualmente Slow blues tem lá suas lembranças do Jesus (mais aproximadamente do andamento de Teenage lust, música do álbum Honey’s dead, de 1992), mas ganha clima sonhador e contemplativo.

Um dos momentos mais descaradamente pop do disco é justamente uma música chamada Pop song, que lembra uma versão mais sinistra do começo do The Cure, com vocais e linhas melódicas apropriados para quem curte dissonâncias (dá para fazer uma comparação com o som da banda brasileira Pluma). July (And I’m) é shoegaze acústico, tocado no violão, lembrando coisas antigas do Ride. Perto do fim, o pós-punk distorcido e meio psicodélico de Happy you exist, o anti-power pop de Really am (que abre com uma guitarra que soa como uma fita K7 antiga se desfazendo) e a onda sonora de distorção de We’re dancing (End). No geral, o Torrey fez um disco para quem curte sons melódicos feitos em camadas de ruído – como acontece também com o Aluminum, a outra banda da cantora Ryann Gonsalves.

Nota: 8
Gravadora: Slumberland Records

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Ouvimos: Guga Bruno, “7”

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Ouvimos: Guga Bruno, “7”
  • 7 é o sétimo disco do cantor e compositor carioca (“tijucano”, esclarece) Guga Bruno. Guga é ex-integrante de uma banda que marcou época no rock do Rio nos anos 2000, o Lasciva Lula, faz trilhas sonoras e toca guitarra também na banda Melvin e Os Inoxidáveis.
  • Em 2024, ganhou duplamente o prêmio de melhor trilha sonora do Festival do Rio com os filmes Kasa Branca (Luciano Vidigal) e Quando vira a esquina (Chris Alcazar), ambos em parceria com Fernando Aranha – sim, eles empataram consigo mesmos, como o release de Guga explica.
  • O próprio Guga Bruno produziu o disco, além de compor tudo sozinho.

Não é para desanimar ninguém, não, mas o novo álbum do cantor, compositor e trilheiro carioca Guga Bruno é bastante realista, mesmo quando soa um tanto quanto pessimista. Lembrando nomes como Walter Franco, Belchior e Arnaldo Antunes/Titãs, ele entrega partículas poéticas de bolso em faixas como Achismos (power pop de menos de um minuto que abre o disco). Também solta o verso “aceita que dói/aceita que dói mesmo” no indie rock soul Escapismos. E traz uma visão bastante lúcida sobre o que significa sorte e azar num mundo desigual (Sorte, escolha e circunstância, um punk melódico cuja letra abriga racismo, traumas, cartas que vêm à mão, determinismos, escolhas e coisas que não mudam mais, porque já passaram).

O ponto fraco de 7 é que as músicas de Guga, todas excelentes, mereciam mais peso na voz e na bateria. Por outro lado, o maior peso do disco vem justamente da estrutura das canções e das letras. Como em Passaporte, uma espécie de bubblegum indie que encerra o disco e traz uma reflexão diante de todas as outras letras: “Não faça planos/faça pães/faça partos/faça parte do que quer mudar/faça arte/faça chuva ou faça sol e na tempestade faço um samba para respirar” . Socorro traz uma visão pessoal de Guga sobre a letra de Socorro (Arnaldo Antunes e Alice Ruiz). Fúria flor, uma balada com letra lembrando Secos & Molhados, diferencia fúrias e sensibilidades (“a fúria flor só quer se acalmar”). Dormente, com apenas um minuto, traz um tom especial e meditativo para o álbum.

O lado mais pop-rock do disco traz à memória o Lasciva Lula, banda anterior de Guga Bruno – incluindo aí a tendência do saudoso grupo para mesclar poesia surrealista e indie rock herdado de Pixies e pós-punk britânico. É o que rola no quase punk Juízo inicial, no punk country Voltar pra casa, cuja letra mistura saudade, dor e superação, e na balada Mesmo sem querer.

Nota: 8
Gravadora: Independente

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