Crítica
Ouvimos: Christopher Owens, “I wanna run barefoot through your hair”

- I wanna run barefoot through your hair é o quarto disco solo do cantor e compositor norte-americano Christopher Owens, ex-integrante da banda Girls. É também o primeiro álbum lançado por ele em nove anos. Owens produziu o disco ao lado de Doug Boehm.
- Barefoot vem após um período de hiato no qual aconteceram várias coisas horríveis com Owens (ver texto abaixo). O disco é descrito por ele como “a jornada de volta ao centro” dele próprio.
- O período de volta de Christopher começou em 2017, quando ele conseguiu, por intermédio de DMs trocadas com fãs, nas redes sociais, fazer uma turnê na Ásia. “Eu estava realmente perdido por um tempo”, conta ele, que nem tinha empresário na época.
Se você não suporta ouvir música triste, passe BEM longe desse disco. Vale dizer que Christopher Owens mudou sua vida de uns tempos para cá: tem outro relacionamento, compõe bastante, vive de sua música (um luxo em se tratando de artistas indies, que precisam se virar nos 30 para sustentar discos e turnês hoje em dia) e está longe dos abusos químicos que já marcaram sua vida há alguns anos. Já antes disso…
Depois que saiu Chrissbaby forever, seu excelente disco de 2015, tudo degringolou: Owens perdeu o contrato com sua gravadora, sofreu um acidente seríssimo de moto e não tinha nem dinheiro para pagar as despesas médicas. O relacionamento anterior dele chegou ao fim. O trailer no qual ele morava foi roubado e levaram sua guitarra de estimação. Ele ficou sozinho, sem grana e numa fossa abissal. Que parece ter sido resolvida/não-resolvida com esse disco novo, cujo nome em português é nada menos que “quero correr descalço sobre seus cabelos”. O álbum é uma mistura de diário da depressão, de jornal pessoal dos bodes amorosos, de compêndio dos traumas que acumulou.
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E vai por aí I wanna run barefoot through your hair, um disco que convence não apenas pela cachoeira de experiências horríveis vividas por Owens, mas também pelo fato do ex-vocalista do Girls estar em sua melhor forma como compositor. São canções melodicamente ricas, cantadas num clima triste-bittersweet-masculino que não se via desde os primórdios do Dinosaur Jr e dos Lemonheads, e que têm influências variadas. Há um pouco de power pop e de música das Ronnettes em No good.
Há uma canção pop sixties que curiosamente lembra Samuel Rosa e Skank, I think about heaven. E uma balada blues em tom de súplica, Beautiful horses. A letra dessa faixa tem versos desesperados como “me dê seu amor/amor é o bastante”, um certo tom tóxico em algumas passagens, e versos, hum, desconcertantes (“lembra daquele Superman/aquele que tinha o mesmo nome que eu/ele tinha um belo corpo/aposto que ele fazia tudo certo/ele não fumava/ou não bebia muito”).
No restante do disco, Owens desespera-se pelo amor terminado em White flag (uma balada celestial, com cravo, efeitos de guitarra e voz despedaçada) e na balada de piano e violão So. Já I know chama a atenção por ser uma canção solar, mais alegre que boa parte do álbum, mas é só a primeira impressão (“eu estou fazendo um pedido a uma estrela/por favor, não me decepcione/estou em águas profundas, baby/por favor, não deixe que eu afunde”). Two words é uma blues ballad anos 50, sobre mais ressacas amorosas. Subitamente, surgem algumas canções mais positivas em que Owens fala da possibilidade de, ao compor, causar identificação em outras pessoas que enfrentam barras pesadas como as dele. This is my guitar e Distant drummer mostram um lado esperançoso, que aponta para a música de artistas como John Lennon, John Denver e Jim Croce.
No final, Do you need a friend traz Owens com senso melódico de fazer inveja ao Luiz Ayrão baladeiro de Nossa canção, e surrupiando um trechinho de It must have been love, do Roxette. Ainda assim, a letra não é para qualquer ouvido, nem para qualquer momento da vida: a faixa tem versos como “as pessoas vêm e vão/mas a solidão é sempre a mesma” e “se você realmente quer saber/mal estou conseguindo passar os dias”.
Nota: 8,5
Gravadora: True Panther Records
Lançamento: 18 de outubro de 2024.
Crítica
Ouvimos: Guided By Voices, “Universe room”

Comandado há décadas pelo cantor e compositor Robert Pollard, o Guided By Voices vem trabalhando há alguns anos em esquema de incontinência criativa. O grupo chega a lançar até três discos por ano, e Robert, como comandante do projeto, faz com que cada álbum seja envolvente — mesmo quando a sonoridade não varia tanto entre eles. A fórmula do Guided By Voices se resume a uma energia crua que mescla a intensidade do grunge com a pegada melódica do heartland rock (aquele rock simples, pesado e apegado a raízes country e folk, mesmo tendo guitarras em profusão), mas com mumunhas de experimentação musical que geram, às vezes, várias partes e segmentos até em canções curtas.
Universe room, mesmo não sendo tão brilhante quanto os discos imediatamente anteriores, traz algumas mudanças no cenário. São 17 músicas em trinta e nove minutos, e boa parte das faixas viaja em duas, três partes diferentes, quase transformando o álbum numa melancólica ópera-rock. Um outro detalhe é que Pollard faz com que o álbum soe lo-fi em vários momentos, e seu vocal parece bem mais angustiado que o normal (cabendo desafinações às vezes).
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- Mais Guided By Voices no Pop Fantasma aqui.
Driving time, na abertura, traz voz e violão gravados como se viessem de uma fita K7, com ruídos de fundo como se tudo tivesse sido gravado numa oficina ou fábrica – na sequência, vai se tornando um rock entre o industrial e o psicodélico, com uma letra repleta de imagens pra lá de cruas: “vamos carregar flechas envenenadas/estou suando lençóis de chuva (…)/deixe-o andar na ponta dos pés no sangue/e eles não poderiam voltar”. O uso de gravações “de campo” retorna no instrumental The well known soldier e, no desfecho do álbum, Everybody’s a star brinca com o formato das antigas transmissões de rádio. A faixa traz uma guitarra solitária, evocando a imagem de um artista isolado no palco—ou diante de um estádio lotado.
De grudar no ouvido, tem The great man, que abre com cordas evocando a trilha do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, e prossegue em meio a uma argamassa grunge, de guitarras pesadas. Destaque também para Clearly aware, com guitarra e bateria dividindo-se em canais diferentes, como num estéreo “sujo” – a melodia lembra The Who, que parece ser uma das maiores referências do GBV desde sempre. E para Fly religion, música de ritmo e andamento constantes, um power pop que lembra uma cruza de Pixies e Badfinger. Já bandas como Pink Floyd, Neil Young & Crazy Horse, Beatles e R.E.M. parecem ter sido referências em momentos de faixas como I couldn’t see the light, Independent animal, I will be a monk e a suíte de bolso 19th man to fly an airplane – aberta com ruídos de avião e levada adiante com andamento idêntico ao de The Jean Genie, de David Bowie.
O excesso de faixas em Universe room resulta no problema clássico de discos longos: algumas ideias poderiam ter sido mais bem desenvolvidas. Isso acontece, por exemplo, na hendrixiana Hers purple e na apocalíptica Play shadows, o que acaba ofuscando momentos mais inventivos, como Aesop dreamed of lions, perdida no meio do caminho entre uma enormidade de faixas. Ainda assim, se o Guided By Voices voltou disposto a explorar novas possibilidades em um mercado musical tão estranho, parabéns para eles.
Nota: 7,5
Gravadora: Guided By Voices Inc
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Drop Nineteens, “1991”

A espera foi longa, mas 1991 finalmente veio à tona. O álbum traz, pela primeira vez de forma oficial, as demos que o Drop Nineteens gravou em (adivinhe só) 1991 para enviar a gravadoras. Porém, ao conceberem o debute Delaware (1992), a banda optou por compor material inédito, deixando essas gravações de lado – o que acabou alimentando o mercado de bootlegs por anos. Esse material chegou a circular com o nome de Mayfield.
Na era do Rapidshare (lembra?), essas demos ressurgiram e uma renca de fãs e curiosos saiu baixando tudo. Agora, transformadas em álbum, oferecem um retrato fascinante da gênese do grupo. No início dos anos 1990, o Drop Nineteens soava mais como uma banda neopsicodélica, mas com um fascínio particular por paredes de guitarras e microfonias. Daymom, que abre o disco, até lembra os Cocteau Twins, só que em preto e branco, ganhando uma aura fantasmagórica do meio para o fim. Song for JJ é dream pop glacial, feito mais para contemplar do que para sonhar, e seus vocais soterrados na mixagem tornam quase impossível distinguir em que idioma a banda canta. A bateria, ao fundo, não dita o ritmo, mas cria um ambiente etéreo e envolvente.
A diversidade de 1991 é um dos seus trunfos: há muralhas de guitarras e distorções em Back in our old bed, Shannon waves e na tribal e misteriosa Snowbird. Por sua vez, Mayfield traz instrumentos socados e quase irreconhecíveis, enquanto Soapland flerta com um som robótico, que lembra um loop de voz e percussão. Kissing the sea começa com guitarras psicodélicas e vocais nebulosos antes de se transformar em um pós-punk marcial. Já Another summer encerra a seleção com guitarras palhetadas que evocam um The Smiths invernal, encerrando o disco com uma melancolia fria e elegante.
1991 não é apenas um registro de raridades, mas um vislumbre cru e fascinante de uma banda ainda tateando sua identidade – e soando bem mais intrigante do que em discos posteriores.
Nota: 8
Gravadora: Wharf Cat Records
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: The Hausplants, “Into equilibrium” (EP)

- Into equilibrium é o segundo EP da banda canadense The Hausplants. O trio é formado por Amir (guitarra e produção), Sondor (bateria) e Zel (baixo e vocais).
- O disco novo foi gravado pelo trio em uma despensa, “um espaço peculiar e aconchegante que reflete o espírito brincalhão e engenhoso da banda”.
- A banda afirma também que o disco é “uma dedicação ao momento, encontrando espaço para viver em um tempo cada vez mais sombrio. Simultaneamente, o EP destaca nosso crescimento como banda, e o impacto que a cena de Vancouver teve em nossa música. Ao criar essas músicas, abrimos espaço para explorar sons mais experimentais, explorar nossos backgrounds sonoros e também nossas identidades individuais dentro e fora da música”.
De onde vem esse som? O trio canadense The Hausplants pega emprestado ecos de Velvet Underground, The Sundays, The Smiths e chamber pop, misturando tudo com ritmos ciganos e hispânicos em Into equilibrium. Um EP que parece um pequeno universo próprio, graças à variedade das canções, e à voz de Zel, cantora do grupo: o timbre lembra, e muito, Mariska Veres, a enigmática vocalista do Shocking Blue (aquela banda do hit psicodélico Love buzz, regravado até pelo Nirvana, e de outro hit de enormes proporções, Venus).
Com seis faixas gravadas em uma despensa, o grupo abre o EP com October, canção com tom sonhador, como se esperaria de uma faixa calma do Velvet Underground – tem clima de música de girl group, com pandeirola e tudo. Dreams of falling tem certo ar de Motown, com guitarra simples, vocal quase jazz e baixo costurando a faixa. Hypocrite (faixa que, conta a banda, “explora a dissonância cognitiva da nossa geração”) é o pós-punk mais prototípico do disco, mas ainda assim os vocais e os metais funcionam em clima cigano-hispânico.
Normalcy e Too close to the sun exploram um lado solar do EP, com timbres lembrando Pretenders e as já citadas The Sundays e The Smiths. Duas músicas que ajudam a tomar fôlego para a beleza arábica da faixa-título, com escalas peculiares nos vocais e na guitarra, e ótimo arranjo de metais. Uma banda para adotar e dar o play repetidas vezes.
Nota: 10
Gravadora: Independente.
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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