Cinema
“Los punks: We are all we have”, para ver no Netflix!

Logo no começo de Los punks: We are all we have, uma menina define bem a importância da movimentação do estilo musical nos subúrbios de Los Angeles para a molecada local: “Punk rock, obrigada, você salvou minha vida”. Lançado em 2016 e disponível no Netflix, Los punks, dirigido por Angela Boatwright, tem que ser visto por todo mundo que seja minimamente interessado em rock e cultura pop. E em entender como um movimento que despontou há quarenta anos – o punk rock – continua fazendo sentido. E vai sendo ressignificado por uma grande parcela de jovens.
Angela passou três meses documentando a movimentadíssima cena de bandas punk locais. São grupos que, na falta de um lugar para tocar, dão shows em festas armadas em quintais. Os ingressos são cobrados a preços extremamente módicos. As bandas não raro se apresentam em troca de cerveja. E claro, há sempre a possibilidade de tudo acabar em briga ou em problemas com a polícia. Não é uma cena nova: desde os anos 1970 já rolava isso. Mas trata-se de uma onda que nunca cessou.
“Em bairros como East LA e Boyle Heights, a proporção de residentes latinos é superior a 90%. São comunidades que foram relativamente isoladas do status quo no passado. E creio que a mensagem – e o barulho associado ao punk – fornece uma saída para que formem uma comunidade própria e tenham voz”, disse Angela, diretora de Los Punks, à Slug Magazine)
Olha aí alguns personagens importantes que você vai ver no filme.
O AMOR À CAUSA. Ninguém ali em Los Punks: We are all we have está de brincadeira, o negócio é tocar, arrumar fãs e se dedicar bastante. Logo no começo, acompanhamos a viração noturna de um sujeito, Nacho, vocalista da banda Corrupted Youth, pelo Oeste de Los Angeles, em busca de um lugar para dar um show. O cara estava acostumado a marcar turnês na base do corpo a corpo, entregando panfletos e falando com pessoas, desde bem novinho. “Não havia MySpace nem Facebook”, conta ele. O vocalista de uma banda pesadíssima chamada Psyk Ward diz que o grupo acabou salvando sua vida em épocas bizarras. E diz ter lidado com depressão todos os dias de sua vida, além de revelar casos seus mais escabrosos. Boa parte das letras do grupo é sobre isso.
A POLÍCIA. O helicóptero da LAPD (a polícia de Los Angeles) aparece como personagem instrusivo em todas as cenas de festas, dando rasantes e iluminando toda a galera. É bem verdade que atuam em momentos pontuais, seja entrando numa festa para verificar uma denúncia de esfaqueamento, seja acabando com a bagunça quando passa do horário.
A CULTURA LATINA. Os jovens entrevistados para Los Punks: We are all we have são garotos entre 15 e 23 anos, moradores dos bairros mais pobres de Los Angeles e que, em sua maioria, são descendentes de latinos. Convivem com a pobreza desde cedo, e em vários casos são filhos de refugiados. É o caso de Gary, vocalista de 22 anos da banda Rhythmic Asylum, que mora num pequeno apartamento com a familia e é filho de imigrantes.
Os pais de Gary são refugiados de guerras civis e de ditaduras da América Latina. É caso raro de músico da cena que fala explicitamente em desejar carreira universitária. Quer fazer Direito e tem livros sobre história da América Latina na estante, como o indefectível As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano. Também é um dos raros a ter estrutura familiar “normal”, com pais sempre ao lado. Numa festa familiar, é flagrado até cantando Guantanamera com a família num karaokê. Um punk das antigas chamado John Alvarado explica que, por causa da origem latina dos integrantes, os grupos dos anos 1970 e 1980 eram chamados de “taco bands”.
A POBREZA. O carismático Gary tenta explicar as origens da cena a partir do olhar de um garoto que vive no subúrbio de Los Angeles. É uma região bem mais feia e necessitada do que qualquer imagem “praia e sol” que alguém possa ter de LA. Fala do sistema educacional falido de South Central e do Oeste de Los Angeles. Da falta de livros, das poucas opções. E de como as pessoas muitas vezes escolhem opções “erradas” por não terem mais o que fazer de suas vidas.
O FEMINISMO. Ele aparece como subtexto. As mulheres da cena não se limitam a ficar na plateia. Sobem no palco e trabalham organizando shows. Algumas, desde bem cedo, como é o caso de April, uma menina de 15 anos da região de Watts. “Sou provavelmente a mais nova na cena”, diz. Ela agenda apresentações, cobra ingressos, vai aos shows e vive a cena diariamente. Dá depoimentos tocantes sobre como é viver numa região desassistida de Los Angeles. Diz que consegue “se virar” e que sabe o que fazer. Ainda assim não escapa de um momento deprimente de assédio, caminhando sozinha pelas ruas desertas de seu bairro.
AS REDES SOCIAIS. Nacho, o tal cara do começo do filme, não pensa duas vezes antes de pedir a senha do Facebook de um amigo. E envia convites para shows a toda a rede dele. Pediu até a de Gary, da Rhythmic Asylum. Durante uma festa em família, um parente chega a perguntar a Gary sobre os convites que recebe pelo Facebook (“ah, deve ter sido o Nacho”, responde). Ao ver o encerramento abrupto de uma festa pela ação da polícia, Nacho verifica que uma casa sua em San Pedro está vazia. Avisa a todo mundo para sair do local do show e correr para lá. E pede que todo mundo divulgue o novo evento pelo Facebook e pelo MySpace. E até pelo Mocospace (rede social de gamers).
A SOLIDÃO. Sim, a sensação de abandono pessoal é real – e faz com que as pessoas se unam em grupos de iguais, ou quase iguais. Nacho explica que a grande mensagem do punk “de quintal” é “você não está sozinho, temos muito em comum, somos todos hispânicos”. April, filha única, mora apenas com a mãe – com quem não conversa muito. A caba convidando uma amiga pára morar com ela, junto com a filha. E diz ter um relacionamento mais de “família” com ela do que com seus parentes de verdade.
O PUNK ROCK, CLARO!. O som das bandas é barulhento, cáustico e cheio de letras depressivas e críticas. As bandas de Los Punks têm heróis. Grupos como G.B.H., Discharge, Social Distortion, Black Flag e Exploited são bastante citados. Ou aparecem em camisetas e pôsteres. Num dado momento, a banda novaiorquina de street punk Casualties, liderada por um músico descendente de latinos chamado Jorge Herrera, vai dar um show num dos quintais. A emoção é enorme: Herrera é recebido com honras de herói e tira selfies com todos.
A VIOLÊNCIA. A cena punk de Los Angeles não é das mais tranquilas, nem nunca foi – filmes como The other f… word mostram que isso acontece desde os anos 1970. Algumas rodas punk acabam em porradaria das brabas. Numa das festas (obviamente interrompida pela polícia), um dos punks arranca uma tabela de basquete do quintal e joga na casa do vizinho. Em Los Punks há brigas físicas entre meninas (muitas, por sinal) e porradaria entre gangues. Nacho lembra já ter sido esfaqueado três vezes.
O resto, corra para ver! 🙂
Foto: Angela Boatwright
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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