Cultura Pop
Guilherme Arantes: “Meu próximo disco vai ser o meu ‘The Wall'”
Vivendo desde 2019 em Ávila, cidade de pouco menos de 58 mil habitantes na Espanha, Guilherme Arantes já se prepara para voltar ao Brasil – possivelmente em julho, mês do seu aniversário de 68 anos. Foi para lá a princípio para se reciclar no piano e aproveitou para se isolar durante a pandemia. Além da saudade do Brasil, o motivo do retorno é o lançamento de um novo disco (o nome, ele não revela) que ele define como o seu The wall – a ópera-rock do Pink Floyd, lançada em 1979.
“Vou trazer de volta o meu lado progressivo, com músicas de nove minutos, umas coisas com primeira e segunda parte”, recorda Guilherme, que edita também uma espécie de making of do disco, incluindo imagens suas num auditório de Ávila e coisas que os músicos do disco (que gravaram à distância) mandaram. O álbum teve masterização do americano Howie Weinberg. “O cara que fez o disco Nevermind, do Nirvana. Ele me ligou e falou: ‘What the fuck? Que som lindo!'”, comemora.
Ele revela que muito do seu lado de fã de bandas como Dream Theatre e Iron Maiden também vai estar no álbum – recentemente ele revelou sua paixão pelo som do grupo de The number of the beast num post, e disse que “algo o chamava para se aproximar desse estilo”. Guilherme também vem dando uma de DJ no Facebook, postando músicas que gosta de ouvir e alguns clássicos – sua seleção inclui The Byrds, George Michael e Bjork.
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O autor de músicas como Planeta água começou a carreira solo em 1976 (após alguns anos no grupo progressivo Moto Perpétuo). Mas se considera bastante próximo da geração que veio com o rock nacional dos anos 1980. Defende inclusive que a geração de artistas como Paralamas do Sucesso, Blitz e Marina Lima deveria ganhar um lugar mais respeitável na história. “O movimento dos anos 1980 foi mais importante que a Jovem Guarda”, diz Guilherme, que conversou com o POP FANTASMA por chamada de vídeo.
POP FANTASMA: Como estão as coisas aí na Espanha?
GUILHERME ARANTES: Estou em Ávila, é como se eu estivesse no interior de São Paulo, uma cidade tipo Jaú, com a roda dos velhinhos conversando. Eu vim para cá para estudar piano, barroco, fazer exercício, estudar partituras. Acabei tendo até uma inflamação na cervical. Já estou com 68 e o organismo reclama. Fiz um tratamento à base de medicamentos fortíssimos. Estou na base de uma terapia a base de injeções e está controlado. Mas às vezes volta e dói o braço todo, uma coisa horrorosa.
Teve um período em que eu fiquei realmente de cama, com muita dor. Ficava deitado por causa do peso da cabeça. E comecei a ler muitos livros. Principalmente sobre as histórias da música popular brasileira. Me deu vontade de entender como eu estava dentro desse processo, da minha origem. Onde a gente entra, onde entra minha geração, o hiato que houve com o AI-5, o ano de 1968, a história do (Wilson) Simonal, a história do jornalismo cultural brasileiro, a fabricação da opinião no Brasil.
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Fui me entender nessas alturas, aos 40 e tantos anos de carreira. Fiz um balanço e vi que estou no bônus. E estou fazendo um disco maravilhoso, com letras bem estruturadas. As leituras fizeram bem, deu um upgrade. Mas vou voltar ao Brasil e vou me expor a esse ambiente tóxico da realidade, a como está o Brasil hoje. Se eu estivesse no Brasil não estaria fazendo grande coisa. Moro na Bahia e iria estar no estúdio, tocando piano, ia ficar dentro de casa, porque show não tem. Houve um prejuízo muito grande. Vários artistas até estão em gestação, Marisa Monte, Caetano Veloso.
Aqui a cidade está em excitação pela volta da convivência, os bares, os restaurantes, porque é a região da carne. Está chegando o verão e a Espanha se prepara para receber dez milhões de ingleses, alemães, eles vêm para a Costa do Mediterrâneo. Só que não acabou a pandemia. Eu já até me vacinei, tomei duas vacinas da Pfizer. A gente se cadastrou ali no serviço, porque meu seguro-saúde é no Brasil, a gente tá descoberto. E enfim, não posso pegar essa merda.
O disco já tem uma data para sair?
Eu faço aniversário dia 28 de julho, então deve sair fim de julho, começo de agosto. Várias vezes a gente saiu com coisas novas em agosto, que é um mês que as pessoas nem gostam porque é meio misterioso. Mas é uma data-limite, porque no segundo semestre já começa a escalada presidencial e o Brasil fica sem assunto. Nem sei como vai ser esse 2022. Não queremos entrar em 2022 sem ter lançado o disco porque o momento-janela é agora.
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Meus colegas não conseguem emplacar nada, o Brasil tá o país do desânimo, da catatonia, uma desproteção total. A sociedade se vê desprotegida, o estado é uma peste. Brasília parece que tem urucubaca. Antes era o Rio, isso não muda. Tem períodos em que você sente um mood positivo. Foi assim na época da bossa nova, no primeiro mandato do Lula. Mas parece que existe um sistema que leva tudo para o buraco. Procuro nem falar muito porque eu tô fora, tanto que nas redes quero sempre falar de música, propor coisas para as pessoas ampliarem o espectro emocional. Tenho esse handicap negativo, de estar fora desde 2019, alguém pode falar: “Ah, cala a boca e fica aí na Espanha…”
Mas isso como se você não tivesse liberdade de expressão de falar o que quiser sobre seu país, certo?
É, mas a raiva foi legitimada, já vem essa frase pronta: “Por que você não cala a boca? Você virou as costas para o Brasil!” Bom, eu assino todos os jornais, leio a direita, leio a esquerda. A informação que chega é uma informação processada, e iniciou-se um processo de solapar a imprensa. Aqui a gente vê uma TV de El Toro, que é de direita, e tem os debates do pessoal conservador. E tem uma TV da Andaluzia que é de outra linha.
Agora, tem o detalhe que a Espanha é um país do agronegócio, um grande fazendão. E o Brasil tá a caminho disso, de ser um grande fazendão, excludente, onde o povo vai se amontoar nos quilômetros da cidade. Vai virar só um provedor de commodities. É um projeto desempregador, desagregador de emprego.
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Isso é bem a cara do Brasil faz tempo.
E a Espanha é um fazendão também, cidadezinhas esvaziadas, um bar, um mercadinho, um monte de casas. Tudo vazio, no meio de uma plantação de trigo. E essa plantação é multinacional, industrializada, trigo transgênico. Você não tem mais natureza, povo, tudo se transforma numa produção de agro indústria. E é um país pequeno, do tamanho da Bahia. Acho que boa parte da Europa se recupera da crise, mas o Brasil me preocupa pelos próximos cinco anos.
Você tem postado músicas no Facebook e volta e meia isso vira notícia. Como começou a fazer isso?
O que tem de mais legal, positivo, é falar do mundo que a gente pertence. Todo mundo tá se metendo a ser politizado, mas eu acho que através da música a gente existiu politicamente com muita força. Outro dia eu postei o Turn turn turn, dos Byrds, o I wasn’t born to follow (também do The Byrds) que é uma música do filme Easy rider, foi basal para mim. É a marca de uma geração que através da arte construiu um mundo novo.
A indústria cultural do século 20 conseguiu mudar o mundo de várias maneiras, fazer as pessoas viverem melhor por terem um conteúdo emocional preenchido. Sinto falta disso, porque o mundo hoje está muito utilitário. Os gêneros hoje não trazem o sentimento. Não deslegitimo o funk, o sertanejo, mas são janelas de marketing que se basearam no utilitarismo, no coletivismo hedonista. E tem um movimento que é um neo-hippismo, influenciado pelo folk: Tiago Iorc, Anavitória, Melim, Vitor Kley, Ana Vilela…
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Você cantou Trem bala, da Ana Vilela, numa live, inclusive…
Ela é um manifesto de uma geração, uma música muito bonita e muito simples. Inclusive é interessante porque ela e a Anavitória nasceram de um Centro-Oeste de agronegócio onde tem o sertanejo predominante, mas ela é um movimento de uma juventude ávida por sentimento. É um manifesto anti-utilitário, de uma juventude que sente falta de sensibilidade, daquela coisa do interior, comfort food. Uma leveza do interior, do fogãozinho de lenha. O único componente que essa juventude não inclui é o LSD, né? Era um elemento revolucionário e a gente pegou isso em cheio na nossa geração.
Nas minhas redes, a única coisa que eu não coloco são as predominantes na cultura de massa, a cultura de balada. A música baladeira tem uma proposta que é antirreflexiva, anti-individual, anti-sentimento. As pessoas se embrutecem. Isso ocorria também no rock, no show do Kiss, um lado tribal, que você propõe um rito. Minha filha mais nova ia nos shows do Wesley Safadão na Bahia, e era uma galera achando lindo se dissolver numa multidão emburrecida.
É gostoso emburrecer, parar de pensar, sentir, mas a música de balada foi caindo em qualidade. Teve o movimento disco que trouxe Donna Summer, Giorgio Moroder… Tinha uma estética musical elaborada, uma riqueza, mas era desse comportamento de se dissolver. A nossa geração também teve isso com as danceterias. Mas nossa geração foi muito boa para a música popular, para a juventude brasileira. Eu classifico o movimento dos anos 1980 como sendo mais importante do que a Jovem Guarda. Porque nós duramos. Paralamas durou, Titãs durou, Legião Urbana durou, até o Guilherme Arantes durou. Tocamos na vida das pessoas.
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Muita coisa da Jovem Guarda era vazia de letras, e eram versões na maior parte. Tinha muita coisa idiota, na nossa geração também teve. Mas fomos uma geração que deu Marina, Lulu, Ritchie… Um repertório vasto. Você não pode comparar Jovem Guarda com Paula Toller, com Marina, Herbert Vianna. Não vendemos aquela quantidade de disco da Jovem Guarda, mas nossa geração durou.
Mas entram coisas novas no seu Facebook.
Sim, às vezes eu coloco o Letrux, o Vanguart. Eu gosto. São pessoas que estão procurando ainda esse espaço reflexivo, viajeiro na música. E acho que tem um movimento aí. Tem a turma do dub, do soundsystem, uma celebração, um rito, mas é diferente do baladão sertanejo, que se baseia numa vaidade, numa exibição de poder. As figuras do neosertanejo são de um se achar… Se acham maravilhosos. Imagina, você é um desses cantores que tocam todos os dias da semana para 40 mil pessoas a cada dia. No fim de semana você tocou para um milhão de pessoas. Você é muito mais importante que os Beatles!
Bom, vendo pelo público nos shows…
Os Beatles nunca tocaram para essa multidão. O cara se sente, ele sobre no palco e é uma figura ridiculamente histriônica. Bem diferente de ir num show da Madonna, ou da Dua Lipa. Eu morei uns meses em Londres e vi o Prince fazendo o show Diamonds and pearls. Fui no Earl’s Court ver o Prince e alucinei. Lembro que vi onze shows da turnê em vários pontos e a última vez comprei no gargarejo. Custou 600 libras a entrada. Vi Prince alguns metros distante de mim, a pedaleira com pele de carneiro. O cara era um esteta.
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E na Espanha, o que tem?
Aqui tem a coisa do reggaeton (imita a batida) que é o ritmo mais careta que se criou, pobre e chatérrimo. Eu não sei que graça tem, as pessoas tomam toda, todo mundo lindo de morrer, muito enfeitado, e vão lá dançar essa porcaria dessa música. Odeio essa música, muito mais que o sertanejo, o axé, o arrocha… Acho até o Safadão mais divertido que o J Balvin. Você teve recentemente o Despacito, do Luis Fonsi… A estrutura da música é a mesma harmonia do Forever young (do Alphaville), aquela harmonia que tantas vezes já foi denunciada (toca no piano). No fundo é algo mais comportamental do que musical. Os Beatles, Madonna, Led Zeppelin, são comportamentais mas não só isso. Outro dia mostrei meu lado que gosta de Iron Maiden. Isso causou bastante…
Sim, muitos sites publicaram que você faria um disco de metal, inclusive.
Outro dia toquei no show do Edu Falaschi, há um ano mais ou menos participei de um DVD dele e fui tocar Redemption, do Angra. Uma música emblemática, belíssima. Fui super bem recebido, me senti em casa. Sempre tive preconceito com metal, achava uma coisa caricarta, mas ser caricato não é problema. The Cure é caricato, mas é lindo. Red Hot Chili Peppers também, Nirvana também. O mundo precisa desse guts que o rock propõe. As pessoas dizem que o rock é pouco ativista, ele é muito vítima de maledicência, mas o The Wall, do Pink Floyd, é um disco político. Aliás esse meu disco novo é o meu The wall.
Como assim?
É um disco para causar. Um disco abordando a truculência do mundo, já que convivemos com governos unidos com religião… Estamos vivendo a era das cruzadas. O mundo está cheio de ódio, de raiva, com esse potencial de explosão. Parece que a humanidade perdeu o rumo da globalização, da social democracia, da convivência.
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Musicalmente como vai ser?
Ele é progressivo, tem música de nove minutos, que é uma suíte tipo o Yes. É o Close to the edge do Guilherme. Tem canções amorosas que são o cardápio mais usual, instrumentos barrocos, arranjos de cordas super bem feitos. Cantei como nunca cantei na vida, fiz um coaching vocal meu para cantar mais delicado, aprender a respirar melhor. Vai marcar a volta do Guilherme do Raça de heróis, do Planeta água, porque o mundo espera isso de mim. Tenho que fazer o que o minha geração fazia de melhor. Talvez eu seja crucificado por desenterrar o progressivo, mas eu ou faço isso, ou vou ficar me orientando por regras de mercado. Podem falar: “Ah, nove minutos não é radiofônico”. Mas ser radiofônico é importante?
Minha mãe morreu nesse período e fiz uma música para ela ouvir no leito de morte. Se chama Estrela mãe, é uma música para você cantar para sua mãe que está indo embora. Minha irmã colocou para ela ouvir, ela partindo, aos 94 anos. Foi a maior emoção da minha vida explicar como eu amo a minha mãe, como ela estava à frente do tempo. Uma mulher que cantava dentro de casa, as dificuldades que ela passou. Meu pai não a deixava trabalhar. Ela se tornou uma dona de casa infeliz. Ela era uma mulher do mercado, que queria trabalhar no centro de São Paulo…
Tem umas cinco músicas que quando eu ouço, eu choro, é lindo pra caralho. Comecei o ano estudando barroco, depois comecei a passear pela cidade. Começou a esfriar, começou a dar uma angústia com a chegada da pandemia, as pessoas morrendo. Me deu uma angústia muito grande, um sentimento de preocupação com a humanidade.
Guilherme lê um trecho de uma letra do próximo disco: “As crianças com receio de crescer/contaminar o céu/da cápsula de um tempo sem rancor/cada dia uma batalha desigual/em nome de uma paz e tudo que se entende por normal/é a bandeira incandescente da exclusão/exércitos rivais disputam seus desejos ancestrais/são troféus de honras e glórias sem pudor/vitórias sem perdão/remorso já ficou pra trás”.
Essa é uma música cavalar que tem segunda, terceira parte, como se fosse uma música de festival – Ponteio, Disparada, aquela coisa “oooh”, que não tem mais. Eu vou ver o que dá, de repente o mercado vai falar: “Nossa, tá se achando. Pô, canta Cheia de charme e não enche o saco!” Mas eu tenho que procurar meu caminho. Eu sou progressivo, coloco muitas bandas progressivas no Facebook. Adoro Jethro Tull, Thick as a brick. Mas nem posto só bandas antigas. Outro dia mesmo postei o Muse.
O Muse tem a ver com seu som um pouco…
É demais, tem uma pegada, adoro o som. E adoro o Dream Theater também, tem cara de Guilherme Arantes aquilo lá. E tá na hora de eu mostrar meu lado Dream Theater. A nação metaleira adora o Guilherme Arantes. E é um público que é aguerrido, que compra briga. Acho que você tem esse espírito também no segmento LGBTQI+, no rap… As pessoas estão lá se posicionando.
Já na balada é aquela paquera coletiva. Em dupla sertaneja, você pode muitas vezes trocar o artista que ninguém repara. Sinto que o show business brasileiro se perdeu, não sei como vai ser com a volta da pandemia. O discurso do funk tem que evoluir, como foi com o de Anitta, que está fazendo outras coisas, crescendo, se organizando. É uma figura notável. E chega de artistas que morrem jovens. A babaquice da morte daquele garoto Kevin (funkeiro) é a mesma da morte do Jimi Hendrix. Jimi morreu jovenzinho, mas tinha proposto uma coisa que era um turning point do mundo. A mesma babaquice também do Kurt Cobain meter uma bala na cabeça.
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Eu me julgo um sobrevivente da minha geração. A gente passou pelos anos 1980, uma época de muita cheiração, mas chegou uma época em que era babaquice. Começou como uma coisa leve. Eu estava nessa matriz dos anos 1980 com a Gang 90, com o Julio Barroso. Eu faço parte dessa matriz do pop rock brasileiro, de tudo o que aconteceu. Os críticos de música falam que o festival de 1981 (o MPB Shell) foi o mais fraco de todos.
O festival que você participou (com a Gang 90 cantando Perdidos na selva e com Planeta água)?
Isso foi escrito, tá em todos os livros. Mas teve festival mais fraco. O que teve Cabeça, com o Walter Franco (1972), que era meu amigo, um gênio… Ele nem é citado, é como se não tivesse existido aquele festival, e quem ganhou foi a Maria Alcina, com Fio Maravilha. E foi um festival fraquíssimo. O de 1981 foi praticamente ganho pelo Planeta água (a vitória foi para Purpurina, de Jerônimo Jardim, na voz de Lucinha Lins, o que decepcionou a plateia).
E Perdidos na selva foi detonadora de toda a década de 1980. As pessoas tinham que fazer uma revisão histórica da nossa geração. A geração de 1968 não se compara. Chico, Caetano, Gil, Milton, ficaram tombados num patrimônio histórico, como os répteis antes das glaciações. Nossa geração, que veio em 1972, pós-Libelu, é importante. A Rita Lee é anterior, ela é beneficiária de um pouco de tombamento e veio brilhar depois. A mesma coisa com Novos Baianos. Mas nossa geração teve Djavan, que é muito importante. Costumam criticá-lo por causa das letras, que são lindas.
Nós somos inocentes políticos e comportamentais, porque também não pegamos o enlouquecimento de Rita Lee, Raul Seixas. Nem drogados nós somos. Mas construímos uma história belíssima. Lulu faz parte disso, Marina também.
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Crítica
Ouvimos: Joan Armatrading, “How did this happen and what does it now mean”
- How did this happen and what does it now mean é o vigésimo-primeiro disco de estúdio da cantora e compositora britânica Joan Armatrading. A única coisa que ela não fez no disco foi a engenharia de gravação: ela compôs, tocou, cantou, produziu e programou tudo.
- Ao The Guardian, ela explicou o título do disco (“como isso foi acontecer e o que significa agora?”): “Acho que nos tornamos polarizados porque quando você está cara a cara com alguém, coisas como linguagem corporal e contato visual nos impedem de fazer certas coisas. Isso não acontece nas mídias sociais, então se espalha para o mundo real. Não vamos nos livrar de todas as guerras e desentendimentos, mas o título do álbum está perguntando como diabos podemos sair dessa situação em que estamos e como voltamos para um lugar melhor”.
Descobrir, sem estar esperando, que Joan Armatrading lançou um novo álbum, é uma surpresa enorme. Ver que o disco é um projeto quase inteiramente solo (ela compôs, produziu, tocou e programou tudo sozinha) não chega a ser uma surpresa para quem conhece um pouco da história dela e pelo menos alguns hits e discos clássicos.
No caso de How did this happen and what does it now mean, o estilo conhecido de pop-rock confessional dela, já a partir do título, vem com um subtexto de sobrevivência e superação. Ainda que algumas histórias contadas nas letras apontem para ressacas amorosas e falsidades do amor em geral, como no pop-rock Someone else e no r&b I gave you my keys (“eu te dei minhas chaves para tudo que eu tinha/você era minha divindade, você governou meu mundo/governou minha terra, governou meu céu/como você pôde me machucar tanto?”).
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Já o blues-rock-soul percussivo I’m not moving põe violência urbana no disco, com Joan recordando as cenas que viu durante um assalto, e levando a história para uma situação em que a minoria tem as maiores cartas na mão (“posso ser pequeno/mas sou poderoso/você pode ser muito mais velho/mas ainda assim eu governo você”). O pop com argamassa soul e musicalidade herdada do folk, especialidade dela, volta em faixas como 25 kisses, Here’s what I know e a faixa-título, que conta outra história de amor que acaba com problemas e dúvidas (“onde está aquela versão de nós mesmos/que nós amávamos, que era tão preciosa/em nosso mundo, em nossos corações?”).
Para quem tem saudades do lado baladão de AM de Joan, registre-se a presença de Irresistible e Say it tomorrow e do gospel Redemption love. No disco novo, ela fez questão de que todos os seus lados musicais convivessem sem problemas, cabendo até dois instrumentais, Now what e Back to forth, nos quais ela se mostra uma excelente guitarrista de blues e rock. Aos 74 anos e sabendo fazer de tudo num estúdio, Joan é o poder, mesmo que falte um certo empoderamento nas histórias amorosas das letras.
Nota: 7,5
Gravadora: BMG
Crítica
Ouvimos: Os Paralamas do Sucesso, “10 remixes”
- 10 remixes traz (como diz o próprio título) dez canções dos Paralamas do Sucesso remixadas. O trabalho foi orquestrado pelo DJ Marcelinho da Lua, que escolheu DJs de diferentes gerações. O trio e o empresário José Fortes também já tinham uma lista com alguns nomes.
- “Tudo começou quando eu estava num show do Paul McCartney em 2013, quando prestei atenção nas inúmeras releituras de músicas dos Beatles feitas por DJs que tocavam antes do Paul subir ao palco. Fiquei pensando como seria legal se fizessem o mesmo com o repertório dos Paralamas”, contou João Barone, baterista da banda, em seu Instagram.
Lançar um álbum de remixes dos Paralamas do Sucesso é uma ideia tão boa que não dá pra entender como ninguém pensou nisso antes. Discos de remixes de um mesmo artista, aliás, costumam sair bem irregulares, além de cometerem verdadeiras atrocidades. Felizmente, 10 remixes saiu legal, e quase tudo pode ser dançado na pista e ouvido em casa sem (muitos) atropelos.
Em Lanterna dos afogados, Mahmundi deu um ar dançante e viajante à música, e inseriu sua voz como parte das novidades da canção – soou tão bem que ela deveria pensar em fazer outras visitas à obra da banda. Ska, com DJ Marky, virou um cruzamento de ska, reggae e drum’n bass. O beco ganhou remix conceitualmente correto (e bom) do Tropkillaz, em clima funk-reggae, com os vocais de Herbert Vianna filtrados e à frente. Selvagem, nas mãos de Daniel Ganjaman, virou reggae-dub.
No 10 remixes, vale também citar o samba-funk-reggae que surge de O amor não sabe esperar (com Paralamas e Marisa Monte), capitaneado por Pretinho da Serrinha e Bossacucanova. Além do synthpop simultaneamente experimental e cheio de balanço de Mulú em Aonde quer que eu vá, e do redesenho drum’n bossa de Marcelinho da Lua em Mensagem de amor.
Por outro lado, Lourinha bombril rendeu menos do que poderia ter rendido nas mãos do Àttooxxá. Ela disse adeus, com Papatinho, virou um batidão funk pequenininho (com pelo menos um minuto a menos que o original) e sem muitos atrativos. E não sei até que ponto a balada stoniana Saber amar tinha que ganhar um remix techno de botar fogo na pista, que foi para as mãos de Ké Fernandes (Groove Delight).
Nota: 8
Gravadora: Universal
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Crítica
Ouvimos: New Order, “Brotherhood (Definitive edition)”
Pode ser algum problema de atenção ou de audição, mas não percebi nenhuma diferença no som dessa edição definitiva de Brotherhood em relação à remasterização “de colecionador” do disco, lançada em 2008 (e vale lembrar que o quarto álbum do New Order, de 1986, já teve seus bastidores recordados aqui mesmo no Pop Fantasma). Dois anos antes do quadragésimo aniversário do Sgt Pepper’s às avessas do grupo, no entanto, a definitive edition lançada pela Rhino é a melhor forma de comemoração, por reunir num só lançamento o antes, durante e depois do álbum.
Resumindo a história em poucas linhas: Brotherhood saiu numa época de transição para o New Order, uma banda cujas vendas ajudavam a dar sustentação ao selo indie britânico Factory, mas que não vivia uma vida de grupo do primeiro time – com direito a shows nos cafundós, camarins zoados e uma certa sombra de desprestígio. O álbum era dividido entre um lado A mais roqueiro e um lado B mais eletrônico. As duas faces eram balizadas por uma espécie de pós-punk-country (Paradise, com letra inspirada nas “canções de partida” do estilo musical) e um futuro clássico dance-pop (Bizarre love triangle).
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- Mais New Order no Pop Fantasma aqui.
- Episódio do nosso podcast sobre eles aqui.
Mas ainda havia no álbum rocks de pista (Broken promise, Way of life), outro pós-punk dançante (Weirdo, com abertura “falsa”), uma canção acústica pop e quase sixties (As it is when it was), dance music ambient (All day long), dance music sombria e lisérgica (Angel dust) e o encerramento com Every little counts, cantada por Bernard Sumner aos risos (ele chega a interromper a música para rir) e fechada com alguns minutos de psicodelia e ruídos.
A nova edição dá som a histórias sempre contadas a respeito do grupo, trazendo por exemplo, as músicas da demo gravada por eles no Japão em 1985, em meio a uma turnê por lá. A versão de State of the nation não é exatamente imperdível, mas a de As it is when it was vale a audição: vem mais tecnopop, sem violão, sustentada pelo baixo agudo de Peter Hook, e com certa cara de The Cure.
Evil dust, que já havia sido lançada na edição de colecionador de 2008, retorna – é uma versão “maligna” de Angel dust, com mais espaço para os vocais da cantora libanesa Dusya Yusin, sampleados de duas músicas de Brian Eno e David Byrne, The carrier e Regiment (ambas do disco My life in the bush of ghosts, de 1981). O material composto pelo New Order para o filme Salvation! (1987), de Beth B, aparece na íntegra, dos temas instrumentais (como as quase progressivas Salvation theme e Sputnik) ao single bem sucedido Touched by the hand of god.
Das inéditas lançadas na nova edição de Brotherhood, tem uma para escutar no último volume: Every little counts aparece em sua lendária versão completa, com alguns minutos a mais de psicodelia ruidosa e assustadora no final, um segundinho de silêncio e… o ruído de toca-discos pulando. Era para ser mais parecido ainda com A day in the life, fechamento do Sgt Peppers, dos Beatles, e era para dar mais sensação ainda de desnorteio. Brotherhood é uma ousadia que ainda permanece atual.
Nota: 9
Gravadora: Rhino
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