Cultura Pop
Clipes estrangeiros pré-MTV: descubra agora!

Antes de ter a MTV como principal opção para ouvir música na televisão (isso rolou a partir de 1º de agosto de 1981, há quase quarenta anos), o mercado de clipes, ou promos, como esse tipo de material já foi chamado, não era um troço tão quente assim.
O hábito de pegar uma câmera e filmar um artista cantando uma música servia para alavancar as vendas de singles, para dar ao público um pouco mais do que havia no disco, ou para levar à música de artistas conhecidos um estilo até bem mais próximo dos curtas-metragem. Não havia exatamente uma linguagem de clipes, como a que começaria depois com a MTV. Embora houvesse tentativas disso.
E, opa, os promos feitos entre os anos 1960 e 1970 têm uma linguagem cinematográfica que ainda influencia bandas e artistas novos, e era bastante imitada mesmo no auge da MTV. Vários deles, inclusive, eram dirigidos por grande documentaristas. Ou eram feitos especialmente para a televisão, mas com o pensamento voltado para atrações como Top of the pops e Ready, steady, go!
Com a ajuda de amigos e leitores do POP FANTASMA fizemos uma listinha de 19 clipes estrangeiros lançados bem antes de 1º de agosto de 1981 que você precisa ver. Pode começar a maratonar já!
“GO NOW” – MOODY BLUES (1964). A banda britânica, considerada pioneira do rock progressivo, geralmente nem é citada quando se fala de proto-clipes. Mas mereciam: o vídeo deles para o melancólico single Go now, dirigido pelo empresário Alex Murray, tem até lá seus cruzamentos de bigodes com o de Bohemian rhapsody, do Queen, com os integrantes da banda na penumbra (mas em preto e branco).
“SUBTERRANEAN HOMESICK BLUES” – BOB DYLAN (1965). Filme (é um filme, ora bolas) feito pelo cineasta D.A. Pennebaker para aparecer no documentário Dont look back. Dylan teve a ideia de fazer fichas com trechos da letra (a caligrafia dos cartões foi feita por amigos como o poeta Allen Ginsberg, e ele até aparece no clipe) e lá foram ele e Pennebaker filmar num beco perto do luxuoso Savoy Hotel, em Londres.
“THESE BOOTS ARE MADE FOR WALKIN'” – NANCY SINATRA (1966). Filmado um ano após o lançamento da música, o clipe teve produção mega: foi realizado no Paramount Studios, em Hollywood, e ajudou a alavancar mais ainda não apenas a canção, mas a coreografia dela (graças às várias dançarinas convidadas). E na hora de lançar? Além da TV, o filme foi aproveitado no próspero negócio de máquinas Scopitone (uma espécie de jukebox de clipes).
“RAIN”, BEATLES (1966). Por causa desse filme e do de Paperback writer, George Harrison costumava dizer que os Beatles “inventaram a MTV”. Na verdade, inventaram o hábito de fazer várias versões para o mesmo clipe, já que Rain teve três clipes, todos dirigidos por Michael Lindsay-Hogg. Num dos mais populares, os quatro parecem saídos da contracapa do LP Revolver (1966). Paul, que tivera um acidente de moto, aparece com um dente quebrado.
“ARNOLD LAYNE”, PINK FLOYD (1967). Existem duas versões para o clipe dessa faixa. A oficial (a “da praia”) foi feita para o Top of the pops, cancelada devido às baixas vendagens do grupo, e depois recordada justamente na era da MTV. A segunda foi filmada perto da Igreja de St Michael, em Highgate. E deixa uma sensação amarga: Syd Barrett, perto de ser abandonado pelo grupo, protagoniza cenas de luta com o futuro líder da banda, Roger Waters, e dubla a canção olhando fixo para a câmera, com olhar triste.
“WE LOVE YOU” – ROLLING STONES (1967). Não é magia, é psicodelia. Os Stones chamaram o diretor Peter Whitehead para fazer uma espécie de curta surrealista tendo como tema o entra-e-sai de tribunais que a banda enfrentava na época. Mick Jagger aparece julgado e acorrentado, Keith Richards fantasia-se de juiz e a então namorada de Mick, Marianne Faithfull, em participação especial, leva o tal tapete de pele com o qual ela aparecia vestida nas fotos dos tabloides, na batida policial na casa do guitarrista.
“LIFE ON MARS?” – DAVID BOWIE (1973). Com Bowie já devidamente nos braços do povo, a RCA lançou o single de Life on mars? (do disco Hunky dory, lançado dois anos antes) e o diretor Mick Rock foi convocado para colocar em imagens e cores toda a melancolia da música. Antes da remexida que Mick deu em 2016, o clipe trazia imagens das plateias de Bowie enxertadas em alguns momentos. Foi redescoberto pela MTV anos depois.
“MIND GAMES” – JOHN LENNON (1974). Filmado um ano após o lançamento do disco de mesmo nome, o vídeo de Mind games emociona qualquer lennonmaníaco: traz um dia feliz na vida do beatle, que anda pelo Central Park, atende fãs, alimenta elefantes no zoológico, faz uma visitinha ao Marquee Club e dança em frente às câmeras.
“BOHEMIAN RHAPSODY” – QUEEN (1975). Tem quem considere esse o primeiro clipe, feito com linguagem de clipe, com suporte de clipe (vídeo) e já pensando em TV. Em 1975, em plena turnê, o Queen estava sem tempo de ir ao Top of the pops dublar seu hit mais recente, Bohemian rhapsody. Mas resolver “ir” ao programa sem ir e mandou o vídeo. O quarteto usou seu estúdio de ensaios, um caminhão de externa, os serviços do diretor Bruce Gowers (que já havia feito um vídeo da banda no Rainbow Theatre em 1974) e gastou pouco mais de quatro mil libras para fazer o clipe (er, promo) da faixa, feito em 10 de novembro de 1975 durante quatro horas.
“DANCING QUEEN” – ABBA (1976). A banda formada pelos dois casais (que, você deve saber, se separaram e já viviam às turras no auge do sucesso) percebeu logo a importância não apenas dos filmes musicais, como também de olhar no olho dos fãs enquanto cantavam as músicas. Por mais que o ABBA não pudesse ir a todos os países que amavam seu som, eles estavam “lá” sob o formado de protoclipes. O de Dancing queen virou clássico instantâneo.
“CRACKERBOX PALACE” – GEORGE HARRISON (1977). Filmado nas dependências da enorme mansão gótica de Harrison, Friar Park, parece uma comédia dirigida por Kenneth Anger, se é que isso é possível. O beatle contou com a direção de Eric Idle (Monty Python), a participação de Neil Innes (também um phyton) e de vários atores convidados. Olivia, sua futura esposa, aparece rapidinho. Serviu como celebração da união do beatle com o grupo de humor.
“(I CAN’T GET NO) SATISFACTION” – DEVO (1978). A ideia de regravar o clássico dos Stones surgiu na vida do Devo de maneira inusitada – a banda começou a tocar e tentou encaixar Paint it black, outra música de Jagger & Richards, na melodia, mas não conseguiu. Sobrou pra Satisfaction. A dança maníaca (e perigosa) do clipe contou com participação especialíssima do dançarino Craig Allen Rothwell, o popular Spazz Attack. A MTV deve muito a isso.
“STAYIN’ ALIVE” – BEE GEES (1978). O trio convidou o mesmo diretor do clipe de Bohemian rhapsody, Bruce Gowers. O diretor fez logo dois. O primeiro trazia a banda andando pelas ruas cenográficas do MGM Studios em Culver City, Califórnia. O cenário era o mesmo onde eles já estavam filmando o super-fracasso Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, produção da mesma gravadora da banda, RSO. O segundo foi feito em estúdio, com imagens que lembram vagamente as mesmas feitas pelo diretor para o clipe de Bohemian rhapsody, e um enxerto de imagens das ruas de Nova York (que também passaram por um grafismo psicodélico de araque).
“HEART OF GLASS” – BLONDIE (1978). O grupo da loura Debbie Harry contratou o diretor David Mallet para fazer um clipe para cada faixa do disco Eat to the beat (1978). O de Heart of glass fez o Blondie ficar cada vez mais popular e provou que ex-punks faziam dançar e cabiam bem no espaço de uma discothéque (com direito a globo de luz rodando). Detalhe: a banda queria aparecer dançando e foi proibida de se mexer pelos diretores. Isso explica que até mesmo Debbie pareça pouco à vontade no palco, usando um vestido desenhado pelo fashionista Stephen Sprouse.
“WUTHERING HEIGHTS” – KATE BUSH (1978). Mais um clipe com duas versões: a primeira com a cantora numa sala escura, com um vestido branco; a segunda com a cantora entre pinheiros e gramados, usando um vestido vermelho. O primeiro clipe, repleto de efeitos especiais, virou meme: a coreografia era imitada pelos fãs, e a plástica do vídeo ajudou a sedimentar a primeira linguagem de MTV da qual se tem notícia.
“I WILL SURVIVE” – GLORIA GAYNOR (1978). O grande hit da disco, o grande hit LGBTQIA+ associado ao estilo. Foi filmado na discoteca Xenon, de Nova York, com participação de um patinador do grupo The Village Wizards. Um texto do site Pitchfork chama a atenção para o fato de que Gloria parece bastante solitária no clipe. “Como o vídeo mostra, as discotecas serviam também como um ambiente de auto-fortalecimento, reforçado pela gloriosa sensação de solidão em meio a uma multidão elétrica de estranhos”, diz o texto.
“I WANNA BE YOUR LOVER” – PRINCE (1979). Com pouca roupa, cabelos alisados e visual andrógino, Prince fez duas versões desse clipe. Na principal, ele dança e canta, usando uma camisa desabotoada. O segundo vídeo trazia Prince ao lado de sua banda, mas acabou banido porque as emissoras de TV acharam que o cantor estava com menos roupa ainda.
“COMING UP” – PAUL McCARTNEY (1980). Lançado no Saturday Night Live (EUA), no Kenny Everett Show (Inglaterra), e no Fantástico (aqui no Brasil), o clipe mostra Paul interpretando dez personagens e sua esposa Linda interpretando dois backing vocalistas. Paul, que tocou todos os instrumentos na faixa, encartou várias imitações de músicos de rock, como John Bonham (bateria), Buddy Holly (guitarra) e Ron Mael (teclados), além de interpretar um “Paul” da era beatle.
“ASHES TO ASHES” – DAVID BOWIE (1980). A canção que “enterrou os demônios” de Bowie e ajudou o cantor a ficar em paz com o passado ganhou um clipe que é considerado o mais caro de todos os tempos (250 mil libras). Trouxe Bowie acompanhado de figurinhas da cena do clube londrino Blitz, pôs o movimento new romantic na linha de frente e fechou um ciclo na vida do cantor – que retornaria em nova fase três anos depois, com Let’s dance. Mas aí a MTV já bombava.
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Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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