Cultura Pop
Underground Press Syndicate: um instagram só de jornais marginais ao redor do mundo

Amanda Lucio tem 27 anos, é historiadora, mora em São Paulo, e em 2017 começou a estudar sobre políticas culturais na ditadura militar, imprensa marginal e temas adjacentes. “Comecei como curiosa mesmo, tive contato com as leituras na graduação e fui me aprofundando. Ainda sei pouco, é um universo de informações dispersas”, conta ela, que hoje faz mestrado e trabalha como redatora freelancer. No meio do caminho foi fazendo contatos, achando mais jornais independentes e decidiu fazer uma pesquisa de iniciação científica sobre o Almanaque Navilouca, organizado pelos poetas Torquato Neto e Wally Salomão, e lançado em 1974, dois anos após a morte do primeiro.

Amanda Lucio
A historiadora percebeu que havia um enorme intercâmbio de jornais alternativos entre vários países, a partir de uma olhadinha nos materiais ligados ao Navilouca. A pesquisa gerou uma dissertação de mestrado e também um dos endereços mais interessantes do Instagram, o Underground Press Syndicate, só com imagens de jornais alternativos ao redor do mundo – incluindo alguns brasileiros. Vários deles estão organizados por países nos stories.
“Tento fazer algo menos acadêmico, que seja mais fluido, assim como os jornais que estudo. Me preocupo em produzir algo que seja instigante, que consiga acessar as pessoas”, conta Amanda, que está planejando um podcast sobre o assunto e pensa também num catálogo ou livro.
O POP FANTASMA bateu um papo com Amanda sobre o instagram, sobre os projetos e sobre a pesquisa que ela vem fazendo. Leia e inspire-se.
Me fala um pouco da pesquisa de mestrado que você está fazendo? No que ela consiste?
Então, a minha pesquisa é uma espécie de incursão dentro do que se chamou nos anos 1960 e 1970 de “imprensa underground”, “contracultural”, “alternativa” e outros nomes que usavam para categorizar jornais que eram produzidos de maneira autônoma por pequenos grupos, abordavam temas que não participavam do debate da grande imprensa, além de circularem em circuitos específicos.
A minha ideia de estudar mais a respeito surgiu de uma pesquisa de Iniciação Científica sobre o Almanaque Navilouca (1974) que fiz durante a graduação. Essa publicação foi uma espécie de “grande acontecimento” da imprensa marginal e eu tentei entender como foram as alianças que se formaram em torno dela, aspectos do editorial e coisas assim. Nesse momento eu tive muito contato com as cartas dos editores e outros materiais, muita gente falava do exílio, foram para NY ou Londres. Foi então que percebi a existência de uma circulação desse tipo de impresso pelas mãos da galera. O pessoal que morava fora do país enviava uns exemplares pra cá e o pessoal se apropriava desses modelos, criando algo semelhante à moda brasileira, sabe?
Ver essa foto no Instagram
Existiam muitas limitações tecnológicas e a censura não deixava o pessoal publicar coisas sobre determinados assuntos, então era bem complicado. Foi por esses indícios de circulação desses impressos entre o Brasil, EUA e Inglaterra, que eu decidi começar a procurar mais a respeito! Jornais que abordavam temas que circulavam lá fora e traziam novidades sobre o underground brasileiro: falavam de música, literatura, cinema, budismo, hinduísmo, viagens de carona, ícones da cultura “jovem” daquele período, longas matérias sobre Zé do Caixão e Andy Warhol, por exemplo.
Aqui não havia possibilidade de explorar alguns temas como lá fora, aqui tinha censura e então era tudo muito restrito. Os dois jornais assumidamente “undergrounds” do Brasil foram o Flor do Mal, editado por Luiz Carlos Maciel (que escrevia a coluna Underground do Pasquim), Torquato Neto, Rogério Duarte e Tite de Lemos; além do Presença, que era do Rubinho Gomes, mas tinha colaborações do Joel Macedo, Hélio Oiticica, Waly Salomão, Torquato Neto e mais uma galera. Ambos tiveram poucas edições, o Flor só teve cinco edições semanais e o Presença teve duas mensais.
Era difícil manter esse tipo de jornal por aqui, além de vender pouco, era mal visto (coisa de “hippie”) e o risco de parar na polícia era grande. Só que como eu tinha dito antes, existia uma circulação desse tipo de impresso através de cartas e viagens, muita gente “perambulava” naquele período e levava/trazia informações. O exílio (voluntário ou forçado) foi muito importante nesse trânsito de informações. Em Londres existia o jornal International Times, que era o ícone contracultural de lá, inclusive era lido por Caetano e Gil durante o exílio deles, assim como por Torquato Neto e Hélio Oiticica que moraram lá em 1968-69. Esses são apenas alguns exemplos.
E o meu objetivo é entender como se caracteriza a identidade editorial desse tipo de publicação, já que são todos muito parecidos na forma de organização do conteúdo, das seções e nos temas. Eu separei o jornal britânico, que foi fundado em 1966 e lido por aqueles que participaram/enviavam matérias para publicarem aqui, porque haviam muitas menções e muita inspiração para criar a partir dos temas que surgiam lá. Então a ideia principal é essa, entender a apropriação desses modelo de impresso aqui no Brasil, levando em conta toda limitação tecnológica, política, social etc.
Como você tem encontrado alguns dos jornais que coloca no Instagram e como surgiu a ideia de partilhar o que você tem pesquisado ali?
Conforme fui pesquisando nos documentos, descobri que existia uma organização chamada Underground Press Syndicate (UPS) fundada em 1966 nos EUA por pessoas como Tom Forcade e outros jornalistas que produziam alguns desses jornais alternativos. E na lista de filiação, tinham jornais de diversas partes do mundo! A cada ano tinham mais filiados de locais diferentes, então comecei a pesquisar quais eram esses jornais e qual era o motivo da criação do sindicato.
A ideia era que os membros pudessem compartilhar conteúdos uns dos outros sem precisar pagar os direitos e coisas do tipo. Além de permitir uma divulgação ampla, pois essas listas de filiados eram publicadas nesses jornais com os endereços de correspondência da redação e também eram separadas por continentes. Assim, as pessoas se conheciam, faziam contatos e ficavam por dentro daquilo que acontecia em outras partes do mundo.
Foi então que veio a ideia da página no Instagram com o mesmo nome, Underground Press Syndicate. Vi que não existia um conteúdo parecido na internet, a não ser perfis de sebos e colecionadores que postavam um exemplar ou outro. Fui além e inclui também jornais que não eram filiados ao grupo. Eu achei que seria legal para quem gosta do tema da contracultura, jornalismo, psicodelia, colecionismo e afins. Agora há a possibilidade de encontrar e conhecer jornais tão diferentes e em idiomas distintos em um só lugar!
Ver essa foto no Instagram
Os stories do seu instagram estão muito bem organizados por países e tal. Como foi organizar isso tudo? Você tem pessoas que mandam recortes e capas para você?
Na verdade, eu estou tentando criar um banco de dados para esses jornais, documentando os países, edições, datas e locais onde podem ser encontrados! A organização não é difícil, mas algumas vezes os jornais são de exilados que representam seus países em outros lugares. Um exemplo disso é o jornal Forward, criado no final de 1976 pelos estudantes etíopes em universidades estadunidenses durante o início da Guerra Civil da Etiópia na década de 1970.
Nesse caso, como classificar? Eles se identificam, assinam endereçando à terra natal deles, mantinham laços políticos e sociais com a Etiópia e estão em outro país por conta do ativismo estudantil e para evitar perseguição política, então mesmo que seja produzido nos EUA e escrito em inglês, é um jornal etíope. Houve uma coisa parecida com os jornais da Somália, Espanha e Catalunha, as lutas pela independência rolavam e essas pessoas precisam ter suas identidades reconhecidas. No caso da Espanha e Catalunha, coloquei os jornais de Barcelona como catalães, ao invés de espanhóis, por exemplo. São aspectos importantes na hora da classificação do material.
Eu sempre tento ler o conteúdo (quando o idioma torna isso possível, rs) e pesquisar a respeito. Quero construir um acervo bem sólido, baseado em um trabalho de fôlego com pesquisa e que dialogue com as questões históricas e sociais que envolveram suas produções. E não, infelizmente as pessoas não me enviam nada, eu gostaria que enviassem, mas acho que ainda vai rolar!
Há alguma raridade que você conseguiu publicar?
Olha, acredito que boa parte deles são raridades, pois se tratam de publicações com baixa tiragem e circulação, duração curta, periodicidade irregular e tal. Só que tem algumas que são ainda mais raras, não sei se é porque estou no Brasil e não tenho amplo acesso, além das dificuldades de idioma e essas coisas. Só que até os jornais daqui são dificílimos de encontrar (inclusive são os mais difíceis). Nem na internet tem acesso, nem digitalizado. Tem que ir nos arquivos ou acervos de colecionadores tirar fotos. Os jornais brasileiros Flor do Mal e Presença que eu publiquei são bem difíceis de encontrar, o Flor tem algumas edições online, mas o Presença não tem nadinha.
Consegui minhas edições por contatos com amigos que também são pesquisadores do tema. E do exterior, o jornal palestino Al Hadaf, o suíço Ouef, o soviético Leaflet e o japonês Buzoku são alguns bons exemplos de raridades. Deu pra ver que é difícil escolher um, né?!
Onde você tem achado alguns jornais? Guarda alguns deles em casa?
Encontro em acervos online, blogs de colecionadores, arquivos do próprio jornal, bibliotecas de universidades, lojas de colecionadores, sites de museus nacionais ou temáticos, organizações sociais ou partidárias que divulgam e tantos outros. Minha pesquisa é toda feita online, algumas vezes leio sobre algo sobre alguma organização, partido, grupos artísticos e penso que eles produziram algum material impresso. Então vou atrás e começo a pesquisar. Dependendo do idioma, o Google Tradutor me ajuda e eu consigo ir fazendo a busca no idioma do local de produção do jornal, o que facilita bastante na busca de resultados.
E eu não tenho nenhum deles em casa, infelizmente. Boa parte deles são itens de colecionador, eu encontro vários para vender em sites gringos, mas são uma fortuna. Fico paquerando as edições online, quem sabe visito um arquivo para manusear alguns exemplares? Só isso já seria incrível.
Ver essa foto no Instagram
O que você percebe de comum entre todos os jornais que você pesquisou?
Bem, posso dizer que praticamente todos eles foram movidos por iniciativas independentes. Foram jornais feitos por indivíduos e grupos que queriam mostrar suas ideias, discutir projetos políticos, sociais ou culturais. Já que não encontravam espaço na rádio, televisão e grande imprensa, os idealizadores desses jornais formularam um espaço próprio para se comunicar com seus pares. Muitos deles foram fundamentais para formular circuitos de produção, redes de sociabilidade, movimentos e partilha de sensibilidades. Alguns movimentos formularam esses jornais e também foram formulados através deles. Há um grande senso de colaboração e partilha em todos eles.
A imprensa alternativa latino-americana tem algo que una países, por exemplo?
Havia algo entre os países do cone sul, principalmente Argentina, Chile e Uruguai. O Brasil não participou muito desse diálogo, mas consumia bastante coisa dos argentinos, em especial do poeta e jornalista Miguel Grinberg. Na imprensa alternativa brasileira há muitas menções sobre os textos dele, as edições do jornal argentino “Eco Contemporâneo” eram lidas pelos brasileiros, acredito que traziam por meio das viagens e contatos. Só que lá fora, os nossos irmãos latino-americanos não liam nossos jornais contraculturais.
Talvez fosse pela restrição, os anos de chumbo da ditadura no Brasil estavam pesando e esses impressos duravam pouco, circulavam em uma rede específica, enfim. Só que entre eles, havia uma partilha e colaboração, já encontrei várias menções. Inclusive, na lista da UPS, o Eco Contemporáneo do Miguel Grinberg consta como representante do sindicato na América Latina. Alguns anos depois, o Luiz Carlos Maciel vai aparecer lá com o Pasquim! Esse contato é algo que estou buscando entender também, fico pensando como que se deu essa troca.
Você pensa em transformar isso em algum outro material? Livro, podcast, site?
Poxa, boa pergunta! Eu queria transformar esse material que eu levantei em um livro, uma espécie de catálogo que seria separado por países, algo na lógica da página mesmo.. Ainda é algo muito remoto, pois precisaria de tempo e investimento financeiro. Queria algo que fosse organizado por mim e por meus amigos, pessoas que acreditam nesse projeto. Um ebook é uma via mais fácil, além de possibilitar a disseminação na internet de forma gratuita. Acho que é um material legal e pouco conhecido, vale a pena reunir e divulgar.
Enquanto o livro não chega, estou planejando um podcast com um amigo meu que também é pesquisador do tema, a gente tava trocando uma ideia e decidimos que seria legal gravar algo sobre. Por enquanto, o nome vai ser “Mini Mistério”, que nem a música da Gal Costa de 1970. A proposta é falar de contracultura e suas vertentes culturais/sociais, seja no Brasil ou no exterior. A gente tá fazendo a pesquisa do conteúdo e esperamos que até o final do ano seja lançado o episódio piloto!
Tem falado com editores de alguns desses jornais? O que eles contam sobre como era fazer imprensa alternativa em tempos complicados?
Falei com alguns! Foi uma grande experiência e serviu até para desmistificar algumas ideias. Falei com o Joel Macedo, que foi editor das primeiras edições da Rolling Stone brasileira lá em 1971 junto com o Luiz Carlos Maciel. Também falei com o Rubinho Gomes, editor do jornal Presença em 1971. Do exterior, falei com o John May, que editou o jornal britânico Frendz durante a década de 70. Boa parte dos editores desses jornais já faleceram, infelizmente. Leio algumas entrevistas, vejo vídeos, mas contato mesmo só tive com esses. Os três me relataram experiências bem diferentes, mesmo os brasileiros.
No geral, falaram sobre a dificuldade de conseguir informações e como que as revistas gringas como a NME serviam para saber o que acontecia lá fora, além das questões da falta de dinheiro, volume baixo de vendas e de como era difícil tratar de alguns temas. No fim, disseram que era divertido, eram jovens jornalistas e faziam aquilo por acreditar no que se publicava, estavam tentando construir uma carreira. Tinha algo de despretensioso naquilo. Já o John May me contou sobre seu apreço pela tropicália, sobre os brasileiros exilados em Londres, as drogas e a cena cultural britânica que os jornais relatavam. Falaram daquilo com ternura, acredito que são lembranças boas para eles.
Recomenda alguma leitura sobre o assunto?
Tenho algumas leituras que me ajudaram a abrir a cabeça e me dedicar mais à pesquisa! Uma delas é o livro do historiador John McMillian Smoking typewriters, que é um panorama da imprensa alternativa, só que com foco nos EUA. No Brasil, tem o livro do Sérgio Cohn, chamado Revistas de invenção que é um compilado, espécie de catálogo de impressos brasileiros com viés experimental desde a década de 20 até os anos 2000. A Elizabeth Nelson tem um livro sobre imprensa underground britânica, o British counterculture 1966-73.
Recentemente, duas sociólogas argentinas publicaram um artigo bem legal sobre imprensa e experiências contraculturais na América Latina, o nome é Experiencias contraculturales en Argentina y Bolivia: conexiones dispersas en contextos de opresión. Tem uma grande lista de leituras, mas acho que essas indicações servem pra entender um pouco sobre cada continente. Ainda preciso descobrir leituras sobre a Ásia!
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?