Cultura Pop
Quando a Sub Pop investiu em Halifax, a “nova Seattle” do Canadá
Se você nunca ouviu falar no Halifax Pop Explosion, ele é um misto de festival de música pop e série de conferências que acontece todo ano, desde 1993, geralmente duas semanas após o Dia de Ação de Graças, no Canadá – na cidade de Halifax, Nova Escócia. Em 2019, ele está agendado para acontecer entre os dias 23 e 26 de outubro. Até o momento, o primeiro artista anunciado para a nova edição é a banda punk canadense Pup, que está lançando seu terceiro disco, Morbid stuff.
No ano passado, o festival teve como uma das suas atrações uma cantora de origem colombiana, Lido Pimienta. Lá pelas tantas, em seu show, Lido pediu que apenas pessoas negras fossem para perto do palco. Um fotógrafo de cor branca que estava cobrindo o show não entendeu que teria que atender o pedido e Lido reclamou na frente do público. Isso abriu uma discussão que quebrou a internet da comunidade musical do Canadá por alguns dias. Aí embaixo tem um vídeo com um debate de dois youtubers sobre a situação (em inglês).
Você pode nunca ter escutado falar desse festival, mas ele ajudou a moldar a cena de pop-rock canadense dos anos 1990. A ponto de “Halifax Pop Explosion” ter virado um genérico para batizar toda a cena local da época – que era formada basicamente por grupos de punk e power pop, na rabeira do grunge. O evento foi montado pelo empresário Peter Rowan e pelo promotor Greg Clark, numa época em que o Canadá estava tão cheio de novos nomes do rock que tinha revista e jornal até chamando Halifax de “a nova Seattle”.
“A percepção dos habitantes da Costa Oeste como nada mais do que violonistas fiddler e pescadores era totalmente errada”, fazia questão de afirmar Rowan. Isso numa época (diz o livro Have not been the same: The CanRock renaissance 1985-1995, de Michael Barclay, Ian A. D. Jack e Jason Schneider) em que Halifax era costumeiramente deixada de lado nas escalas de shows das grandes bandas – que preferiam ir para Montreal, quinze horas distante de lá. Bem antes do festival começar, em 1977/1978, já havia uma noção de que o som local apontava para o punk-pop, graças a bandas locais como Nobody’s Heroes e Trash Kanz.
Uma banda local que teve influência decisiva na cena dos anos 1990 foram os Jellyfishbabies, uma banda surgida em 1986 em Halifax, influenciadíssima por nomes como Hüsker Dü e Soul Asylum. Há pouco material deles no YouTube. Pega ai o primeiro álbum deles, de 1986.
Havia uma real expectativa de que rolasse mesmo um estouro mundial da música feita na cidade. Um dos nomes mais bem sucedidos da região até hoje é o Sloan, banda de rock alternativo e power pop surgida em 1991, que foi contratada pela mesma gravadora que mandou o Nirvana para as paradas (a Geffen Records). Olha aí um single deles dessa época, Underwhelmed.
O disco mais recente do Sloan, 12, saiu no ano passado. O grupo não esquentou muito banco na Geffen e acabou lançando boa parte de sua discografia por seu próprio selo, Murderecords.
Mas o que interessa aqui é que a sempre atenta Sub Pop, de Seattle, não deixou de prestar atenção da cena de Halifax e em 1993 lançou um EPzinho com quatro bandas locais. Never mind the molluscs saiu em single duplo, com uma faixa de cada lado.
O Sloan abre a seleção com Pillow fight. O Jale, banda que duraria apenas quatro anos (de 1992 a 1996) e seria contratada pela Sub Pop, vem com Lung. Eric’s Trip, que já tinha lançamentos autobancados e também iria para a lista de contratados da Sub Pop (e existe até hoje), teve a brilhante ideia de unir duas faixas numa só: a acústica Blue sky for Julie e a punk Smother. Fechando o pacote, a mais intrigante das bandas: os franco-canadenses do Idée du Nord, que lançariam apenas um CD independente e dois álbuns em K7 (além de alguns singles), e aparecem com a percussiva Iodine eyes.
Achar essa coletânea inteira no YouTube é impossível – só duas das quatro faixas estão lá. Subimos as quatro músicas no Mixcloud, mas não conta pra ninguém. 🙂
Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
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