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Cinema

Sambalanço na telinha

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Você sabe o que é sambalanço? Relaxe: até mesmo as maiores cabeças do movimento não tinham tanta ideia do que era esse estilo musical, que fazia sucesso quando Ed Lincoln era rei dos bailes, e artistas como Silvio Cesar e Orlandivo vendiam discos a rodo. E que foi comandado por músicos competentes que era também bons de humor (Paulo Silvino, pra você ver, fez parte da turma) e botavam todo mundo para dançar.

O estilo, que surgiu nos anos 1960 como uma espécie de outro lado da bossa nova, menos intelectualizado, mais agregador e dançante, ganhou em 2019 o filme Sambalanço, a bossa que dança, de Fabiano Maciel e Tárik de Souza, que já foi exibido no festival In-Edit e chega nesta quarta (19) ao Canal Brasil, às 20h – com reexibições na quinta (20), às 16h55, sexta (21), às 15h20, e segunda (24), às 13h40. Em seguida, ele entra na Globoplay.

O filme foi feito ao mesmo tempo em que Tárik escrevia Sambalanço – A bossa que dança: Um mosaico, lançado em 2016 pela editora Kuarup, mas acabou atrasando. E traz, além das entrevistas com vários nomes do estilo, um material raríssimo: trechos da série de shows organizada pelo músico e historiador Henrique Cazes no Centro Cultural Banco do Brasil em 2003, com uma verdadeira mega-liga da bossa dançante (Orlandivo, Ed Lincoln, Durval Ferreira, Wilson das Neves e muitos outros).

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Com raras exceções, vários desses artistas já não estão mais vivos, o que torna o material mais emocionante ainda. “A ideia do filme é difundir e delimitar o movimento, fazer com que as pessoas saibam o que aconteceu, quando foi, quem fez o que”, conta Tárik de Souza, roteirista do filme, que bateu um papo com a gente.

POP FANTASMA: Logo na abertura, o Eumir Deodato (um dos criadores do estilo) fica com certa dúvida e até certa desconfiança quando você fala com ele do sambalanço. Como você viu essa reação dele, e por que você escolheu justamente essa fala para começar?
TÁRIK DE SOUZA: Aquela fala é muito significativa porque quase ninguém sabe o que é sambalanço. Foi um movimento que não foi movimento, que não chegou a ser caracterizado assim. Como era uma música dançante, não era uma coisa conceitual, ele aconteceu paralelo a bossa nova, com alguns músicos da bossa tocando nos dois movimentos. Como o Durval Ferreira, que foi o “quarto mosqueteiro” do Tamba Trio, e ao mesmo tempo ele tocava com Ed Lincoln.

O Ed quando começou foi baixista do Luiz Eça, o Luiz tinha um trio no Plaza que era ele no piano, o Ed no contrabaixo e o Paulo Ney na guitarra. Era um trio sem bateria. Então o Eumir Deodato, por incrível que pareça, era um cara tipicamente da bossa nova, um super arranjador, um músico sofisticadíssimo, um pianista incrível… Mas ele fez três ou quatro discos chamados Os Catedráticos, nos quais ele tocava órgão e tocava exatamente no estilo do Ed Lincoln, porque ele queria fazer aquele tipo de balanço.

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O cara da gravadora Equipe chamou o Ed porque ele estava fazendo muito sucesso. Pra você ter uma ideia, naquela época, quem mandava nas festinhas era o Ray Conniff, que tocava aquela música padronizada. E de repente o Ed Lincoln estourou e começou a tocar nas festas. Conseguiu fazer um tipo de samba embalado, eletrônico, com órgão Hammond, e conseguiu sucesso popular. Aliás ele, Miltinho, Elza Soares…

Então, o sambalanço teve esse sucesso incrível mas nunca foi conceituado. Por isso fiz essa pergunta pro Eumir e ele não soube responder. E ele fez parte do sambalanço!

A crítica não viu muito o que aconteceu no movimento, certo? Exatamente. Tem muitas coisas que vão acontecendo que a crítica não se interessa. Por exemplo, a toada moderna, que foi uma coisa que aconteceu na mesma época da pilantragem. Ela foi uma espécie de pilantragem da turma da MPB. Tem alguns movimentos que acontecem e as pessoas não prestam atenção. Mas o sambalanço não foi nada pequeno, porque ele começa no início dos anos 1950 e vai até meados dos anos 1960. E com muita gente envolvida. E eu fiquei muito contente quando encontrei uma contracapa de disco em que o Haroldo Barbosa conceitua o sambalanço. Coloquei isso na abertura do meu livro.

Um dos poucos caras que conceituaram o sambalanço também foi o Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, porque ele era crítico de música. E ele era sobrinho do Lucio Rangel, que foi um dos pioneiros da crítica musical. E ele era ortodoxo, como o Lucio Rangel também: não gostava da bossa nova. O Lucio não gostava da bossa nova, embora fosse amigo do Vinicius de Moraes e o tivesse apresentado ao Tom Jobim. Ele gostava mesmo era do samba tradicional.

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E o que aconteceu? O Sergio Porto fez as duas contracapas dos dois primeiros discos do Silvio Cesar. Ele gostou muito do Silvio porque era um samba diferente mas não era bossa nova. Então na contracapa ele fala isso: “O Silvio Cesar sambalança na música tal, me desculpe o neologismo”. O Sergio Porto foi um dos criadores desse termo, que muita gente chama de balanço. Tanto que tem aquela música do Roberto e Erasmo Carlos, Toque balanço moço. Muita gente chamava esse movimento de balanço, embora o nome tenha sido usado pela bossa nova, desde Garota de Ipanema, ou em Balanço Zona Sul, que o Tito Madi fez…

Que o Wilson Simonal gravou… Isso, mas em Garota de Ipanema também, “o seu balançado é maior que um poema”, “o doce balanço a caminho do mar”. Mas só que o sambalanço é uma coisa à parte. Eu justamente quis fazer essa separação, quis conceituar isso e fiz inicialmente um ensaio para a revista da USP. Eles gostaram muito porque nunca ninguém tinha falado desse assunto. Resolvi desenvolver, fazer um livro e com o Fabiano resolvemos fazer um filme. Só que o filme demorou pra caramba, era para sair junto com o livro. Estão interligados, tem algumas entrevistas que estão no livro e estão no filme.

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O filme dá esse aspecto de documento, até por apresentar um trecho de show do Ed Lincoln no CCBB em 2003, com vários artistas. Vários dos músicos que estão lá já morreram, inclusive… Elza Soares ainda tá aí, tem alguns que estão aí. Mas o Ed Lincoln, aquele show dele, é uma raridade absoluta. Porque ele não fazia show em teatro, só em baile. Ele não fazia show pra classe média ouvir, pro cara ficar sentado ouvindo. O show dele era rigorosamente dançante, daí o nome Sambalanço – A bossa que dança. O Henrique Cazes fez uma série no CCBB onde ele justamente pegou o sambalanço e colocou no palco. E pela primeira vez o Ed Lincoln tocou num teatro. Aliás primeira e última, porque o Ed já estava muito doente.

E o sambalanço unia a cidade, ele era tocado na Zona Sul, na Zona Norte. O Túnel Rebouças foi inaugurado em 1962 e antes disso já tinha o sambalanço promovendo essa união, certo? Sim. O Ed Lincoln tocava muito no clube Mackenzie, no Méier. O pessoal ia muito pra Zona Norte, tinha muitos bailes na Zona Norte com o sambalanço. E o Miltinho foi no começo dos anos 1960 uma espécie de Roberto Carlos da época, porque tudo que ele gravava ia para as paradas de sucesso. É claro que nem tudo que ele gravou era sambalanço. Ele gravou também sambas-canções, canções mais lentas. mas quando ele gravou sambalanço, tudo que ele gravou estourou. E a Elza Soares também. A Elza apareceu em 1959, Miltinho também no fim dos anos 1950.

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O sambalanço tinha também muito humor, tanto que tinha o Paulo Silvino como um dos participantes, o João Roberto Kelly. Isso ajudou a popularizar o estilo? Isso é interessante e eu fiz questão de colocar no filme e no livro: tem uma música do Orlandivo que é conceituadora do estilo dele. Ele fala: “Eu faço samba pra brincar”. É um contraste com a bossa nova, que fazia um samba sério, que o cara sentava pra ouvir, aquela coisa toda. Eles não, eles faziam um samba brincante, dançante, com muito molho e tal, e foram pioneiros na utilização de instrumentos eletrônicos no samba. O órgão Hammond, o Solovox, que era um pré-sintetizador, fazia várias vozes, vários sons… O Djalma Ferreira, que foi o primeiro cara do sambalanço, gravou uma música chamada Bicharada, onde ele imita o sons de vários bichos latindo, cacarejando, e tudo tirado do Solovox.

Tem um negócio interessante que infelizmente não entrou no filme, mas tá no livro: o Lafayette, que era o principal organista da jovem guarda, era fanático pelo Ed Lincoln. Quando o Lafayette estourou com gravações do Roberto, Não quero ver você triste, aquelas músicas todas, o Evandro falou pra ele: “Olha, você pode fazer um disco solo com seu nome”. O primeiro que ele fez foi um disco de sambalanço. Ele inclusive foi ao Durval Ferreira pedir uma música e Roberto e Erasmo fizeram para ele a música Toque balanço, moço. E tem também o Celso Murilo, o cara que veio na sucessão do Ed Lincoln. Todo mundo que tocava órgão nessa época, veio nesse estilo de fazer o samba no órgão. De usar o órgão como instrumento percussivo também.

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Um detalhe é que na época você não tinha nem gravadoras multinacionais fortes no mercado, e esse movimento foi forte nas gravadoras independentes, não? É, exatamente. Na discografia do meu livro você vai ver que são selos pequenos, como o Paval. Um dos primeiros discos do Celso Murilo que saiu pela Paval, Uma noite no Drink, o crooner era um tal de Wilson Simonal! Ele tava começando e gravou sambalanço. Era uma mistura, a bossa e o sambalanço estão muito integradas. O sambalanço ainda tinha a característica da coisa caribenha, a percussão caribenha. Tem nomes como Rubens Bassini, Jorge Arena…

E tem o Jadir de Castro, excelente baterista que criou duas composições que tocaram no mundo inteiro, e nós conseguimos entrevistá-lo de maneira terrível. Ele estava muito mal de saúde, muito mal mesmo. Quando ele chegou para a entrevista no Beco das Garrafas, vi que ele estava muito mal. Ficamos em dúvida se ele ia conseguir fazer a entrevista. Mas fizemos a entrevista e ele morreu dez dias depois! Um grande músico, grande baterista, que introduziu muitas coisas diferentes na bateria, e que participou do primeiro filme da Brigitte Bardot, E deus criou a mulher. São coisas que vão passando e as pessoas não prestam atenção.

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O que ficou dessa onda do sambalanço depois? O Ed Lincoln ainda gravou por alguns anos, até na CID. Que aliás virou uma gravadora desse pessoal, o Durval Ferreira trabalhou lá… O Ed Lincoln criou um selo, o De Savoya. Aliás, alguns dos primeiros discos do sambalanço foram lançados em selos independentes criados pelo próprio pessoal do sambalanço. Como o selo Drink, do Djalma Ferreira, e o selo Arpége, do Waldir Calmon, que foi também um cara do estilo e foi um cara importante do órgão e do solovox. Teve muita gente que mexeu nessa área do sambalanço, foi um grande laboratório que aconteceu paralelo à bossa nova e as pessoas não prestaram muita atenção, porque a bossa nova era feita por intelectuais, tinha mais espaço na mídia.

Era uma coisa mais conceitual, você vê que tinham 500 músicas da bossa nova falando o que é bossa nova. As próprias letras discutem o que é bossa nova. Teve um debate dentro da bossa a respeito de questões políticas. O sambalanço nao tinha nada disso, era uma coisa dançante, despreocupada. O Desafinado do sambalanço era uma música chamada Miss Balanço, do Helton Menezes, que era um compositor misterioso. Essa música abre o filme. Foi dificílimo levantar coisas sobre ele. Muita gente faz confusão com o Elton Medeiros.

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A ideia do filme é difundir e delimitar o movimento, fazer com que as pessoas saibam o que aconteceu, quando foi, quem fez o que. Até o Garrincha fez uma música para a Elza Soares sobre balanço! Foi gravada pela Elza Soares. Carlos Imperial fez sambalanço, até o Geraldo Filme, compositor de samba paulista, superortodoxo, fez. Jackson do Pandeiro também. É um negócio incrível.

Por que houve o esquecimento do balanço? Ele teve o ciclo dele, como a bossa nova teve o ciclo dela. A bossa nova em meados da década de 1960 no Brasil, morreu. Continuou forte no exterior e até hoje ela é forte no Japão, por exemplo. Mas no Brasil ela morreu por volta de 1965, 1966, embora o Tom Jobim tenha gravado o disco dele com o Frank Sinatra em 1967. Quando ele gravou com Sinatra, a bossa no Brasil já era considerado passado.

Mas pra você ter uma ideia de até onde chegou o sambalanço, a Roberta Sá gravou com Marcelo D2 Samba do balanço de Haroldo Barbosa e Luis Reis. Ele chegou até o rap! Ele foi contrabandeado pros EUA junto com a bossa. Então gravaram algumas composições do Djalma Ferreira do Ed Lincoln no exterior. Vi um filme do Woody Allen há pouco tempo que tinha uma música do Djalma Ferreira (Scoop – O grande furo, com Recado na trilha). O filme do Pelé que está na Netflix termina com uma música do Orlandivo e do Djalma Ferreira.

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Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

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Urgente!: Cinema pop – "Onda nova" de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.

Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.

O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).

Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.

Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.

*****

Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.

A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.

Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.

Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo –  caso ainda esteja em cartaz.

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Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

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Urgente!: Filme "Máquina do tempo" leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.

As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.

E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.

Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.

O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).

Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.

A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.

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Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”
  • Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
  • Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.

Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.

A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.

O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.

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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.

De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.

Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.

Nota: 7
Gravadora: Interscope.

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