Crítica
Ouvimos: Panda Bear, “Sinister grift”

Noah Lennox, “o” Panda Bear, vive há 21 anos em Lisboa, Portugal – onde casou com a estilista Fernanda Pereira, de quem se divorciou há pouco. Nadja, filha do casal, solta versos em português em Anywhere but here, segunda faixa de Sinister grift (oitavo álbum de Panda Bear). E o clima dos tais versos é mais do que apenas triste – é revelador a respeito do clima do álbum e, talvez, da separação do casal: “nosso dever na vida/consiste em agir bem (…) / tratar bem, independente do retorno / pois o que os outros fazem / não cabe a nós”.
Seja lá o que tenha acontecido na vida do casal e dos filhos, Sinister grift sai triste, contemplativo e cheio daqueles momentos em que a única coisa a se convencer é de que nem tudo pode ser perfeito. É um disco que, musicalmente, deve mais a Resets (disco de 2022, gravado pelo Panda com o Sonic Boom, da banda Spacemen 3) do que a todos os outros do projeto. No início, o som do álbum é repleto de psicodelia meio beatle-meio Beach Boys, cabendo o tom bubblegum de Praise, o clima de balada blues de Anywhere but here, o samba-rock-reggae lisérgico 50 mg (um hino da conformidade, aberto com o verso “não é o que eu quero, é o que eu tenho”) e o pop abolerado de Ends meet – que soa como uma releitura “moderninha” dos Beatles do White album, com guitarras mágicas e uma intromissão sonora no meio da faixa.
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Dando uma voada rápida pelas resenhas já publicadas de Sinister grift, dá para achar pelo menos um texto bem amargo em relação ao disco – Franz Mauerer, da revista alemã Laut.de, desprezou o álbum, disse que se trata de um lançamento “chato” e “previsível”, e nada além disso. A verdade é que se trata de um daqueles discos que refletem tanto o momento de seu criador que… Enfim, sei lá o que Noah vai estar achando, daqui a uns 20 anos, de ter lançado neste álbum uma pérola de psicodelia perdida chamada Elegy for Noah Lou, uma espécie de epitáfio autorreferente e tristonho ao extremo (“nunca soube meu lugar / procurando um amor que é de graça/ levado pela força da tempestade/ procurando por um abraço que seja quente”).
Essa música, personalizada pelo clima fantasmagórico e por uns teclados em clima de bad trip, faz parte da segunda porção do álbum – que consegue ser mais cabisbaixa e experimental que as primeiras faixas, e é dotada de uma beleza extremamente melancólica. Just as well tem clima 60’s, com ritmo difuso, pouco usual, e clima lembrando o discos solo de David Crosby, além de teclados que sugerem algo quase mágico na faixa. Crosby parece pairar também em Venom’s in, uma balada desolada repleta de doçura sessentista. Left in the cold é fria como o título sugere e é marcada pelo clima quase meditativo. E ao lado de Cindy Lee, Panda Bear encara as guitarras estilingadas e o tom mais prototipicamente roqueiro da última faixa, Defense.
Sinister grift engorda o enorme contingente de discos masculinos feitos após uma separação – e que costumam misturar raiva, amor, negação e uma desolação quase infantil. Em termos de música e de letra, o que surge na cara do/da ouvinte no álbum é uma gangorra de sentimentos, além de uma musicalidade um tanto amarga – mas que, ao contrário do que disse a tal resenha escrita na Alemanha, está bem longe da chatice.
Nota: 8
Gravadora: Domino Recording Co.
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Jethro Tull, “Curious ruminant”

Tem certas bandas que, se resolverem modernizar seu som nem que seja um pouquinho, podem acabar fazendo besteira. Até que não é o caso do Jethro Tull, que quando se meteu a chegar perto até do synthpop, fez um disco bem interessante – Under wraps, de 1984, mas acho que sou um dos raros fãs do JT que realmente gostam desse álbum.
Dito isso, Curious ruminant, 24º álbum do Jethro, traz certo alívio para fãs antigos da banda: mesmo estando distante de obras como Aqualung (1971), traz Ian Anderson e seus chapas mergulhando em sua musicalidade clássica sem nem pensar duas vezes. Dos álbuns que o grupo lançou depois que o nome “Jethro Tull” foi retomado, é o mais progressivo, e o que faz o melhor retorno a um velho hábito do grupo: criar parábolas na hora de falar sobre a passagem do tempo, a loucura nossa de cada dia, e até mesmo fatos políticos e atuais – quase sempre enxergando tudo como um imenso jogo de xadrez.
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É o que a banda faz, dando voz às dúvidas existenciais da faixa-título, comentando as guerras no Oriente Médio em Over Jerusalem. Ou metendo o pau na irracionalidade do mundo em Puppet and puppet maaster e na quilométrica Drink from the same well (nesta faixa, são dezessete minutos de viagem musical, sendo que a voz de Ian só surge lá pela metade). Ou inserindo um pouco de espiritualidade na história, na relaxante e quase declamada Interim sleep, que encerra o álbum.
Musicalmente, o Jethro Tull volta combinando o fôlego eterno de Ian como cantor e flautista, a instrumentos como bandolim, piano, violão tenor, acordeon e cajón – dando uma impressão, quase sempre, de música construída na madeira e no vento. Puppet and puppet master e a faixa-título são abertas por solos de piano (no caso da segunda, ameaça rolar algo na linha do Supertramp, impressão esta que se desfaz quanto entra a flauta de Ian). O estranhamento disso tudo é que Drink from the same well, com seus quase vinte minutos, acaba meio de repente – como uma história boa que tem um final meio decepcionante.
O disco vai seguindo com temas quase gregos (Stygian hand, uma história cotada com percussões, violão e flauta) e com um blues-folk sombrio (Savannah of Paddingon Green). Já The tipu house faz lembrar um pouco a parte mais agitada do hit Aqualung, Stugian hand tem clima grego, enquanto Dunsinane Hill, aberta com flauta e acordeon, é perfeita para observar planícies e montanhas em volta – ou imaginar tudo isso, como muitas vezes pede o som do Jethro Tull.
Nota: 8,5
Gravadora: InsideOutMusic
Lançamento: 7 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Marshall Allen, “New dawn”

O “novo amanhecer” de Marshall Allen não é apenas uma mera figura de linguagem. Saxofonista e multi-instrumentista, comandante da Arkestra do jazzista espacial Sun Ra desde a morte dele (ocorrida em 1993), ele lança New dawn, sua estreia solo, aos cem (!) anos. Deve ser o único caso de músico que começou uma carreira, ou pelo menos uma nova fase de carreira, nesta idade. E a vitalidade, necessária para o início de uma outra história, salta aos olhos e ouvidos nos 40 minutos do álbum.
Marshall, antes de ser um músico excepcional, era um dos discípulos mais aplicados de Sun Ra, um sujeito que misturava jazz, espiritualidade, afrofuturismo, papos extraterrestres e protesto. No documentário Sun Ra: A joyful noise, dirigido por Robert Mugge, Sun aparece na porta da Casa Branca, em Washington DC, soltando o verbo: “Estou sentado em frente à Casa Branca olhando para o outro lado da rua, e não vejo a Casa Negra. Você não pode ter nada sem seu paralelo e seu oposto. Isso é algo que as pessoas da Terra desconhecem”, vociferou.
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New dawn, um disco de jazz espiritualista e (vá lá) psicodélico, deixa transparecer essa relação com as ideias do mestre de Marshall em títulos de músicas, e em escolhas musicais. African sunset, uma jazz-bossa espacial, representa o nascer do dia com música introspectiva e solar, e com um zumbido de um theremin, que volta e meia surge na faixa. E aparece também em Angels and demons at play, jazz ocultista em que baixo e bateria circulam em meio a solos de Allen e sua turma – Michael Ray e Cecil Brooks (trompete), Jamaaladeen Tacuma (baixo), Bruce Edwards (guitarra) e George Gray (bateria), entre outros.
A música título, única faixa a ter letra, conta com os vocais de Neneh Cherry e é um jazz gospel mágico e dissonante, pregando que “um novo amanhecer espera por você”. Sonny’s dance traz todo o caos ordenado pregado pela Arkestra, assumindo um clima menos intranquilo na sequência. Are you ready é som de big band, que adquire um aspecto sinfônico e mágico quando as cordas entram. Destaque também para o afro-jazz de Boma, aberta com baixo e percussão, abrindo caminho para a entrada de metais.
Cem anos de vida, mais de sete décadas de música. E, ainda assim, Marshall Allen segue olhando para frente, sem esquecer do passado. New dawn não é um ponto final, é mais um capítulo de uma jornada cósmica que continua a nos surpreender.
Nota: 10
Gravadora: Mexican Summer
Lançamento: 14 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Lathums, “Matter does not define”

Vindos de Wigan, cidade a meio caminho entre Manchester e Liverpool, os Lathums parecem um híbrido da música dos dois locais – e isso fica evidente no terceiro disco, Matter does not define. No Reino Unido, a banda já conquistou um bom espaço: abriu shows para os Killers, tocou em estádios antes de partidas de futebol e tem uma base de fãs fiel. Outra curiosidade é que o grupo surgiu de um projeto de uma escola de música – os integrantes foram reunidos por um tutor da instituição e, a partir daí, começaram a tocar juntos.
Por acaso ou não, este novo álbum marca um retorno às origens, já que John Kettle, o tal “tutor” da banda, divide a produção com Chris Taylor. O resultado se situa entre o pós-punk e um clima sessentista, evidente em faixas como Leave no stone unturned, uma balada nostálgica que remete a Paul McCartney, e Stellar cast, um indie pop com batida ska sutil, lembrando o início dos Kaiser Chiefs.
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O disco também se inclina bastante para o power pop, com músicas como Heartbreaker, No directions, Refections of lessons left (a “faixa-título” do disco, dos versos: “quando eles aprenderão que não é a matéria o que define um ser?/são os reflexos das lições que eles deixam”), Dynamite (que evoca os Raspberries) e Unrequited love, uma balada que tem muito de Big Star e também tem muito de Bon Jovi. São essas faixas que melhor definem a identidade sonora do álbum.
Na reta final, os Lathums exploram outros territórios: há influências de country, com o slide guitar de Knocking at your door; de pub rock, na animada The jester, que lembra a one-hit wonder Sister Hazel; e até um baladão nostálgico, Surrounded by beauty, que soa como uma mistura de The ballad of John and Yoko (Beatles) com It’s now or never (Elvis Presley). A escorregada vem justamente na última faixa, Long shadows, um blues-rock chatinho que lembra os momentos menos inspirados de Eric Clapton. Um raro tropeço num disco cheio de boas cartas na manga, vale dizer.
Nota: 8
Gravadora: Modern Sky UK/Island
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.
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