Crítica
Ouvimos: Miles Kane, “One man band”

- One man band é o quinto disco solo do britânico Miles Kane, um cantor e compositor que já foi recomendação do nosso podcast Pop Fantasma Documento (no episódio sobre Tears For Fears). O produtor é James Skelly, vocalista da banda The Coral e primo de Miles. Após discos pela Sony, Virgin e BMG, Miles faz parte hoje do elenco do selo indie Modern Sky.
- Ian Skelly, irmão de James (e também primo de Miles, claro) toca bateria no disco. De brincadeira, Miles disse que se trata de “um caso de família” e diz ter adorado trabalhar dessa forma.
- Miles, você deve saber, é até hoje um integrante do Last Shadow Puppets, ao lado de Alex Turner (Arctic Monkeys). Foi também integrante dos Rascals, que já encerraram atividades.
- Apesar de One man band ser um disco roqueiro e explosivo, Miles encara seu novo álbum como um lançamento introspectivo. ” É como me olhar no espelho e reconhecer minhas falhas, meus medos e mostrar minha jornada”, disse ao New Musical Express, falando especificamente sobre Troubled son, a música de abertura.
“O melhor ainda está por vir”, diz a segunda faixa (The best is yet to come) deste One man band. Pode ser que esteja mesmo: Miles Kane tem excelentes projetos, boa mão para compor, star quality e voz de astro britânico do rock – é daqueles cantores que fazem você parar para ver qualquer coisa que ele esteja fazendo, na linha de Paul Weller e Bryan Ferry. O melhor já esteve por aí: Change the show, disco anterior de Miles (2022), era um grande álbum, com uma estampa mod tanto musical quanto visualmente, herdeiro simultaneamente de The Jam, Tears For Fears, Squeeze (por que não?) e do indie rock dos anos 2000.
One man band tem lá suas surpresas. A nostálgica e urgente Baggio, homenagem ao jogador de futebol, contagia. The best is yet to come é uma excelente new wave da new wave. Double é boa de pista (ao que parece) e reza na cartilha de bandas como The Jam e suas influências da Motown (tem a mesma levada de A town called malice). Tem Ransom e Never taking me alive, boas de briga por espaço nas rádios. O álbum termina com Scared of love, balada entre o folk e o soul, boa canção, mas que pela curta duração do disco (33 minutos) soa como uma quase faixa bônus que tira o espaço de algo mais substancioso.
O novo disco de Miles está longe de ser um álbum ruim, claro. Na real, é a maneira que o cantor encontrou para celebrar sua geração, a do começo dos anos 2000, a turma que recriou o “indie rock” como um estado de espírito, um recado musical. Os arranjos de algumas faixas lembram os melhores momentos do Franz Ferdinand, ou de bandas excelentes que passaram de sapato alto pelas paradas, como os Kaiser Chiefs (Troubled son, a faixa de abertura, lembra uma versão power pop dos KC). Sobram ideias boas, mas falta algo no conjunto – talvez a canção que balize o disco, aquele detalhe que torna o disco uma experiência realmente apaixonante. Enquanto isso, ouça e aguarde.
Gravadora: Modern Sky
Nota: 6,5
Foto: Reprodução da capa do disco
Crítica
Ouvimos: Residents, “Doctor Dark”

Morto em 2018, Hardy Fox era um dos raros integrantes dos Residents que costumavam ter seu nome citado em matérias sobre o grupo – que sempre tentou trabalhar secretamente, não revelando nem mesmo as identidades de seus integrantes, escondidos atrás da famosa máscara de globo ocular usada em shows e aparições públicas.
Sua partida é o combustível de Doctor Dark, novo disco dos Residents, espécie de ópera-rock de terror musical, falando sobre temas “agradáveis” como morte, eutanásia, abuso de drogas, suicídio e assassinatos. Para dar o tom sombrio da coisa, os Residents chamaram músicos do Conservatório de São Francisco.
O resultado é uma trilha sonora tensa, quase cinematográfica, como em White guys with guns — que, além de cordas ameaçadoras, traz ruídos de tiros — e Maggot remembers, que evolui para um híbrido de industrial e stoner rock. Em The gift, as cordas soam tristes e fúnebres, lembrando os momentos mais sombrios de Berlin, de Lou Reed.
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Por trás das faixas, há outro subtexto inquietante: o famoso julgamento da banda de heavy metal Judas Priest em 1990, quando a banda foi acusada de incitar suicídios com mensagens subliminares. Tension, que soa como um conto infantil em seu momento mais assustador, fala diretamente disso. O mesmo vale para She was never lovelier e Remembering mother, que têm o clima gélido de um funeral.
Tem espaço até para um momento quase amigável: Ol’ man river tem um quê de rock progressivo à moda da banda canadense FM — embora, claro, com o selo de bizarrice habitual dos Residents. E o fim da faixa já emenda em Take me to the river, uma avalanche de ruídos que lembram uma guerra de balas traçantes.
Doctor Dark é aquele disco que até os fãs mais fiéis vão ouvir com fascínio — mas provavelmente só ouvirão uma vez. Intenso, desconfortável e profundamente perturbador, é uma obra que encara de frente temas que muita gente prefere manter à distância. Mas, enfim, os Residents não vieram ao mundo para fazer concessões.
Nota: 7
Gravadora: Cryptic Corp
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Tigre Robô, “Telefone pra cachorro”

Muito do que está no primeiro disco do Tigre Robô, Telefone pra cachorro, confirma uma velha teoria nossa: bandas como Wire, The Fall e Public Image Ltd talvez sejam mesmo algumas das mais influentes da história. Com apenas onze faixas e nenhuma enrolação, o álbum da banda brasiliense mistura pós-punk de quarto com o experimentalismo lo-fi do Weatherday — como na abertura, Desconforto.
Há espaço também para uma mescla esperta de punk e rap, como em Atlas, com o excelente verso “como se dança com o mundo nas costas?”. A faixa remete a Akira S & As Garotas Que Erraram, e só não parece ainda mais com eles porque destaca uma guitarra — econômica, seca, honrando o pós-punk.
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O Tigre Robô, aliás, parece gostar de contrariar expectativas: Desperdício é punk de garagem que soa como o já citado Wire, ou como um Titãs alternativo, gravado na tora e meio bêbado. Definitivamente um indivíduo traz um baixo herdado da disco music (pense em Gang Of Four) e uma letra crua, com versos como “não sou uma ideia formada de certezas” e “nos fluidos pegajosos escorrem gosmentos os meus desejos”.
Carne de pescoço é blues rock ruidoso que remete à Patife Band – e que parece uma faixa gravada numa máquina de oito canais, em 1985, pronta para ser lançada num LP independente. Já Desconserto tem pegada power pop, melodia que flerta com os Beatles e uma vibe que, curiosamente, lembra o Blur dos primeiros discos.
Na salada sonora do Tigre Robô, ainda cabe Turismo, um punk com teclados e baixo em diálogo, na linha dos Stranglers. E uma pequena joia quase psicodélica: Todos seus amigos são supermodelos, que começa como se o Jefferson Airplane tivesse caído no punk e prossegue com solos de guitarra tomando o comando.
Nota: 9
Gravadora: Manga Rec
Lançamento: 20 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Kill Your Boyfriend, “Disco kills” (EP)

A dupla italiana Kill Your Boyfriend se autodefine como pós-punk, mas vai muito além dessa etiqueta em Disco kills, EP cujo título já dá uma pista do que vem pela frente. Influenciados por nomes como New Order, Kraftwerk e Giorgio Moroder, os dois transitam entre o rock industrial e eletrônico — como na faixa de abertura Ego, marcada por um grave que faz as vezes de baixo — e uma disco music mal-humorada, com tempero punk. Obsession, por exemplo, parece um encontro tenso entre Depeche Mode e Ministry, definindo bem os dois polos que sustentam o EP.
Apathy, com batida acelerada que flerta com o dubstep, entrega uma house music industrial nervosa, com uma letra curta e direta que chega quase como um rap — mais uma vez na trilha do Ministry. Illusion gira em torno de um riff grave e distorcido, com vocais simplificados e letra mínima. Discretion começa com um batidão eletrônico que ganha a companhia de um synth agitado, e tem ritmo pulado como num country-metal-dance.
No encerramento, a vibe sombria dá lugar a Youth, que se aproxima da dance music e do hi-NRG graças aos teclados cintilantes — embora os vocais ainda sejam marcados por ecos góticos. Um EP sujo, pesado, cheio de boas referências e, acima de tudo, divertido.
Nota: 8,5
Gravadora: Sister 9 Recordings
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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