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Crítica

Ouvimos: Letrux, “Letrux como mulher girafa”

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Ouvimos: Letrux, "Letrux como mulher girafa"
  • Terceiro disco de Letrux, Como mulher girafa seguiu na contramão dos lançamentos atuais e saiu sem nenhum single a antecedê-lo. O disco tem produção de João Brasil.
  • “O animal não tem intelecto e não é racional, mas conserva em si uma complexidade enorme. Fiquei com a sensação de que eles são mais crus, mais diretos, com hábitos e expressões específicas. Por isso quis que as canções carregassem essa simplicidade”, disse Leticia Novaes (a Letrux) ao site Monkey Buzz, falando do disco.
  • “Tenho 1,85 de altura e por um tempo ‘girafa’ foi um apelido pejorativo que ganhei. Logo percebi que girafa era um bicho lindo e quem me chamasse assim, estava, na verdade, me elogiando”, conta no texto de apresentação do disco.

Dá pra ouvir um tom de Clementina de Jesus nos vocais incorporados de Letícia Novaes (a popular Letrux) em As feras, essas queridas, primeira música completa desse Letrux como mulher girafa – aberto na verdade pela pequena Introdução ao reino animal, a primeira das seis vinhetas que aparecem no álbum.

O terceiro disco dela traz um leque bem aberto de referências, e foi gravado com um apuro técnico bem mais evidente que os anteriores (ainda que a estreia Letrux em noite de climão seja uma das melhores descobertas nacionais musicais da década anterior). Principalmente, é trilhado num corredor oitentista que faz imaginar uma música como Louva deusa, lembrando um misto de Cindy Lauper e Pretenders, como uma pérola recolhida de alguma suposta e antiga trilha de novela. Ou Crocodilo como uma novidade linkada a Gang 90 e ao Remota batucada, de May East (por acaso uma ex-Gang). Tem também o blues bem feito de Formiga e Lulu Santos soltando a voz em Zebra, tecnopop especial para fãs do Depeche Mode ou da fase maldita do Human League.

Como mulher girafa é repleto de canções com nomes de animais, o que dá uma aparência de “disco de música infantil para adultos”. Não é isso: o álbum usa o mundo animal para comentar sobre complexidades humanas do dia a dia. E mexe com emoções impulsivas, relacionamentos que deixam marcas estranhas, um pouco de iluminação após a destruição (“bora fazer nossa teia e se alguém cair/bora não enlouquecer, bora não destruir/vamo ajeitar, reparar e consertar”, em Aranha), luta, prazer e amor (“o que a cabeça deseja não cabe no dia/e de noite ela tem que brincar”, Leões). São compreensões e construções poéticas de gente grande, transformando o disco novo de Letrux numa ilha de pop adulto num mercado cada vez mais preocupado em parecer mais jovem. Não é por acaso que Como mulher girafa é dedicado a Rita Lee, que até o fim da vida zoou com o discurso etarista e inseriu perspectivas de renovação pessoal na música pop brasileira.

Gravadora: Altafonte
Nota: 8

Foto: Divulgação

Crítica

Ouvimos: Van Morrison – “Remembering now”

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Ouvimos: Van Morrison - "Remembering now"

RESENHA: Van Morrison tenta se redimir com o belo Remembering now, após queimar o filme com negacionismo. Um disco nostálgico, romântico e musicalmente rico.

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Van Morrison adotou uma perspectiva completamente obtusa e negacionista na pandemia de Covid – algo que queimou o filme com vários fãs da antiga e afastou muitos futuros seguidores do som dele (um amálgama de soul, blues, jazz, folk, r&b das antigas e rock dos primeiros tempos). Se isso fez você começar a dar de ombros para o velho Van, esqueça tudo e dê uma chance a Remembering now, seu 47º disco de estúdio.

O disco de inéditas anterior de Van, What’s it gonna take? (2022), ajudou bastante a jogar a reputação do cantor na vala: era um álbum repleto de músicas chatas, com letras mandando bala num blá-blá-blá negacionista sem fim. Vale citar que Van, ao contrário do que vários fãs acham, está longe de ser um cara que tem uma discografia perfeita – coisa que nem Bob Dylan conseguiu.

Remembering now pode assustar de cara pela duração extensa (68 minutos) e pode soar meio cínico para muita gente – essa coisa de “relembrando agora” parece escapista demais, vinda de um cara que cantou “chega de isolamento!” na pandemia. Só que o disco apela à saudade da melhor maneira possível, vamos dizer assim.

No novo álbum, Van faz soul-de-olhos-azuis dos velhos tempos em Down to joy e If it wasn’t for Ray (homenagem a Ray Charles), migra para o country nostálgico em Haven’t lost my sense of wonder, Cutting corners e Love, lover and beloved, e impressiona pelo romantismo das baladas: The only love I ever need is yours, Memories and visions, When the rains come, Colourblind – uma delas pode ser a trilha do seu casamento. No final, um clima soul pré-disco domina os quase nove minutos de Streching out.

  • Ouvimos: Neil Young – Oceanside countryside
  • Ouvimos: Neil Young & Crazy Horse – Early daze
  • Ouvimos: Bob Dylan – The complete Budokan 1978 (Live)

Raríssimos artistas que decidiram adotar posturas politicamente tacanhas o fizeram sem ter uma ideia de quem era seu público de verdade, pelo menos aqui no Brasil. No caso de Van, dá para dizer que a faixa-título do disco, uma balada em tom de talking blues, é seu manifesto: uma canção alegre por estar “de volta a Belfast / foi assim que comecei”. Back to writing love songs mostra o que ele está pronto para fazer, agora que não se sente mais tendo que dar explicações a respeito de nada (“e quanto à alma e à aspiração? / que tal levar isso de volta ao dia? / tenho que fazer meu mojo funcionar”).

Talvez você encare a nova viagem de Van como uma baita pisada no acelerador do conservadorismo – e até que parece ser. O autor do clássico álbum Astral weeks, a bem da verdade, podia ter resolvido relembrar como era legal andar nas ruas quando ninguém podia sair nelas sem usar máscara – e talvez fizesse um bem maior a seu imenso fã-clube. Mas, vá lá, Remembering now é um disco muito bonito. E talvez seja o que realmente importa.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Exile/Virgin
Lançamento: 13 de junho de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Lil Wayne – “Tha Carter VI”

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Ouvimos: Lil Wayne - "Tha Carter VI"

RESENHA: Disco novo do rapper Lil Wayne, Tha Carter VI tem boas ideias, vários tropeços e aposta na tradição. Um disco longo, feito pra fãs fiéis.

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Vai ter muita gente decidindo escutar o novo disco de Lil Wayne em partes – como se fosse um livro, um pouco a cada dia. Tha Carter VI tem mais de uma hora de música, já ganhou uma edição com faixas bônus, e parece seguir uma onda parecida com a dos filmes de super-heróis – aquela coisa de ganhar pela perseguição, pela porrada, pelos tiros, mais do que pelo conteúdo.

Tha Carter, vale falar, tem bastante a ver com a lógica dos blockbusters – é uma série de discos que já vem sendo feita por Lil há duas décadas (o primeiro Tha Carter saiu em 2004). Supostamente, são histórias mais pessoais e escritas no mesmo fluxo que comandou o primeiro volume da série. Na época, Wayne, cujo nome verdadeiro é Dwayne Michael Carter Jr (daí o título do disco), decidiu sair montando os raps na base da intuição e do sentimentos – chegou a declarar que fazia versos o tempo todo, sem nem ter um papel à mão para anotar.

Os Tha Carter foram acompanhando os vais-e-vens da carreira de Wayne – problemas com direitos autorais, prisões, etc. O novo disco da série serve mais para continuar a tradição e para mostrar que Lil Wayne foi considerado o maior rapper do mundo durante vários anos. E sim, o storytelling dele continua o fino em vários momentos. Mas vale dizer que são bem estranhas as tentativas de tornar seu som mais palatável para a galera que não necessariamente é fã de rap.

  • Ouvimos: Snoop Dogg – Iz it a crime?
  • Ouvimos: Stefanie – Bunmi
  • Ouvimos: Will Smith – Based on a true story
  • Ouvimos: clipping. – Dead channel sky

Só pra você ter uma ideia, Wayne decidiu pegar Island in the sun, do Weezer (!), e transformá-la num rap chamado Island holiday. Não parece uma perspectiva muito exata do que pode render sucesso – e não parece acrescentar nem à música original, nem a seu trabalho como compositor. Maria é um rap construído sobre a voz de Andrea Boccelli cantando Ave Maria. Igualmente não parece ter muita graça – mesmo que a letra seja uma história emocionante sobre como Lil e Wyclef Jean (que participa da faixa) construíram seus impérios mesmo com tudo remando contra.

Musicalmente, o que mais fica na cabeça é o samba-soul batido no clavinet de Hip hop, além do batidão afropop de Flex up e o r&b zoeiro de Peanuts 2 N elephant – uma música em que ele compara todo o hip hop a amendoins enquanto ele é “um elefante”, e em que o nome de Donald Trump, vai entender o motivo, aparece lá pelas tantas (vale lembrar que Wayne, assim como Snoop Dogg, tem uma relação pra lá de enrolada com o presida dos EUA). Ou a onda ska reggae de Cotton candy. Tem o clima sombrio de Bells e de Sharks, também.

De mal colado e mal resolvido, tem bastante coisa, como a melosa If I played guitar e o hip hop texturixzado de Loki’s theme, que em dado momento chega a lembrar um bisonho nu metal. The days tem ninguém menos que Bono, do U2, no vocal – e a melodia tem clima de balada do grupo irlandês. Mula komin in, com Lil Novi (filho de 14 anos de Wayne), soa como uma concessão meio mal feita à onda trap. Ficou estranho e, em vários momentos, o trabalho musical afunda os raps sinuosos de Wayne.

Encarar os quase 80 minutos de Tha Carter VI é pra grandes fãs – e dado o passado de Lil Wayne, justifica-se que muita gente faça isso. Mas…

Texto: Ricardo Schott

Nota: 6,5
Gravadora: Young Money / Republic
Lançamento: 6 de junho de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Charlie Nieland – “The ocean understands” (EP)

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Ouvimos: Charlie Nieland - "The ocean understands" (EP)

RESENHA: Novo EP de Charlie Nieland mistura psicodelia, pós-punk e dream pop com climas ruidosos e oníricos.

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Uma curiosa mistura de psicodelia, pós-punk, stoner rock e de doideiras típicas do rock britânico surge no EP novo de Charlie Nieland. Produtor com um currículo que inclui trabalhos com Debbie Harry e Rufus Wainwright, além de traabalhos como trilheiro, ele tem só dois álbuns solo na discografia e retorna com The ocean understands, disco de quatro faixas cuja matéria-prima é o mergulho em ambientes que misturam ruidos e sonhos – como na imersiva Drown, que abre o disco.

Redshift, na sequência, tem um início próximo do grunge – ganhando um clima entre o progressivo e o dream pop logo depois. Já Shame une o ataque sonoro do Wire ao clima das canções de Lou Reed (o vocal de Charlie lembra bastante o de Lou nessa faixa), com uma letra que soa como uma conversa entre um reaça e um glam rocker, repleta de provocações. No final, o tom sonhador e ruidoso de Elegy, com vibe fúnebre e letra declamada (“alguém com um rosto / alguém com um coração / já se foi / o mundo gira / como aves de rapina sobre a carniça”).

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Independente
Lançamento: 10 de junho de 2025

  • Ouvimos: Pip Blom – Grip (EP)
  • Ouvimos: Merli Armisa – Ortensie comete
  • Ouvimos: Spiderman Pterodactyl – Shore leaves (EP)

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