Crítica
Ouvimos: The Gaslight Anthem, “History books”
- History books é o sexto álbum de estúdio da banda norte-americana The Gaslight Anthem. Foi produzido por Peter Katis (Death Cab For Cutie, Interpol). É o primeiro disco da banda desde 2014 – o Gaslight teve um hiato que começou em 2015, com um retorno breve para alguns shows em 2018, e só voltou de vez ano passado.
- O grupo tem na formação Brian Fallon (voz, guitarra base), Alex Rosamilla (guitarra solo, backing vocals), Alex Levine (baixo, backing vocals) e Benny Horowitz (bateria, percussão). Acontecimentos com a pandemia e a morte de Taylor Hawkins (Foo Fighters) acabaram reaproximando a banda, pouco depois de Fallon se lançar como artista solo. O cantor foi encorajado por um amigo muito especial: Bruce Springsteen, que sugeriu que ele escrevesse uma música para os dois cantarem com a banda (e que se tornou a faixa-título do disco).
- A banda vem de New Brunswick, cidade universitária em Nova Jersey. A cidade tem outras bandas, como a indie punk Screaming Females, e até uma gravadora, Don Giovanni, dedicada aos artistas locais.
The Gaslight Anthem é uma banda originalmente punk. Mas o melhor do trabalho deles foi construído sob a égide do rock clássico. Melhor dizendo: daquele tipo de rock que geralmente é chamado de heartland rock, do cara simples, classe-operária, que vive tempos complicados, mas que não esconde certo orgulho e esperança (dependendo do caso). Também não esconde uma boa dose de ranço (igualmente dependendo do caso).
Não é um design musical-e-lírico difícil de ser reproduzido: você encontra uma idealização disso até mesmo em bandas como Green Day e Bon Jovi, por exemplo. Muito embora o resultado do Gaslight Anthem seja bem diferente do dessas duas bandas, e tenha suas raízes nos álbuns de Bruce Springsteen – por sinal, uma figura bem importante nesse retorno do grupo, e que solta a voz na desencantada faixa-título do disco, a de versos como “esses livros de história, cheios de olhares assombrados/de pessoas que não quero ver novamente”. Um outro detalhe é que o Gaslight Anthem é cafona – sem exageros, mas é. O grupo tem letras mela-cueca, uma ou outra música que soa como se o Nickelback largasse os vocais “ohoaaa” e tivesse mais bom gosto na hora de compor, enfim. Mas o Gaslight tem boas influências demais para ser jogado na vala comum do rock alternativo norte-americano.
History books traz músicas que não teriam surgido sem a devoção do grupo ao country, ou ao blues-rock de bandas como The Faces (a introdução da faixa de abertura, Spider bites, é bem nessa linha), ou mesmo ao som de nomes como The Clash, Rolling Stones fase 1971-1974 e Bruce Springsteen. O álbum se desenrola num clima que cai bem como trilha sonora de filmes da Sessão da Tarde, com o riff de arena de Autumn, o power pop de Positive change (perfeito para quem gostava de bandas como Gin Blossoms e Soul Asylum), o clima tristonho, de fim de relacionamento, de Michigan, 1975 (com versos BEM rancorosos, do tipo: “porque se eu pudesse ser livre, por que ficaria acorrentado?/e se isso te deixa triste, você deveria ter vergonha/e talvez eu não seja o culpado, afinal”), e o amor platônico do pós-grunge I live in the room above her.
O fã médio do Gaslight Anthem provavelmente é uma pessoa que ouve rock, mas quer um som nostálgico, que “fala ao coração”, e que serve para relembrar bons momentos. Mesmo não sendo nenhuma obra-prima, o grupo cumpre o que promete e passa bem longe da banalidade.
Gravadora: Rich Mahogany Records
Nota: 7
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Os melhores discos de 2024 que a gente ouviu em novembro
Demoramos um pouco, mas tá no ar a listinha dos melhores discos de 2024 que ouvimos em novembro. Estamos fazendo uma lista mensal desde julho (essa é a de julho, essa a de agosto, essa a de setembro, essa a de outubro, e essa, a inaugural, é a de melhores discos do primeiro semestre de 2024). A nota 10 foi para uma novidade (a banda ruidosa Julie), para um veterano da mistura de hip hop com rock (Planet Hemp, em disco ao vivo) e para um cara que já tem certa estrada no hip hop e na construção de paisagens sonoras e histórias de arrepiar (Tyler The Creator). Leia tudo, ouça tudo, repasse.
TURMA DA NOTA 8
Abril Belga, Metrô hi-fi
Alvaro Lancellotti, Arruda, alfazema e guiné
Anastasia Coope, Darning woman
Bodega, Brand on the run
Dora Morelenbaum, Pique
Duda Fortuna, Dual
Friedberg, Hardcore workout queen
Katie Gavin, What a relief
Linkin Park, From zero
Madre, Vazio obsceno
Maria Beraldo, Colinho
Molchat Doma, Belaya polosa
Quito Ribeiro, Umguerrê
S.E.I.S.M.I.C, S.E.I.S.M.I.C.
Suki Waterhouse, Memoir of a sparklemuffin
Tamar Berk, Good times for a change
Tássia Reis, Topo da minha cabeça
TURMA DA NOTA 8,5
Cloud Nothings, Here and nowhere else (10th anniversary)
Dani Bessa, Hiperdrama
Dolores Forever, It’s nothing
Hayden Thorpe, Ness
Man/Woman/Chainsaw, Eazy peazy (EP)
Porridge Radio, Clouds in the sky they will always be there for me
Primal Scream, Come ahead
Sue, Quando vc volta?
TURMA DA NOTA 9
Batata Boy, MAGICLEOMIXTAPE (quando vê, já foi)
Dale Crover, Glossolalia
The Cure, Songs of a lost world
George Harrison, Living in the material world – 50th anniversary edition
The Hard Quartet, The Hard Quartet
Kim Deal, Nobody loves you more
Jerry Cantrell, I want blood
Laura Marling, Patterns in repeat
Leon Bridges, Leon
Luiz Amargo, Amor de mula
Michelle, Songs about you specifically
Oruã, Passe
Peter Perrett, The cleansing
Tess Parks, Pomegranate
Zé Manoel, Coral
TURMA DA NOTA 10!
Julie, My anti-aircraft friend
Planet Hemp, Baseado em fatos reais: 30 anos de fumaça
Tyler The Creator, Chromakopia
Crítica
Ouvimos: Blood Wizard, “Grinning William”
- Grinning William é o segundo álbum do grupo britânico Blood Wizard, projeto do músico Cai Burns. A produção foi feita por Theo Verney. Ao lado de Cai (voz, guitarra), estão Faye Robinson (voz, teclados), Tom Towle (guitarra), Ben Davis (baixo) e Adrian Cook (bateria).
- O release apresenta o álbum como um lançamento mais calmo do que os anteriores ligados a Cai. “As inclinações mais alt-folk de sua estreia foram amplamente introduzidas em vez de guitarras baixas e mais robustas”, diz.
- Nomes como Cate Le Bon e a neozelandesa Aldous Harding são citados como influencias por Cai.
Se você vir a capa do novo disco do Blood Wizard, levar em conta o nome da banda, e resolver ouvir achando que se trata de algum disco de heavy metal ou stoner rock, vai dar com a cara na porta – mas vá lá que a abordagem deles do som lo-fi tem seus parentescos com o design musical casca-grossa. O som do Blood Wizard opera em linhas nada finas localizadas entre Lou Reed e Mazzy Star, entre Primal Scream e Velvet Underground, entre o indie britânico dos anos 1980 e o vanguardismo de David Bowie nos anos 1970.
Essa segunda faceta dá as caras em Apples + Oranges, canção dançante e falada, enquanto um lado agridoce e pop surge em Sciencefiction, a faixa de abertura de Grinning William . Na sequência, a faixa título, cantada pela tecladista Faye Robinson com voz despedaçada, é pura acidez, algo próximo do shoegaze, mas sem a explosão do estilo musical. Devil dressed in disguise ameaça uma batida meio surf, meio Jorge Ben no começo, mas é só disfarce: a canção vira um pós-punk dançante, com ritmos quebrados, lembrando bandas como Television Personalities. A letra traz os pensamentos viajantes de alguém que descobriu que era o diabo disfarçado – algo entre o cut up de William Burroughs e Arnaldo Baptista/Syd Barrett.
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O que vem depois em Grinning William surpreende: o grupo consegue soar como um The Fall focado na construção de canções e influenciado pela fase anos 1990 de Bowie (Big fish). Depois solta uma baladinha linda, psicodélica e meio louca (Babytooth, que parece usar a metáfora dos “dentes de leite” para falar sobre perda da inocência), um folk-de-bateria-eletrônica com vocais rappeados (Back2bed), um belo pós-punk de synth e violão (Indecision, dos versos “tentamos tirar um tempo para sermos nós mesmos/quem se importa com o que está acontecendo lá fora?/estamos aqui em casa dançando”).
Fechando, lembranças de Day in, day out, do XTC, em Sinister star, e o tom circular e hipnótico de Higher energy!, ameçando um stoner rock no começo, e tornando-se um pós-punk experimental e motorizado. Quem ouvir o disco no Bandcamp ganha uma faixa bônus, a baladinha lo-fi Flowers of evil. No geral, Grinning William é surrealismo poético e musical, com excelentes melodias e surpresas pelo caminho.
Nota: 9
Gravadora: Sad Club Records
Crítica
Ouvimos: A Day In Venice, “A man without a name”
- A man without a name é o quinto álbum do A Day In Venice, projeto musical da Itália criado pelo músico Andrej Kralj, que é compositor, produtor, pintor e poeta. Ele define o som do grupo como uma obra em progresso, “das primeiras influências do metal até a mais recente mistura de alternativo/prog/pós-punk/shoegaze”.
- No disco, Andrej tocou tudo, contando apenas com a guitarra de Marjan Milič em três faixas, e com os vocais de Amanda Palomino e Mariana Leon. O material foi gravado no próprio estúdio do músico.
O ano vem sendo bastante produtivo para o A Day In Venice, uma banda de pós-punk da Itália. Até o momento já lançaram oito singles – um deles, o quase ambient Stillness, saiu acompanhado de um belo clipe que mostra pessoas de todas as idades acordando e se colocando em movimento.
Os singles mais recentes são Castle of love e Angels at play – a primeira, uma música com bastante eco na gravação de guitarras e tom próximo do dream pop; a segunda, um curioso desdobre sombrio do som do grupo, com guitarras distorcidas e baixo à frente. Os clipes da banda são também bastante elaborados e reveladores, como em Stillness e na farra sensual e gastronômica de Castle of love.
Em agosto, lançaram o EP When dreams are born again, com uma sonoridade próxima das bandas mais celestiais dos anos 1980 – The Sundays, Cocteau Twins e até o lado calmíssimo dos Smiths e do R.E.M. E em julho foi a vez de A man without a name, quinto álbum do projeto liderado por Andrej Kralj, um álbum curto, em que ele produz, toca tudo, e traz à frente os vocais de Amanda Palomino e Mariana Leon, sempre com letras em inglês.
De modo geral, é uma banda que (e isso já pode ser visto no clipe de Stilness, que não está no EP), dedica-se bastante a um tipo de som feito para pelo menos tentar levar um dia em paz na vida: letras introspectivas e que falam sobre sonhos, melodias solares e coisas do tipo. A man… traz o A Day In Venice buscando se aproximar de bandas como Echo and Bunnymen (influência em Tendencies, faixa de abertura), e de uma sonoridade próxima a uma versão mais light do shoegaze – como na parede de guitarras da marcial How blind, que ainda tem diálogo de baixo e teclado lembrando New Order.
No decorrer do disco, tem o punk quase pop de Feeling the heat, a dramaticidade entre o punk e o grunge da faixa-título, o tom meio Blondie, meio The Sound de Vibrant whispers (unindo a alegria de uma banda, e o tom maníaco da outra) e uma espécie de power pop gótico em Night owl. No terço final, o punk dicotômico (luz e sombra) de Narrations of loss and death, e o tom dark de Sailing to the end of words e Through the embers of hell. Nada de 100% original, mas as referências são excelentes. Adote essa banda.
Nota: 8
Gravadora: Independente
- E esse foi um som que chegou até o Pop Fantasma pelo nosso perfil no Groover – mande o seu som por lá!
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