Crítica
Ouvimos: Cavalera Conspiracy, “Bestial devastation”/”Morbid visions”

- Formado pelos irmãos Cavalera do Sepultura original (Max e Iggor, você deve saber), o Cavalera Conspiracy começou em 2007. Estrearam com o bom e pesado Inflikted. Entre projetos individuais de ambos os irmãos, o grupo gravou apenas cinco álbuns. Com o nome mudado para Cavalera (sem o “Conspiracy”) fizeram agora essas regravações dos dois primeiros discos do Sepultura, o EP Bestial devastation (1985) e o LP Morbid visions (1986).
- O discos foram regravados no The Platinum Underground, estúdio localizado em Phoenix, no Arizona (EUA). Os próprios Max e Iggor produziram as regravações. O berlinense Eliran Kantor, autor de capas para discos de Testament, Soulfly, Helloween e My Dying Bride, reimaginou a arte gráfica. Cada um dos discos vem com uma faixa bônus nova. Igor Amadeus Cavalera (filho de Max e músico de bandas como Healing Magic e Go Ahead and Die) tocou baixo. A guitarra solo ficou com Daniel Gonzales (Possessed, Gruesome).
Para quem é fã de verdade não apenas do Sepultura como dos trabalhos de Max e Iggor Cavalera – e para quem é fã da história do heavy metal brasileiro, um estilo musical que anda precisando de, mais do que uma biografia, de um almanaque detalhado – vale ouvir comparativamente os originais e as regravações do EP Bestial devastation e do LP Morbid visions. Por mais que o Sepultura tenha evoluído e caminhado para outros lados (com Andreas Kisser na guitarra, vale citar), são os discos que vários críticos e fãs se lembravam quando queriam achar aspectos mais “juvenis” e desencanados nos álbuns posteriores da banda.
O Sepultura de 1985/1986 estava muito, mas muito longe de ser uma banda ingênua. Era um grupo sem medo de errar, mas (e justamente por conta disso) com muito conteúdo. Era uma banda de black/death metal, mais do que nos discos subsequentes – e vale citar que o primeiro EP da banda abre com a vinheta Curse (“satanás é invocado para destruir e comandar a devastação bestial”, diz a letra). Bestial prossegue num clima quase conceitual, em que os personagens da destruição são apresentados em meio a rajadas de guitarra e vocais soturnos e guturais: Antichrist, Necromancer, Warriors of death (um banho de sangue encerrado com metralhadoras).
A nova versão do EP fecha com a inédita Sexta feira 13, homenagem aos tempos áureos do heavy metal nacional cantado em português, feito para acalmar os ânimos dos metaleiros brasucas. Nem é preciso falar, mas vamos lá: o Bestial novo é tecnicamente bem desenvolvido e bem gravado, com peso e foco na voz de Max Cavalera, e solos de guitarra bem mais treinados. O ouvinte se sente de verdade atirado num vórtice infernal.
A primeira coisa a notar no novo Morbid visions são os vocais desesperados de Max, bem diferentes do tom ainda meio inseguro do original – na regravação, o vocal, quase com o mesmo reverb amigo dos anos 1980, está mais próximo ainda da união de punk e metal, e de bandas como Ratos de Porão e Exploited (confira a faixa-título e Show me the wrath, em especial). Mesmo com as melhorias e com o peso (a bateria soa como uma bateria de verdade, não como latas, para começar), tanto os efeitos de gravação quanto o som da bateria soam oldies, como se viessem de uma demo turbinada, ou de uma guaribada séria numa fita master antiga.
Fica claro que, mesmo com a qualidade técnica dos dias de hoje, Max, Iggor e amigos quiseram voltar ao passado e reproduzir uma época de gravações suadas, demos disputadas pelos fãs, tênis remendados com silver tape e camisetas desenhadas à mão. Esse é o tom e essas são as lembranças evocadas pelas novas versões de Morbid visions, War, Troops of doom e Show me the wrath. Marcado igualmente pela evolução de Iggor como baterista, Morbid (assim como Bestial) tem som praticamente contínuo, uma porrada após a outra, como numa suíte maldita. Tem ainda uma faixa bônus nova, Burn the dead. Mesmo quem não é fã de sons extremos e/ou próximos da extremidade vai acabar reconhecendo: ficou bonito. E histórico.
Gravadora: Nuclear Blast
Nota: 10
Foto: Reprodução da capa de Morbid visions.
Crítica
Ouvimos: Hotline TNT – “Raspberry moon”

RESENHA: Em Raspberry moon, o Hotline TNT acerta ao misturar noise, power pop esquisito e guitarras noventistas com letras simples e clima quase emo.
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Rotular a banda novaiorquina Hotline TNT como shoegaze é dar bem pouca areia para o caminhão deles. O grupo liderado por Will Anderson está mais para aquela época em que se sabia que rock, via de regra, tinha que ser ruidoso – seja lá em que gênero ele se adequasse. Raspberry moon, terceiro disco do grupo, guia o timão para os tempos de Hüsker Dü, Sugar, Velocity Girl, Dinosaur Jr e põe os rangidos e as paredes de guitarra para funcionar a favor da melodia.
Raspberry moon traz Will num clima diferente: em vez de compor e tocar sozinho, como aconteceu nos discos anteriores, ele pôs a galera que o acompanha nos shows para criar o disco ao lado dele. Boa parte do repertório soa mais próximo, de fato, do que pode ser entendido como um “disco de banda”, com dinamismo mais acentuado, e variando entre ruído e melodia. Was I wrong?, na abertura, é noise rock educado e alimentado como uma dieta de rock dos anos 1960. The scene é quase um haikai ruidoso e voltado pata a musicalidade pesada dos anos 1990. A ligeiramente funkeada Julia’s war tem cara de hit e chega a lembrar aquelas bandas mais palataveis que usavam a fórmula do grunge (Third Eye Blind, etc).
- Ouvimos: Dinosaur Jr – Farm (15th anniversary edition)
- Ouvimos: Velocity Girl – UltraCopacetic (Copacetic remixed and expanded)
- The living end: lembranças do Hüsker Dü ao vivo, em CD lançado em 1994
- Entrevista: Greg Norton (Hüsker Dü, Porcupine) exclusivo para o Pop Fantasma
Isto posto, dá pra dizer que o Hotline TNT se aproximou bastante do power pop no disco novo – aliás num papo com a newsletter Last Donut Of The Night, Will disse que, quando mais novo, ouvia bandas como Weezer e Red Hot Chili Peppers. Mas é um power pop esquisito, no qual cabem loucuras vaporwave (Transition lens), um clima que remete tanto a Joy Division quanto ao soft rock (Break right e Candles) e um pós-grunge como talvez ele devesse ser hoje em dia (Letter to heaven).
Aclimatações jangle-pop tomam conta de Dance the night away, e ruídos acústicos rangem nos violões ardidos de Lawnmover – enquanto uma nuvem sonora mais próxima do shoegaze que costuma ser associado à banda aparece na última faixa, Where U been?. Já as letras valorizam a simplicidade, ou o desejo de ser entendido (e sentido) em poucas frases. Há mensagens de adeus em Was I wrong? e Letter to heaven, um curioso conto de escalada em Julia’s war, e inseguranças amorosas em várias faixas, num clima praticamente emo – como o “se você realmente me amasse / faria uma cena de ciúmes / visibilidade / e todos veriam” da amarga The scene.
Talvez esse prazer por mostrar o lado mais imaturo da vida corte um pouco da boa experiência de ouvir o Hotline TNT. Mas Raspberry moon faz bem aos ouvidos quase todo o tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Third Man Records
Lançamento 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Getdown Services – “Primordial slot machine”

RESENHA: Em Primordial slot machine, o Getdown Services mistura pós-punk, soul e krautrock com humor ácido e melodias tortas, em faixas caóticas e cativantes.
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Dupla de Bristol, na Inglaterra, o Getdown Services parece um cruzamento de Prince, Beck e John Lydon – ou seja: balanço, estranhice e zoeira marcam o repertório da dupla formada por Josh Law e Ben Sadler.
Primordial slot machine, terceiro EP dos dois (eles têm ainda um álbum, Crisps, de 2023) abre com o pós-punk desértico de Provide me your name, música na qual rola uma conversa telefônica das mais esquisitas. E em seguida vem Chrysalis, soul-rock-pop com piano Rhodes, guitarra sinuosa e vocal falado – a letra basicamente fala sobre situações estressantes resolvidas de maneira imbecil (“vou formar uma crisálida perfeita / e enchê-la de mijo”, explicam/não explicam na letra).
- Ouvimos: The Wants – Bastard
- Ouvimos: Godofredo – Tutorial
- Ouvimos: Unknown Mortal Orchestra – Curse (EP)
Ben e Josh investem num eletrokrautrock ruidoso em James Bay’s hat e Eat quiche. Sleep. Repeat, duas músicas cujas letras parecem uma mistura da inocência falsa de David Byrne com o humor corrosivo de Mike Patton (“eu encontrei o maior amor do mundo / no menor meet and greet do mundo / dei uma crítica de duas estrelas de um filme que eu nem tinha visto”, afirmam na segunda). God bless é um rap que parece ter sido construído num sample – ou numa imitação – da levada de Rational culture, de Tim Maia.
A música mais “normal” do disco, Drifting away, vem no fim, e fala sobre vontade de desaparecer (“sou corajoso, mas não corajoso o suficiente para ficar / indo embora”) sob uma base de rock indie e sessentista, com vocal grave lembrando Lou Reed. Para ouvir quando a amargura desses dois não conseguir te contagiar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Breakfast Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Vovô Bebê – “Bad english”

RESENHA: Quarto disco de Vovô Bebê, Bad english mistura Bowie, Jovem Guarda, baião e soul em um pop experimental cheio de referências e surpresas.
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Quando começaram a surgir as notícias sobre Bad english, quarto álbum de Vovô Bebê – codinome do músico Pedro Dias Carneiro – nomes como David Bowie eram bastante citados em textos que adiantavam o disco. Bowie paira como uma espécie de santo padroeiro sobre Bad english, disco produzido por Chico Neves e dirigido artisticamente por Ana Frango Elétrico – e a capa parece referir-se a uma versão torta de Blackstar (2016), seu disco de despedida.
E justamente o Bowie que baixou no estúdio em que Vovô Bebê gravou foi a versão mais aventureira e experimental do britânico – a da fase Berlim e a dos discos que ele fez nos anos 1990, incompreensíveis para vários fãs antigos, e revistos anos depois por vários deles. Não é só isso: o despojamento dos discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso feitos em Londres, e até o balanço dos Red Hot Chili Peppers, além do desdobre psicodélico da Jovem Guarda (Incríveis, Silvinha, Vanusa)… Tudo isso é citado em faixas como Intro/End of the moon, Forest baby (essa, em tom bossa + rock + soul + Bowie), a contemplativa e sinuosa Little sun, a espacial Night away e a beatle-tropicalista Offbook effort.
Bad english une Beck e disco music saturada em Star smoke ticket, põe algo de glam rock na mistura em Wrong ticket, e junta baião, afoxé, jazz e lisergia em Brazil commodity e Left for dead. O soul indie Daily basis slide guitars, voz tranquila e um balanço que remete tanto a Marcos Valle quanto a Titãs. Tem experimentalismo, e muito, em Bad english – mas ele surge como um elemento a mais nas canções e arranjos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Estúdio304
Lançamento: 23 de abril de 2025.
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