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Cultura Pop

O que você aprendeu sobre geografia vendo desenho do Pica-Pau

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Pica-Pau

Quem viu os desenhos do Pica-Pau no SBT nos anos 1980 (ou na Record e até na Globo, por onde o personagem passou em décadas mais recentes) viajou para cantos escondidos da Flórida, sonhou em conhecer um parque nacional dos Estados Unidos, voou até uma fazenda na região de Nova York após tomar guarda-chuvadas de uma senhora, descobriu que no inverno os pássaros migram para o Sul dos EUA, viu cidades-fantasma no Arizona, ouviu falar de um lugar chamado Sevilha. Antes de levar seu filho/sua filha para conhecer a versão atual do pássaro nos cinemas – com Pica-Pau, O filme, de Alex Zamm, que estreia nesta quinta (5) – arrume um tempinho para mostrar a ele/ela o quanto você aprendeu de geografia só ficando na frente da TV quando era criança.

“OS AZARES DE UM CORVO” (1962). O Central Park, coração de Nova York, foi cenário de vários grandes shows da história da música pop – Elton John cantou lá em 1980 e Simon & Garfunkel fizeram uma apresentação histórica de reunião por lá em 1981, com renda revertida para melhorias no local. E também foi o lugar em que o Pica-Pau pegou uma pipoca doce de uma velhinha e levou umas vassouradas. O pássaro voa até uma fazenda no interior (em Woodstock?), conhece o corvo Jubileu e, cheio de péssimas intenções, recomenda a ele ir lá pegar uma pipoca da senhora. A frase que você lembra: “Você disse pipoca?”

“VAMOS NANAR, JACARÉ” (1962). “Bem no interior dos Everglades vivem os ferozes jacarés”, avisava o narrador do desenho, que abre mostrando imagens do pântano Okee Dokee – uma zoação com o Okefenokee, uma das maiores regiões pantanosas dos Estados Unidos. A hibernação dos jacarés locais e a migração de pássaros pra lá são premissas pra mais uma aventura do Pica-Pau. Os Everglades, por sua vez, não apenas existem de verdade (são uma região subtropical da Flórida, que tem um parque nacional que está fechado por causa do Furacão Irma), como suas águas abastecem boa parte da região da Grande Miami. A frase que você lembra: “Durma filhinho, do coração” (e “durma filhinho em código”).

“O MESTRE-CUCA” (1961). Mais uma aventura do Pica-Pau com o Zé Jacaré na Flórida, “um estado ensolarado, o jardim dos ricos cansados, dos aposentados e dos apenas cansados. Zé Jacaré está sempre cansado e sempre com fome”, diz a narração. Zé Jacaré acha uma revista em que o Pica-Pau, então um astro do cinema, diz que a comida sulista é a sua favorita. Daí envia uma carta para o pássaro, que vive “lá em Hollywood, Califórnia”. A frase que você lembra: “Estão confundindo um pica-pau com um pombo”.

“PICA-PAU CAMPEÃO DE GOLFE” (1952). No Brasil, você vai pesquisar, pesquisar e não vai conseguir saber quantos campinhos de pelada e de futebol de várzea existem. Nos EUA, os campos públicos de golfe são locais comuns de diversão. Da mesma forma que num campo de pelada, o que mais tem é gente na fila berrando “a de fora é minha”, no campo de golfe tem gente que marca horário, acorda cedo, pega fila, etc. O Pica-Pau acordou com as galinhas para dar suas tacadas, esbarrou num fortão a fim de encrenca e… começa a confusão. A frase que você lembra: “Ei, moço, podemos jogar por aí?” (e a resposta: “Nãããããão”).

“O ÚLTIMO MARTIN” (1960). “Agora reina paz e calma na região montanhosa de Ozark. Não mais se ouvem os tiros entre os Martin e os Coy”, diz a narração. As montanhas Ozark, localizadas entre os estados americanos de Missouri, Arkansas, Oklahoma e Kansas, são até destino turístico de aventura hoje em dia. E serviram de cenário para a história em que o Pica-Pau vai à cabana onde moravam os Coy (transformada em museu), dá um tiro com um velho mosquete da família e acaba atingindo a casa de Jack Martin, único sobrevivente dos Martin e responsável por liquidar o último Coy. Começa a confusão. A frase que você lembra: “Caro Coy, se você não sair fora, você é o maior miserável, pestilento, sarnento, arruaceiro, gato polar (?). Assinado eu, Jack Martin”.

“O FANTASMA DA ÓPERA” (1961). O Pica-Pau chega a uma cidade-fantasma no Arizona chamada Spooksville – o nome aparece numa placa na entrada, com um urubu pousado em cima. Esbarra com um ladrão que se disfarça de fantasma, mas vira o jogo e dá altos sustos no cavalo dele. De curioso, tem o fato de a Netflix já ter exibido uma série sobrenatural chamada Spooksville (nada a ver com o desenho do Pica-Pau) e de o nome original do desenho (The ghost of the horse opera) também já aparecido no título de um episódio de outro desenho exibido pelo SBT nos anos 1980, Benny e Cecil. A frase que você lembra: “Ele quer dar uma de fantasminha” (e “puxa, lá vem ele de novo”, e “ei, xará, você viu um corpo andando por aí?”).

“O BARBEIRO DE SEVILHA” (1944). Direto de uma das primeiríssimas fases do Pica-Pau, o desenho em que ele vira barbeiro e aporrinha um cliente cantando trechos da ópera-bufa O barbeiro de Sevilha, de Gioachino Rossini, no ouvido dele. Muitos lugares misturados: o Pica-Pau recebe primeiro na barbearia um índio norte-americano, e canta para outro cliente o trecho de uma ópera italiana, cuja premiére aconteceu em 1775 em Paris, e cuja letra refere-se a um personagem, o barbeiro Fígaro, que mora em Sevilha, na Espanha. A frase que você lembra: “Vamos! Vamos! Que tal um servicinho?” (e o diálogo: “Mim quer logo um xampu”, “tá bom, cabeça de peru”).

“OS TRABALHADORES DA FLORESTA” (1951). Esse desenho com pouquíssimas falas é um jazz em cima da fábula A cigarra e a formiga. O Pica-Pau mora numa comunidade de animais trabalhadores e não faz nada o dia inteiro. Na hora de se alimentar, rouba comida dos vizinhos e sai voando. Quando o inverno chega, os pássaros migram pro Sul e ele resolve ficar – mas não tem de quem roubar comida e quase morre congelado. Uma curiosidade: o nome original do desenho é The redwood sap, ou A seiva da sequóia – sequóias são aquelas árvores milenares que podem ter a altura de um prédio de 30 andares e são comuns na região da Califórnia. A frase que você lembra: o nome do livro que o Pica-Pau lê na abertura, O trabalho e como escapar dele, de João Faz Nada.

“O ESPIÃO ESPIADO” (1954). Nesse desenho em que o Pica-Pau quase nem abre a boca, um bandidão troca o tônico que o pássaro toma todos os dias – o “redwood sap” (opa!), traduzido por “suco de peroba” – por um com “fórmula 7/8, uma gota 50 mil cavalos”. Enquanto uma narração trolla o Pica-Pau durante todo o tempo, ele descobre que o tal tônico é uma fórmula secreta que foi roubada – e decide devolvê-lo no quartel-general do BFI. Lógico que é uma brincadeira com a sede do FBI, que nos anos 1950, ficava dentro do Ministério da Justiça, na Pensylvania Avenue, em Washington DC. A frase que você lembra: “Tá mais fraco que um gato, é melhor tomar seu tônico!” (e “Será que é o lugar certo?”).

“BRIGA EM MARROCOS” (1954). Outro desenho em que o Pica-Pau fica mudo a maior parte do tempo. O personagem é um soldado da Legião Estrangeira que atua no Marrocos e precisa montar guarda para proteger uma princesa “com sua própria vida” antes que ela seja sequestrada pelo malvado Zeca Urubu (ou Sheik El Rancid). A frase que você lembra: “Eu acho que há gosto pra tudo”.

“EM ROMA, FAÇA COMO OS PICA-PAUS” (1964). O Pica-Pau é o responsável pela destruição de Roma, porque passa o dia inteiro bicando as construções e obeliscos locais – que, ok, não são feitos de madeira, como é público e notório. O imperador Nero passa os dias tocando violino e reclamando do Pica-Pau. Lógico que o pássaro também destroi seu instrumento, e acaba tomando seu lugar. A frase que você lembra: acho que nenhuma, mas a cena final com os rugidos do leão e do próprio Pica-Pau deve ter assustado muitas crianças.

“REFLORESTAMENTO À FORÇA” (1968). Um dos vários desenhos do Pica-Pau que se passam num parque nacional dos Estados Unidos – são 59 áreas de proteção ambientais no país, por sinal. O personagem é o maior inimigo da área, já que destroi todas as árvores. Curiosidades: 1) O filme no original se chamava Peck of trouble, e saiu também um livro do Pica-Pau com o mesmo nome 2) Tem um filme da série Looney Tunes de 1953 com o mesmo título, em que o Frajola tenta comer um pica-pau; 3) O nome do parque em que o Pica-Pau ataca as árvores é Gallstone National Park – literalmente, “Parque Nacional da Pedra na Vesícula”, e é lógico que não existe nenhum parque nos EUA com esse nome. A frase que você lembra: “Ah, eles querem brincar de faroeste, não é?”

https://www.youtube.com/watch?v=1mkhblOPhRU

“VAMOS ÀS CATARATAS” (1956). “O” clássico do Pica-Pau. Originalmente chamado Niagara fools (trocadilho com “Niagara falls” e literalmente “idiotas de Niagara”), o desenho fazia troça de uma triste realidade: uma porrada de gente pôs mesmo em prática a ideia de jerico de descer num barril as cataratas do Niagara, localizadas na fronteira entre os EUA e o Canadá. O primeiro caso conhecido foi o de uma professora chamada Annie Edson Taylor que, sem dinheiro, solitária e acumulando dívidas, decidiu em 1901 descer as águas tencionando vender a história para a imprensa. Annie, que já tinha 63 anos, saiu inacreditavelmente ilesa da aventura (viveu até os 83!) e até ganhou um cascalho, mas nada significativo. Entre suicidas e malucos em potencial, já teve gente tentando descer o Niágara usando barris, jet skis, botes e até uma bola inflável bem grande (este último foi o caso de Kirk Jones, um sujeito que morreu em 19 de abril de 2017, tentando fazer justamente isso). E você lembra de duas palavras: “aeeeeee” e “marche!”.

Ricardo Schott é jornalista, radialista, editor e principal colaborador do POP FANTASMA.

Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

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O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

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Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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