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Cultura Pop

O que você aprendeu sobre geografia vendo desenho do Pica-Pau

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Pica-Pau

Quem viu os desenhos do Pica-Pau no SBT nos anos 1980 (ou na Record e até na Globo, por onde o personagem passou em décadas mais recentes) viajou para cantos escondidos da Flórida, sonhou em conhecer um parque nacional dos Estados Unidos, voou até uma fazenda na região de Nova York após tomar guarda-chuvadas de uma senhora, descobriu que no inverno os pássaros migram para o Sul dos EUA, viu cidades-fantasma no Arizona, ouviu falar de um lugar chamado Sevilha. Antes de levar seu filho/sua filha para conhecer a versão atual do pássaro nos cinemas – com Pica-Pau, O filme, de Alex Zamm, que estreia nesta quinta (5) – arrume um tempinho para mostrar a ele/ela o quanto você aprendeu de geografia só ficando na frente da TV quando era criança.

“OS AZARES DE UM CORVO” (1962). O Central Park, coração de Nova York, foi cenário de vários grandes shows da história da música pop – Elton John cantou lá em 1980 e Simon & Garfunkel fizeram uma apresentação histórica de reunião por lá em 1981, com renda revertida para melhorias no local. E também foi o lugar em que o Pica-Pau pegou uma pipoca doce de uma velhinha e levou umas vassouradas. O pássaro voa até uma fazenda no interior (em Woodstock?), conhece o corvo Jubileu e, cheio de péssimas intenções, recomenda a ele ir lá pegar uma pipoca da senhora. A frase que você lembra: “Você disse pipoca?”

“VAMOS NANAR, JACARÉ” (1962). “Bem no interior dos Everglades vivem os ferozes jacarés”, avisava o narrador do desenho, que abre mostrando imagens do pântano Okee Dokee – uma zoação com o Okefenokee, uma das maiores regiões pantanosas dos Estados Unidos. A hibernação dos jacarés locais e a migração de pássaros pra lá são premissas pra mais uma aventura do Pica-Pau. Os Everglades, por sua vez, não apenas existem de verdade (são uma região subtropical da Flórida, que tem um parque nacional que está fechado por causa do Furacão Irma), como suas águas abastecem boa parte da região da Grande Miami. A frase que você lembra: “Durma filhinho, do coração” (e “durma filhinho em código”).

“O MESTRE-CUCA” (1961). Mais uma aventura do Pica-Pau com o Zé Jacaré na Flórida, “um estado ensolarado, o jardim dos ricos cansados, dos aposentados e dos apenas cansados. Zé Jacaré está sempre cansado e sempre com fome”, diz a narração. Zé Jacaré acha uma revista em que o Pica-Pau, então um astro do cinema, diz que a comida sulista é a sua favorita. Daí envia uma carta para o pássaro, que vive “lá em Hollywood, Califórnia”. A frase que você lembra: “Estão confundindo um pica-pau com um pombo”.

“PICA-PAU CAMPEÃO DE GOLFE” (1952). No Brasil, você vai pesquisar, pesquisar e não vai conseguir saber quantos campinhos de pelada e de futebol de várzea existem. Nos EUA, os campos públicos de golfe são locais comuns de diversão. Da mesma forma que num campo de pelada, o que mais tem é gente na fila berrando “a de fora é minha”, no campo de golfe tem gente que marca horário, acorda cedo, pega fila, etc. O Pica-Pau acordou com as galinhas para dar suas tacadas, esbarrou num fortão a fim de encrenca e… começa a confusão. A frase que você lembra: “Ei, moço, podemos jogar por aí?” (e a resposta: “Nãããããão”).

“O ÚLTIMO MARTIN” (1960). “Agora reina paz e calma na região montanhosa de Ozark. Não mais se ouvem os tiros entre os Martin e os Coy”, diz a narração. As montanhas Ozark, localizadas entre os estados americanos de Missouri, Arkansas, Oklahoma e Kansas, são até destino turístico de aventura hoje em dia. E serviram de cenário para a história em que o Pica-Pau vai à cabana onde moravam os Coy (transformada em museu), dá um tiro com um velho mosquete da família e acaba atingindo a casa de Jack Martin, único sobrevivente dos Martin e responsável por liquidar o último Coy. Começa a confusão. A frase que você lembra: “Caro Coy, se você não sair fora, você é o maior miserável, pestilento, sarnento, arruaceiro, gato polar (?). Assinado eu, Jack Martin”.

“O FANTASMA DA ÓPERA” (1961). O Pica-Pau chega a uma cidade-fantasma no Arizona chamada Spooksville – o nome aparece numa placa na entrada, com um urubu pousado em cima. Esbarra com um ladrão que se disfarça de fantasma, mas vira o jogo e dá altos sustos no cavalo dele. De curioso, tem o fato de a Netflix já ter exibido uma série sobrenatural chamada Spooksville (nada a ver com o desenho do Pica-Pau) e de o nome original do desenho (The ghost of the horse opera) também já aparecido no título de um episódio de outro desenho exibido pelo SBT nos anos 1980, Benny e Cecil. A frase que você lembra: “Ele quer dar uma de fantasminha” (e “puxa, lá vem ele de novo”, e “ei, xará, você viu um corpo andando por aí?”).

“O BARBEIRO DE SEVILHA” (1944). Direto de uma das primeiríssimas fases do Pica-Pau, o desenho em que ele vira barbeiro e aporrinha um cliente cantando trechos da ópera-bufa O barbeiro de Sevilha, de Gioachino Rossini, no ouvido dele. Muitos lugares misturados: o Pica-Pau recebe primeiro na barbearia um índio norte-americano, e canta para outro cliente o trecho de uma ópera italiana, cuja premiére aconteceu em 1775 em Paris, e cuja letra refere-se a um personagem, o barbeiro Fígaro, que mora em Sevilha, na Espanha. A frase que você lembra: “Vamos! Vamos! Que tal um servicinho?” (e o diálogo: “Mim quer logo um xampu”, “tá bom, cabeça de peru”).

“OS TRABALHADORES DA FLORESTA” (1951). Esse desenho com pouquíssimas falas é um jazz em cima da fábula A cigarra e a formiga. O Pica-Pau mora numa comunidade de animais trabalhadores e não faz nada o dia inteiro. Na hora de se alimentar, rouba comida dos vizinhos e sai voando. Quando o inverno chega, os pássaros migram pro Sul e ele resolve ficar – mas não tem de quem roubar comida e quase morre congelado. Uma curiosidade: o nome original do desenho é The redwood sap, ou A seiva da sequóia – sequóias são aquelas árvores milenares que podem ter a altura de um prédio de 30 andares e são comuns na região da Califórnia. A frase que você lembra: o nome do livro que o Pica-Pau lê na abertura, O trabalho e como escapar dele, de João Faz Nada.

“O ESPIÃO ESPIADO” (1954). Nesse desenho em que o Pica-Pau quase nem abre a boca, um bandidão troca o tônico que o pássaro toma todos os dias – o “redwood sap” (opa!), traduzido por “suco de peroba” – por um com “fórmula 7/8, uma gota 50 mil cavalos”. Enquanto uma narração trolla o Pica-Pau durante todo o tempo, ele descobre que o tal tônico é uma fórmula secreta que foi roubada – e decide devolvê-lo no quartel-general do BFI. Lógico que é uma brincadeira com a sede do FBI, que nos anos 1950, ficava dentro do Ministério da Justiça, na Pensylvania Avenue, em Washington DC. A frase que você lembra: “Tá mais fraco que um gato, é melhor tomar seu tônico!” (e “Será que é o lugar certo?”).

“BRIGA EM MARROCOS” (1954). Outro desenho em que o Pica-Pau fica mudo a maior parte do tempo. O personagem é um soldado da Legião Estrangeira que atua no Marrocos e precisa montar guarda para proteger uma princesa “com sua própria vida” antes que ela seja sequestrada pelo malvado Zeca Urubu (ou Sheik El Rancid). A frase que você lembra: “Eu acho que há gosto pra tudo”.

“EM ROMA, FAÇA COMO OS PICA-PAUS” (1964). O Pica-Pau é o responsável pela destruição de Roma, porque passa o dia inteiro bicando as construções e obeliscos locais – que, ok, não são feitos de madeira, como é público e notório. O imperador Nero passa os dias tocando violino e reclamando do Pica-Pau. Lógico que o pássaro também destroi seu instrumento, e acaba tomando seu lugar. A frase que você lembra: acho que nenhuma, mas a cena final com os rugidos do leão e do próprio Pica-Pau deve ter assustado muitas crianças.

“REFLORESTAMENTO À FORÇA” (1968). Um dos vários desenhos do Pica-Pau que se passam num parque nacional dos Estados Unidos – são 59 áreas de proteção ambientais no país, por sinal. O personagem é o maior inimigo da área, já que destroi todas as árvores. Curiosidades: 1) O filme no original se chamava Peck of trouble, e saiu também um livro do Pica-Pau com o mesmo nome 2) Tem um filme da série Looney Tunes de 1953 com o mesmo título, em que o Frajola tenta comer um pica-pau; 3) O nome do parque em que o Pica-Pau ataca as árvores é Gallstone National Park – literalmente, “Parque Nacional da Pedra na Vesícula”, e é lógico que não existe nenhum parque nos EUA com esse nome. A frase que você lembra: “Ah, eles querem brincar de faroeste, não é?”

https://www.youtube.com/watch?v=1mkhblOPhRU

“VAMOS ÀS CATARATAS” (1956). “O” clássico do Pica-Pau. Originalmente chamado Niagara fools (trocadilho com “Niagara falls” e literalmente “idiotas de Niagara”), o desenho fazia troça de uma triste realidade: uma porrada de gente pôs mesmo em prática a ideia de jerico de descer num barril as cataratas do Niagara, localizadas na fronteira entre os EUA e o Canadá. O primeiro caso conhecido foi o de uma professora chamada Annie Edson Taylor que, sem dinheiro, solitária e acumulando dívidas, decidiu em 1901 descer as águas tencionando vender a história para a imprensa. Annie, que já tinha 63 anos, saiu inacreditavelmente ilesa da aventura (viveu até os 83!) e até ganhou um cascalho, mas nada significativo. Entre suicidas e malucos em potencial, já teve gente tentando descer o Niágara usando barris, jet skis, botes e até uma bola inflável bem grande (este último foi o caso de Kirk Jones, um sujeito que morreu em 19 de abril de 2017, tentando fazer justamente isso). E você lembra de duas palavras: “aeeeeee” e “marche!”.

Ricardo Schott é jornalista, radialista, editor e principal colaborador do POP FANTASMA.

Cultura Pop

Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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