Cultura Pop
Lembra do cringe pop?
Falar em “lembra do cringe pop?” é até sacanagem. Mas do jeito que as pessoas andam usando o termo cringe como se não houvesse amanhã, vale perguntar se o termo não voltou à mídia como se não tivesse havido ontem. De acordo com o site TechTudo, “a palavra de origem inglesa consiste em uma gíria utilizada para se referir às situações desconfortantes e constrangedoras vivenciadas por determinada pessoa. Usuários das redes sociais tornaram popular o termo, que significa algo como ‘vergonhoso’, em tradução livre.
O cantor Ritchie entrou na história para explicar, com autoridade de inglês radicado no Brasil, que cringe nao é bem o que andam pensando.
“Cringe” é um verbo inglês, não um adjetivo. Dizer q “fulano é cringe” não faz sentido algum. No máximo, poderia se dizer que fulano é “cringeworthy”, (digno de desgosto, asco ou desprezo). De nada. #justsaying
— Ritchie ? (@ritchieguy) June 19, 2021
Agora vem cá, alguém aí se lembra que essa história de cringe já não é de hoje? E que por volta de 2016/2017 uma turma enorme começou a falar em cringe pop como sendo uma nova tendência do pop? Que aliás já não era nem mais tão nova assim: a música que algumas pessoas têm como a iniciadora do ~movimento~ saiu em 2011. É nada menos que Friday, da então adolescente Rebecca Black.
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O cringe pop costuma ser definido como um estilo que produz canções e clipes alegadamente tão ruins (na opinião de muitos) que você “não consegue parar de assistir”. Tal conceito, vale dizer, comporta tanto desgostos quanto preconceitos. De modo geral, o termo define clipes que poderiam ser feitos com equipamento rudimentar e aplicativos baratos.
A letra de Friday, aliás, rendeu pragas, piadas e críticas, além de vários dislikes no YouTube: “Ontem foi quinta, quinta/Hoje é sexta, sexta/Nós-nós-estamos tão entusiasmados, estamos tão entusiasmados/A gente vai se divertir hoje/Amanhã é sábado/E o domingo vem depois”. Por outro lado, o clipe fez muito sucesso, e Rebecca precisou lidar com uma boa dose de cyberbullying.
Logo na sequência, vieram outros hits que muita gente considerou como cringe pop. A indiana Dhinchak Pooja soltou Selfie maine leli aaj (“tirei uma selfie hoje”), uma canção quase falada, com um clipe em que aparece tirando selfies desesperadamente.
Bhim Niroula, outro indiano, lançou Sunday morning love you e fez bastante sucesso.
Taher Shah, do Paquistão, lançou Angel em 2016 e logo virou outro grande hit, associado posteriormente com o cringe pop.
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Em 2016, a tal onda de cringe pop virou um caso de discussão geral. Jacintha Morris, uma funcionária pública de 52 anos de Kerala, no sul da Índia, lançou Is Suzainn a sinner?,que logo virou hit. E ganhou clipe mostrando o dia a dia de uma mulher que decide mudar o próprio estilo e afrontar o conservadorismo.
Uma matéria na BBC explica que a tal ideia de categorizar a canção como cringe pop fez muito mal à cantora. Primeiro porque a ideia dela não era produzir uma obra prima trash, e sim incentivar mulheres a largar o estilo de vida tradicionalista. Mas com o sucesso do clipe, surgiu uma campanha de trollagem da cantora, além dos dislikes no YouTube.
“O pior pesadelo aconteceu quando jornais online escreveram uma reportagem muito suja sobre meu vídeo, me comparando com o cantor paquistanês Taher Shah. Depois, ridicularizaram todos os membros da família, minha filha”, disse Morris, que chegou a ouvir pedidos dos filhos para que deletasse o vídeo do YouTube. Ela chegou a definir o clipe como “o projeto dos seus sonhos”.
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“Eu estava muito chateada, muito triste e não entendia as tags, ou Taher Shah, ou qualquer coisa”, afirmou ela, que na reportagem chegou a fazer um pedido: “”Por favor, não mate os talentosos. Especialmente aqueles que querem fazer o bem para os outros, aqueles que querem ajudar, aqueles que se posicionam contra a injustiça, especialmente o gênero feminino”.
Um texto do site Alternative Story põe mais lenha na fogueira, dizendo que “há uma necessidade urgente de mudar a lente com a qual olhamos para essas canções, referindo-se a ‘qualidade’ como um termo negativo que exclui as pessoas”. O texto também diz que muitas vezes deixa-se de dar valor à energia de uma canção.
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“Cringe pop é uma oportunidade para melhorar a autoestima e aceitação. Somos constantemente pressionados para ser os melhores. Para entrar nas melhores faculdades, nas melhores empresas, sobreviver em grandes cidades, obter promoções, buscar prêmios e reconhecimento por nossa capacidade e talento. Esses marcadores se tornaram nossa definição de realização e sucesso, dos quais nosso valor e autoestima são excessivamente dependentes. O pop cringe é um convite para redefinir esses significados”, afirma o texto.
“Ao ridicularizar cantores pop estranhos por compartilharem amplamente seu conteúdo de ‘má qualidade’, estamos reforçando a ideia de que uma pessoa será respeitada apenas quando produzir um trabalho de ‘boa qualidade’ e quando for o melhor no que faz. Também há hipocrisia nessa zombaria”.
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Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
Crítica
Ouvimos: Dead Boys, “Live in San Francisco”
A Cleopatra Records, uma gravadora de Los Angeles que se dedica a lançar em edições oficiais-ou-quase antigos discos piratas (boa parte deles de punk rock, psicodelia e pedradas obscuras dos anos 1960) revisita agora o catálogo de bootlegs dos Dead Boys, com esse Live in San Francisco.
O show foi gravado em 2 de novembro de 1977, na época de lançamento da estreia do grupo, Young, loud and snotty (1977) e já esteve nas lojas com vários nomes: Live 1977, Live in Old Waldorf (local em San Francisco onde rolou o tal show), Down in flames, etc. Não muda o fato de que é um piratão legítimo, com qualidade de gravação de demo antiga (foi tirado na verdade de uma transmissão da emissora KSAN-FM) e sem muitos tratamentos. Mostra pelo menos o peso do grupo na época, além de uma seleção de faixas de Young, além de algumas que sairiam só no segundo álbum, We have come for your children (1978).
O material dos Dead Boys seria bastante influente em gerações posteriores do punk, do power pop e até do rock pauleira (Guns N’Roses, por exemplo). A abertura com Sonic reducer e All this and more mostra um estilo de punk rock herdadíssimo de artistas como Alice Cooper, Ramones, David Bowie, Rolling Stones, New York Dolls. Um som que, mesmo antes do vocalista Stiv Bators abrir a boca, já se impunha pela atitude, pelas microfonias e pelo clima descompromissado musicalmente – no nível da desafinação em alguns momentos, como em All this and more, a desbocada Caught with the meat in your mouth e outras, todas aplaudidas por uma plateia audivelmente pequena, mas animada.
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- Stiv Bators: o “outro nome” do punk em documentário
- Entrevista: Frank Secich fala sobre a pouco lembrada (e ótima) carreira solo de Stiv Bators
Flame thrower love, que sairia só no segundo disco, está no álbum ao vivo e já trazia uma diferença em relação ao material anterior: era uma canção punk basicamente construída em cima de um riff pesado, algo bem mais próprio do hard rock. A destrutiva Son of Sam, entre gritos de Stiv e viradas erradíssimas do baterista Johnny Blitz, era formada por uma estranha mescla de pós-punk deprê e acordes poderosos na linha do The Who. No final, a cacofonia de Down in flames, cantada por Bators quase sem voz, e a homenagem aos Stooges com a releitura de Search and destroy, com microfonias no fim.
Os Dead Boys não sobreviveriam, pelo menos inicialmente, ao excesso de drogas, às incompreensões do mercado e a seu próprio comportamento destrutivo. O grupo voltou em 2017 e recentemente anunciou um disco gravado por uma turma all-stars, liderada pelo guitarrista original Cheetah Chrome – disco esse que já causou polêmica porque o vocalista Jake Hout acusa a banda de querer usar a voz do falecido vocalista Stiv Bators em IA. Só vendo, mas o passado, com todos os seus defeitos e qualidades, tá aí.
Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
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