Cultura Pop
Entrevista: Rogério Skylab fala de show novo, cosmos, pandemia e jornalismo

Convidamos você a ler essa entrevista com Rogério Skylab sem rir, e encarando o trabalho dele a sério. Discos como Crítica da faculdade do cu (lançado em 2019 e que faz parte da “trilogia do cu”) e músicas como Matador de passarinho vêm de pensamentos filosóficos, recordações de tempos idos e de observações do dia a dia, e não de uma vontade de apenas fazer piada. O cantor e compositor carioca leva para o Circo Voador (Lapa, Rio) no sábado que vem (dia 3 de setembro, um dia após seu aniversário de 66 anos) o show de seu disco novo, Caos e cosmos 2, quarto movimento de uma nova série com o tema “cosmos”. Em meio a músicas como A gente vai ficar surdo, Terror e O corpo real da Paola, gêneros musicais como jazz, samba e chorinho aparecem nessa fase nova da carreira do artista, cuja faceta mais piadista, gozadora, acabou ficando mais à frente nesse tempo todo.
Isso aconteceu, claro, por causa de canções como Meu pau fica duro, Você é feia, Carrocinha de cachorro quente e Dedo no cu e gritaria, mas também porque, nas entrevistas que deu para programas de TV, ficou difícil tirar o foco desse lado – que, de fato, chama a atenção. Uma ambiguidade que Skylab assume e com a qual procura lidar, como conta nesse papo com o Pop Fantasma, no qual fala de show novo, pandemia, entrevistadores (de Jô Soares e Danilo Gentili ao Monark, do podcast Flow) e até de um certo presidente aí.
(lembrando que na mesma noite no Circo vão rolar o show da banda Blastfemme, na abertura, e a festa Bauhaus)
Como tá sendo pra você esse retorno aos palcos?
Eu fui muito severo em relação a qualquer espécie de liberdade durante a pandemia, sabe, cara? Eu já tenho uma natureza ligada à reclusão, mas a pandemia me levou a uma longa quarentena. E aí eu recebi alguns convites de shows, mas não quis, não. Segui à risca o protocolo. A única vez que me apresentei foi numa live, que foi gravada durante a pandemia violenta mesmo.
Sem vacina, sem nada…
É. Eu fiquei com medo, sabe, cara? Mas como era apenas a banda… A gente gravou lá no estúdio Companhia dos Técnicos (estúdio em Copacabana), tinha um piano lá, fui fazer. Foi a única vez que me lembro de ter saído do protocolo. Não fiz show nenhum, só um recente, uns dois meses atrás no festival Picnik, em Brasília.
E o show vai ser no Circo Voador, onde você está acostumado a lançar discos…
Exato. Eu lancei agora o Caos e cosmos 2. Tenho trabalhando em cima desse projeto do Cosmos, que vai ter cinco discos. Ele vai terminar com o Caos e cosmos 3, que vai ser lançado no próximo ano. Esse projeto Cosmos é um total de cinco volumes. A minha relação com o Circo é muito familiar, pra mim é muito natural que eu faça esse show lá… No show eu vou cantar algumas músicas do último disco, mas pra mim é impossível cantar só isso. Sempre faço um apanhado de todos os discos. Vou passar por toda a minha discografia.

Skylab ao vivo no Circo (foto: Augusto César/Acervo Circo Voador)
Eu queria saber um pouco como começou essa história do “cosmos”, de fazer discos com esse tema. Porque inicialmente o projeto começou com você querendo homenagear o Moacir Santos, o Hermeto Pascoal e o Eumir Deodato regravando músicas deles, mas quando regravou as do Moacir teve problemas com a família dele, e o projeto foi deixado de lado, não foi isso?
É verdade. Você sabe que tocou num assunto que pra mim foi foda? Essa coisa dos direitos autorais, dos herdeiros, é séria. Eu deveria ter tido mais cautela e não tive. Eu gravei (músicas do Moacir para lançar no primeiro disco da série do cosmos), dai ouço a música e penso: “Putz, não vou poder lançar”… (rindo)
E deve ter ficado bem legal.
Nossa, ficou tão lindo! Porque o pessoal que me acompanha tem toda uma escola ligada ao jazz, o Leandro Braga no piano, o Pedro Aune no contrabaixo acústico e o Rodrigo Scofield na bateria. Eles têm toda uma manha ligada ao jazz, quando gravei duas músicas do Moacir ficou lindo. Depois de gravá-las é que fui entrar em contato com os herdeiros. O filho dele, que mora na Califórnia, não autorizou. Daí a gente não pode fazer nada e o que me resta é ficar ouvindo no meu computador (rindo).
Mas a ideia do cosmos… Eu tinha feito umas trilogias antes. Uma delas, anterior à do cosmos, foi a trilogia do cu. Tem os discos O rei do cu, Nas portas do cu e Crítica da faculdade do cu. Eu sou formado em filosofia, e um dos grandes pensadores para mim, um dos que mais me influenciaram, foi Gilles Deleuze. Tem um livro dele em que ele fala justamente do processo de desterritorialização. As forças saindo da terra e atingindo o cosmos. Foi aí que eu tive a ideia de primeiro fazer a trilogia do cu, como um processo de imanência, que tá na Terra, tá fundado no centro da Terra. E depois a desterritorialização, atingindo o cosmos, as forças cósmicas. Foi essa imagem do Deleuze que me levou a fazer esses dois projetos.
É uma maneira descontraída de falar de temas profundos, não?
Sim, aliás quando você fala em cu… Tem grandes intelectuais que têm debruçado sobre essa questão, inclusive um trans espanhol muito famoso, que fala justamente sobre a questão conceitual do cu. Minha grande dificuldade foi me apresentar em programas como o do Danilo Gentili. E eu vou mesmo, não tenho esse tipo de idealismo de esquerda, apesar de ser ligado à esquerda, de pensar: “Ah, o Danilo Gentili é de direita. Então não vou ao programa dele”. Esse tipo de pensamento eu não tenho, quando lanço um trabalho quero ter espaço de apresentação, até para afirmar minha música.
Mas uma das dificuldades que tenho é: como você vai falar do cu no programa do Danilo Gentili? Porque vai ser levado para a questão da gozação, do machismo, de piadas bobocas… Sei que vou sempre enfrentar essa dificuldade. Mas não poderia deixar de fazer isso, sempre procurei desenvolver todo um discurso filosófico ligado ao cu. E sei que essa ambiguidade também é uma coisa muito importante. Provavelmente no meu público vou ter muitos bolsonaristas, Muitas pessoas que gostam do meu trabalho têm uma perspectiva bolsonarista, de levar meu trabalho pro lado brincalhão, pro lado da piada, pro lado do escárnio, do bizarro, da sacanagem. Mas tem todo um outro lado que eu trabalho na perspectiva da filosofia. Essa ambiguidade eu assumo no meu trabalho.
Você tá falando do Danilo Gentili e eu me lembrei muito de você no Jô Soares. Muitas vezes o público estava rindo, mas você, não. Estava ali falando sério! Como era pra você estar lá?
O Jô Soares foi o grande responsável pelo fato de eu ser conhecido pelo grande público. Eu apresentei grande parte da minha discografia lá. Quando ele estava se despedindo da Globo, apresentando os últimos programas, ele me chamou. Ali, eu percebi que era uma despedida, que ele iria se aposentar e nenhum outro programa daquela emissora iria poder substituí-lo. Ao mesmo tempo eu sabia que muitas pessoas iriam me conhecer apenas por causa do Jô. E a partir daí iriam fazer toda uma imagem do Skylab como um cara divertido, brincalhão, piadista, que o Jô também explorava muito esse lado.
Ao mesmo tempo em que ele foi muito importante para me fazer ficar conhecido do grande público, ele também investiu numa imagem do Skylab como um cara ligado à piada. E muitas pessoas, em vez de conhecerem minha música pela minha discografia, que tá toda presente nas plataformas digitais… Enfim, não tem desculpa por não conhecer!
Verdade…
Mas enfim, a pessoa acabou me conhecendo apenas pelas minhas participações, e por ter apresentado apenas uma música, ou outra. É pouco, né, cara? É um lado apenas, a pessoa não conhece a discografia, que é o mais importante.
Quando rolou a história do Monark falando sobre partido nazista, e descobriram aquela entrevista em que você questionou os apresentadores do podcast Flow (o cantor disse que os apresentadores não estavam num botequim e que precisavam ter responsabilidade com o que era falado e transmitido), houve uma série de matérias com título “conheça Rogério Skylab, o cara que questionou o Monark”, “quem é Rogério Skylab?”. Como você viu o fato de aparecer tanta gente querendo te “apresentar” após tanto tempo de carreira?
Mas as pessoas esquecem! Você pega uma geração nova… Ainda mais em se tratando do Flow. Eu estive muito presente no podcast, fui umas quatro vezes lá. A primeira vez em que fui lá, o podcast era desconhecido. Bom, não era bem desconhecido, mas não tinha um público imenso. E o público era eminentemente de garotos despolitizados e que viviam ali no limbo da internet, nos jogos eletrônicos. Quando me chamaram pela primeira vez, sabia que era isso.
À medida que o tempo foi passando, muitos políticos da esquerda começaram a ver ali um filão muito importante, porque você iria entrar em contato com um público imenso. A partir daí as pessoas que frequentavam o Flow passaram a ser de todas as tendências. Eu me lembro de quando o Guilherme Boulos foi no Flow. O Moro foi, o Ciro foi… No primeiro programa que eu fui no Flow, disse que a esquerda não podia dar as costas àquilo. Desde o começo da minha carreira, nunca dei as costas à grande mídia. Televisão, Jô Soares, Danilo Gentili, Flow… Tem um segmento da esquerda que fala: “Você não pode ir a esses lugares, são lugares fascistas”. Sempre achei que meu discurso era pro grande público e sempre que houver oportunidade vou estar presente.
O Flow, por acaso, se definia como um bate papo de botequim… E pelo menos no meu entendimento bate-papo de botequim eram as entrevistas do Pasquim, ou algo parecido. Como você vê isso hoje?
Quando você se remete ao Pasquim… Realmente o Pasquim era gigantesco, cheguei a ler muito. Eu vi agora essa sabatina do Jornal Nacional com o Bolsonaro e isso me fez pensar como que o nosso jornalismo vive uma queda, uma decadência. Você vê aqueles comentaristas do GloboNews e compara com o pessoal do Pasquim. Eu até coloquei recentemente num post: que saudade que eu tenho de um Tarso de Castro, de um Fausto Wolff, de um Luiz Carlos Maciel… Eles eram grandes jornalistas e escritores. O próprio Alberto Dines, que era uma figura maravilhosa… Como o nosso jornalismo decaiu!
A Renata Vasconcellos e o William Bonner ficaram totalmente vazios diante do Bolsonaro, no Jornal Nacional. Agora imagina por exemplo o Tarso de Castro diante do Bolsonaro. Ia massacrar! Mas isso dai eu acho que expressa a decadência do jornalismo. Na verdade uma decadência que se expressa em todos os níveis da sociedade, não só do jornalismo. A gente tinha grandes jornalistas e hoje vive num mar de mediocridade.
Eu ia mesmo perguntar o que você achou da entrevista do Bolsonaro…
Eles se mostraram muito tolerantes com aquelas mentiras, uma atrás da outra. E você não reage! Isso pra mim é terrível. Dois jornalistas que não reagem à altura do papel que eles ocupam diante daquele festival de mentiras, de besteiras. Isso pra mim é doloroso.
Como você, que teve sempre uma discografia organizada e numerada, tá vendo o formato álbum hoje em dia? Você acha que ele ainda é valorizado?
Sabe que eu tô começando a pensar sobre isso? Eu me formei nos álbuns, tenho todo um histórico de ouvinte de álbuns, sou da época do vinil, na minha casa tem vinil pra caramba. A ideia de álbum pra mim sempre foi muito importante, álbum pra mim é como um livro, um filme. A primeira música do álbum, a última, a primeira dialogando com a segunda, o caminho que vai da primeira até a última. As questões que eu coloco, uma música dialogando com a outra… É uma coisa orgânica.
Quando desapareceu o CD e passou a ser streaming, a ideia do álbum continuou pra mim, não importa a mídia. Continuei produzindo do mesmo jeito. Mas estou começando a pensar a possibilidade, pela primeira vez, de lançar singles num próximo trabalho. Um mês lanço num single, no outro mês lanço o outro, no outro mês lanço o outro… Muda todo o conceito de álbum. Pra mim a ideia de colocar todas as músicas juntas é muito importante. É uma possibilidade nova. Hoje muita gente faz só isso.
E as plataformas não têm muita informação sobre quem toca, quem compõe… Pra você que tem lançado discos com participações isso deve ser um problema, não?
Isso é um outro problema! Pra superar essa questão eu tenho meu site e lá eu dou todo o histórico dos discos, informando todos os participantes, todos os dados técnicos. E também faço o mesmo no YouTube, coloco todos os dados técnicos. Agora, a questão do Spotify, das outras plataformas… Não tenho esse controle. Através do YouTube e do meu site, coloco tudo.
Aliás, o Abismo e Carnaval saiu em 2012, então a mudança que você fez na sua discografia, dos discos numerados para as séries, está completando dez anos. Como você decidiu fazer essa mudança?
Eu sempre penso que esse decálogo, dos discos com meu nome, do Skylab I ao X… É uma série de dez discos, né? Mas vejo que nesse aspecto não tem diferença, sempre trabalhei com a ideia de série. Os discos do Cosmos são cinco volumes. Pra mim a ideia de série é muito importante, nesse sentido eu não diferencio o decálogo dos discos do Carnaval. Tem algo que permanece em comum, que é justamente a ideia de série.
Mas se você mergulhar nesses dez discos, você vai encontrar elementos que vão estar presentes no meu último disco. Isso acontece desde meu primeiro disco, que nem era de série nenhuma e saiu em vinil, o Fora da grei (1992). Se você ouvir aquele repertório, várias músicas daquele disco eu regravei: Casas da Banha, por exemplo. Muito do estilo que já estava se construindo ali, ele vai estar presente em outros discos que gravei.
Como você pensa a divulgação dos seus trabalhos? Neste ano já foram dois discos, o ao vivo tirado da live e o Caos e cosmos 2? Já rolou isso em outros momentos, não? Rola um cuidado para um disco não atropelar o outro?
Essa periodicidade foi constante em toda minha carreira, nos meus quase 30 anos de carreira minha produção foi anual. Esse exemplo da live foi o único em que saíram dois trabalhos num ano, mas a live tá meio à margem da minha discografia. Se você produz dois por ano, nem trabalha direito a divulgação. Eu venho de um tempo em que a imprensa oficial tinha a importância muito grande. O que o Tárik de Souza ou o que o Antônio Carlos Miguel escrevessem, tinha um peso muito grande.
Hoje o que eles escrevem não tem peso nenhum, vamos convir. Pode me dar aí um grande nome da grande imprensa, de notório saber, que não vai ter importância nenhuma. Hoje a indústria é outra. A forma de entrar em contato com a música é uma outra forma completamente diferente. Eu fui de um tempo em que produzia meu disco e… quantas vezes eu não fui na redação do Globo, ou na redação do Jornal do Brasil? Eu fui, eu fazia isso. Lembro de vários jornalistas, o Pedro Só, uma porção deles. O meu primeiro disco, Fora da grei, teve uma repercussão muito boa no Jornal do Brasil, diria até que os dois grande impulsionadores da minha carreira foram o Jô Soares e o Jornal do Brasil.
Essa era uma época, hoje é outro momento. Hoje o lançamento do disco para mim não tem mais aquela importância, de você chegar, ir na redação, acabou isso. O lançamemto é “quando o disco será lançado nas plataformas?” . Ele é normalmente lançado á meia-noite, zero hora, e aquele momento é muito importante, o público tá ouvindo pela primeira vez e vai começar a soltar as ideias, as opiniões, que são tão importantes quanto o texto do velho jornalista. É a opinião anárquica das pessoas. Não é mais a crítica engessada da grande imprensa. É uma outra história. Depois eu vou fazer o trabalho de formiguinha, mostrando uma música ou outra, o trabalho das redes sociais.
Foto lá de cima: Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
Cultura Pop
Urgente!: Nova do Hot Chip, “DVD” do Oasis em Cardiff, The Rapture de volta com turnê

RESUMO: Hot Chip (foto) anuncia coletânea e lança single e clipe. Fã produz vídeo do primeiro show do Oasis em Cardiff só com imagens feitas por fãs. The Rapture anuncia turnê pelos Estados Unidos e Canadá.
Texto: Ricardo Schott – Foto Hot Chip: Louise Mason/Divulgação
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Vai sair pela primeira vez uma coletânea do Hot Chip, Joy in repetition, prevista para 5 de setembro. Vale até a pergunta que muita gente já se fez: qual a importância de coletâneas nessa época de playlists e aplicativos de música com poucas infos? Bom, a importância de uma boa coletânea de hits é enorme, vale por uma setlist bem montada e pode contar uma história. E elas eram as playlist de duas décadas atrás.
No caso de Joy, ela traça o caminho do Hot Chip do tempo dos cachês baixos até a época em que jornais como The Guardian já estavam classificando Alexis Taylor, Joe Goddard, Owen Clarke, Al Doyle e Felix Martin como o maior grupo pop de seu tempo. E entre hits como Ready for the floor, I feel better e Look at where we are, ainda tem uma música nova de altíssimas proporções de grude: Devotion, já lançada em single, que é uma mescla de pop adulto, eletrônica psicodélica e futuro hit de pista, com clipe gravado no Japão.
Taylor rasga seda: Devotion é “uma celebração da devoção a este projeto coletivo”. E ele ainda faz um baita elogio ao colega Joe Goddard: “Penso no Joe como alguém parecido com o Brian Wilson, com uma dedicação enorme em descobrir como criar a música pop mais incrível possível”. Errado não está.
***
Alguém com (felizmente, não estamos julgando) muito tempo livre pegou varias imagens diferentes do primeiro show do Oasis em Cardiff, feitas por fãs da banda, e compilou um (digamos) DVD do show.
O registro tá o mais fiel possivel, apesar das imagens à distância e do som nem sempre maravilhoso – vale como um belo bootleg das antigas. Tem ate o som da fitinha de Fuckin in the bushes na abertura, e a voz do apresentador do show. Detalhe: quem botou o video no ar tentou se livrar de problemas avisando que o video nao é monetizado. Pode ser que não ganhe strike do YouTube. “É de um fã apenas para fãs”, avisa.
***
E ainda Oasis: vale ler o texto de Liv Brandão, fera do jornalismo musical brasileiro recente, sobre como a setlist do show do Oasis não foi apenas uma setlist. Foi uma aula de storytelling daquelas – como numa (olha aí) coletânea daquelas que vinham com textos contextualizando tudo.
“Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem (…). Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então”. Leia o restante na newsletter dela
***
Banda importante do dance punk dos anos 2000, The Rapture voltou, mas não há ainda nenhuma novidade a respeito de disco novo – nem de shows no Brasil, já avisamos. Na real, esse grupo novaiorquino já está de volta desde 2019, com o cantor Luke Jenner como único membro fixo, mas não havia retornado de fato. Fizeram alguns shows, mas pararam as atividades por conta da pandemia, e foi só. Dessa vez, o grupo tem uma turnê de verdade pela frente, que começa dia 16 de setembro no mitológico First Avenue, em Minneapolis, e passa por várias cidades dos EUA e Canadá até novembro.
“Anos atrás, quando me afastei da banda, eu precisava de tempo e espaço para reconstruir minha vida”, conta Jenner sobre a volta, sem comentar diretamente sobre as brigas intermináveis que a banda tinha lá por 2014. “Eu precisava consertar meu casamento, estar presente para meu filho e, por fim, trabalhar em mim mesmo. Esta turnê marca um novo capítulo para mim, moldado por tudo o que vivi e aprendi ao longo do caminho. Conquistei tudo o que esperava alcançar através da música e agora posso usá-la para ajudar qualquer pessoa que talvez precise, como eu precisei naquela época”.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop9 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop7 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop8 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?