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Entrevista: Astro Venga volta com EP e anuncia nova formação

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Entrevista: Astro Venga volta com EP e anuncia nova formação

Conhecida pelos poderosos shows realizado em lugares públicos do Rio, e por unir repertório autoral a covers repletas de peso, a banda instrumental carioca Astro Venga retorna com Mvtatis, EP de duas faixas, Objeto abjeto e O lobo e o leão (esta, com quase oito minutos). Por acaso, o nome do disco vem da expressão em latim “mutatis mutandis” (“mudando o que se deve ser mudado”), e marca algumas modificações na vida do grupo.

Pra começar, Christian Dias (guitarra), Antonio Paoli (baixo) e Jonas Cáffaro (bateria), que gravaram o material no Estúdio Soma+lab, em Campos dos Goytacazes (RJ), antes da pandemia, aproveitaram para explorar bastante o estúdio como um instrumento – indo bem além da experiência da banda como um “power trio de rua”, que na verdade já passou até pelo Rock In Rio, em 2015  e por palcos como o Circo Voador. Construíram um repertório cheio de climas, com passagens quase progressivas. Percussões e violões surgem para dar mais brilho no som.

A outra mudança é na formação: Mvtatis (lançamento do selo Caravela Records) fecha um ciclo, já que Christian sai do grupo e dá lugar a Dony Escobar (Os Vulcânicos, Matanza), que foi um dos fundadores da banda. Com isso, Mvtatis vira um registro único da formação de Christian, Antonio e Jonas, e o novo trio já parte para novos projetos. Batemos um papo rápido com Antonio Paoli sobre as novidades do Astro Venga. Confira aí (Foto: Fernando Valle/Divulgação).

As duas músicas novas foram gravadas entre 2019 e 2020, e depois veio a pandemia. Como foi deixar esse material guardado por tanto tempo?

Antonio Paoli: O pior não foi só ter guardado o material na pandemia, que já foi uma coisa horrorosa. Foi ter material novo e não poder lançar porque estava com esse EP preso.

A banda está mudando de formação. Como tá sendo lidar com esse clima de chegadas e partidas no grupo, e como estão indo os ensaios?

A troca foi muito tranquila porque o Doni já era o fundador da banda. Então foi praticamente a volta do integrante que fundou a parada. Nesse processo de entrada dele, aproveitamos para redirecionar a banda. Isso porque (citando as músicas do disco) O lobo e o leão apontam para o passado e Objeto abjeto mostra o caminho futuro da banda: mais harmônico, mais colorido, com menos solos, mais temas… Com a entrada do Doni, a gente tá podendo desenvolver isso melhor.

É isso o que está por trás dos títulos das faixas, então…

O lobo e o leão é uma despedida do Chris e um olhar para o passado, uma homenagem a tudo que a gente fez, mas quem aponta os caminhos futuros é o Objeto abjeto. Há muita liberdade na escolha dos títulos. Como não há letra, a gente pode viajar em aliterações e títulos interessantes. As próximas músicas por exemplo que vamos lançar no segundo semestre, vai aí o spolier, são Zoroastro, do Doni, e a Astrodeus, minha. Sempre há alguma mensagem incutida nesses nomes.

Como surgiu a Caravela Records na história? E sobre os próximos shows?

O Dudv da Caravela Records é uma pessoa que acompanha a banda desde os primórdios, tá sempre com a gente e é um apoiador da música autoral. A gente não viu outro jeito se não fazer com a Caravela. Sobre os shows, estamos desenvolvendo algo dentro desse novo formato que pretendemos passar, inclusive com músicas novas além das músicas do EP.

Vocês fizeram parte de uma geração de bandas que tocavam na rua, em eventos ao ar livre, ou em praças. Qual foi o maior aprendizado que veio disso? Houve alguma roubada inesquecível?

Foi muito profícuo o nosso momento na rua. Quase não consigo lembrar de alguma coisa que tenha sido muito furada. O interessante foi meio que educar os guardas municipais e a PM de que havia uma lei que nos garantia de estar ali. Era muito interessante ver que quando nós apresentávamos a lei a eles, eles tiravam foto e mandavam para o batalhão falando da legalidade da ação. Os perrengues ficaram ofuscados pelo carinho recebido das ruas.

O maior aprendizado da rua foi descobrir que o povo consome a arte independente do estilo. E o povo, muito dependente da mídia de massa, fazia da rua um canal para a gente ir diretamente até ele. A gente viu que não há problema nenhum em tocar rock ou tocar um estilo diferente do habitual do país, porque as pessoas vão consumir a cultura.

Como eu disse, independente do estilo a gente tinha uma ponte muito interessante que era a questão das versões que a gente fazia de músicas que estão no inconsciente coletivo mundial. Sempre com um toque autoral muito presente.

Falando nas versões, que eram de músicas como Nuvem cigana (Milton Nascimento), Sítio do Pica-Pau Amarelo (Gilberto Gil), como era a receptividade do público? Acontecia de alguém ser surpreendido com alguma versão e aquilo ser tão inusitado que a pessoa nem reconhecia a música de cara? (pergunto isso porque eu mesmo, quando ouvi Sítio do Pica Pau Amarelo com vocês, fiquei com o riff na cabeça, pensando por alguns segundos ‘gente, de que música é isso?’, e não reconheci de cara)

A ideia de fazer esses medleys foi muito pela intenção também de alcançar um público eclético, em faixa etária e social diferentes. Então a gente via jovens, idosos, pessoas em situação de rua, engravatados, todos se divertindo e dançando. Esse era o nosso público nos espaços públicos, o mais variado possível.

Sobre Nuvem cigana, foi uma coisa muito especial porque todos somos muito fãs de música mineira, e era bem difícil você colocar aquela música dentro no universo de um power trio de rock. Mas acho que o resultado ficou bem interessante. Como eu disse, essa foi nossa primeira ponte com um público, mas isso não impedia da gente tocar as nossas autorais e ser consumido da mesma maneira.

E tinha os medleys, como o do Sítio com Red, do King Crimson, não?

O autoral foi sempre muito presente na banda, então quando a gente meteu a mão para mexer nas versões, isso veio muito naturalmente. Foi até o cerne de várias músicas depois que a gente foi compor. E essa brincadeira de você levar uma música infantil como o Sítio do Gil e colar ela no Red, é diferente e divertido. Então sempre foi um prazer trazer essas músicas para o nosso universo. Temos como base nas nossas influências um tipo de música que seria punk no tamanho e progressivo na forma, com adição de funk de anos 90 e groove swing.

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Entrevista: Leandro Souto Maior e o livro “Paul McCartney no Brasil”

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Entrevista: Leandro Souto Maior e o livro "Paul McCartney no Brasil"

Aparentemente, Paul McCartney não está querendo conhecer a nossa batucada. O nome mais histórico do rock a circular em turnê mundial já veio ao Brasil diversas vezes, claro. Mas como ele não costuma interagir muito com nossos artistas, seu suposto desinteresse pela música nacional virou artigo da Folha, escrito por Gustavo Alonso, e ganhou espaço numa entrevista que Pedro Bial fez com ele no Conversa com Bial. O apresentador insistiu em abordar ligações do cantor com o país, e ouviu dele que chegou a assistir a um show de um artista brasileiro em Nova York (“mas não me lembro do nome dele”, esclareceu Paul).

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O tal artista do qual Paul diz não se recordar é Ivan Lins, e existem até fotos do beatle com o cantor – Paul foi a um show dele na megalópole em 2001 e foi cumprimentá-lo no camarim. E agora os tais traços de união do cantor com o Brasil vão estar elencados num livro. Paul McCartney no Brasil, de Leandro Souto Maior, vai sair em breve pela editora Garota FM Books e está em processo de crowdfunding (opa, corre que a campanha acaba no fim do mês e dura só mais essa semana!).

O livro tem prefácio de Samuel Rosa, orelha escrita por Pedro Bial, foto de capa de Marcos Hermes, e traz detalhes da relação de Paul McCartney com o país, apurados com artistas, repórteres, fãs etc. E traz uma série de curiosidades, como a do chaveiro que foi foi chamado às pressas para abrir a porta do camarim do Paul no Estádio do Morumbi, porque a chave havia quebrado na fechadura (o chaveiro assistiu ao show das internas do Morumbi, a convite de Paul, ganhou lanche e ainda recebeu – claro! – pelo serviço).

Leandro, autor também de Jimmy Page no Brasil, adianta mais algumas coisas do livro. Confira:

Qual foi a grande diferença de pesquisa entre o livro do Paul e o do Page? O Page morou no Brasil, o que já deve ter dado um grande diferencial no montante de material, imagino… É isso mesmo, como você falou. O Jimmy Page tem uma história aqui, ele comprou terreno, construiu casa. Foi todo um processo, porque ele passava temporadas às vezes até longas por aqui. O Paul só veio pra tocar.

São histórias bem diferentes, e a do Jimmy foi uma busca por uma história que não tinha sido contada ou estava mal contada. Tive que apurar a nacionalidade da Jimena (ex-esposa brasileira de Page), se é argentina, brasileira ou não. Foi meio trabalho de detetive. O do Paul é um almanaque mesmo, tive que organizar muita coisa. Foram 36 shows por aqui, tá tudo em ordem cronológica. Contextualizei tudo, pus o disco que ele estava lançando, qual o repertório. Acompanhando isso vem o depoimentos de famosos e anônimos. E ainda tem diversas histórias exclusivas, como a do chaveiro!

Falou-se bastante de um suposto desinteresse de Paul McCartney pela música brasileira. Como viu isso? Afinal, ele tem que ter algum interesse? Cara, acho que há uma cobrança… No prefácio do livro, Samuel Rosa destaca que gostaria de ter visto Paul interagindo com a música brasileira, ou fazendo uma visita ao Caetano Veloso, como fez Mick Jagger. Ou quem sabe cantando uma música brasileira, como fez o Bruce Springsteen quando cantou Sociedade alternativa, do Raul Seixas, no Rock In Rio.

Mas ao mesmo tempo, ele arremata esse raciocínio com a frase: “Mas fora isso, não faltou nada! Ele é o cara que ensinou todo mundo a fazer música”. Então, essa coisa de pegar esse aspecto para julgá-lo, fazer qualquer tipo de crítica… Acho um pouco injusto. Mas Paul foi realmente assistir a um show do Ivan Lins em Nova York, fez questão de ir ao camarim cumprimentar o Ivan e a banda, se interessou pelos instrumentos mais tipicamente brasileiros da banda, enfrentou fila para falar com ele. Tem foto dele com o Ivan dessa ocasião.

E mais: antes dos shows do Paul tem o DJ dele tocando, o Chris Holmes, que sempre toca versões de músicas dos Beatles, e eventualmente entram versões de artistas brasileiros. O Marcelo Froes, do selo Discobertas, que lançou diversos títulos com essa pegada de versões dos Beatles, contou que o Chris Holmes chegou a tocar algumas músicas dos CDs dele nas discotecagens. Ele depois contactou o DJ, falou que era do selo que lançou a música, e o DJ disse que achou o disco num sebo nos Estados Unidos. Como o Chris disse que tudo que ele toca, passa antes pelo crivo do Paul, então o Paul escutou a versão feita no Brasil, e aprovou. E Chris ressaltou que o Paul adora versões abrasileiradas, meio bossa nova, das músicas dos Beatles.

Como fã e pesquisador, qual a parte da carreira solo do Paul McCartney que mais te interessa? Nem diria que há uma fase, gosto de vários discos de várias fases. O melhor disco solo dele pra mim é o Ram. Para mim é nível Beatles, incrível esse disco. Um outro que eu gosto é o Band on the run, embora o Band on the run já seja do Wings, não é exatamente carreira solo… Mas também adoro o Flowers in the dirt, um discaço, o que ele veio lançar no Brasil quando veio da primeira vez.

Foram muitos shows dele no Brasil. O que o fã brasileiro dele e dos Beatles tem, que atrai tanto o Paul? Você acredita que ele volta aqui? Todo artista elogia o público brasileiro, diz que é o melhor do mundo. O Jimmy Page falava isso do público brasileiro, falou isso em entrevistas para revistas gringas e brasileiras. Acho que isso é unanimidade, a galera daqui alopra mesmo (risos). Beatles bateu muito no Brasil, a beatlemania no Brasil foi quase contemporânea, rolou ao mesmo tempo.

Tem um texto no meu livro escrito pelo grande jornalista Ricardo Schott (opa!) falando disso! Eles lançavam uma música nova lá e na mesma semana já tinha a versão tocando aqui. O pessoal conhecia na rádio primeiro a versão, depois a original. Teve a Jovem Guarda, que é a versão brasileira da beatlemania, os Mutantes, que são o ápice dos Beatles psicodélicos. Teve o Clube da Esquina, com a música Para Lennon & McCartney

Sobre ele voltar, se quiser, ele volta ao Brasil. Pelo que eu vi no palco do show dele no Maracanã na última turnê, o Paul estava muito serelepe. Ele não vai estar menos disposto se quiser voltar ano que vem. Bom, você perguntou se ele volta, eu tô já pensando em ano que vem (risos). Ou daqui a dois anos. Se demorar muito, aí acho que ele não volta mais. Mas se for para um futuro próximo, acho que ele tem energia para voltar.

O Nélio Rodrigues e o José Emilio Rondeau fizeram o livro Sexo, drogas e Rolling Stones e disseram que a pesquisa deles para o livro começou nos anos 1960, quando começaram a gostar da banda. E a sua? Diria que começou quando passou a gostar de Paul e dos Beatles? Tem o livro Rolling Stones no Brasil (também do Nélio) que é muito inspirador, foi ele que inspirou o Jimmy Page no Brasil. Eu pensei: “Queria ter feito esse livro, será que tem outro personagem para fazer?” E cheguei no Jimmy Page como um personagem de grande estatura no mundo do rock, e com uma relação para lá de íntima no Brasil.

O Paul é uma sequência disso, venho pesquisando desde os anos 1970, nasci em 1973. Desde que comecei a gostar de Beatles, são bricks on the wall, tijolinhos no muro da minha paixão pela banda, do meu conhecimento da história, das carreiras solo, que acabou descambando em querer escrever um livro sobre o Paul. Beatles é minha banda predileta. Led Zeppelin é minha segunda banda predileta, embora Jimmy Page seja meu guitarrista predileto. Tava faltando eu escrever alguma coisa sobre os Beatles e achei uma história legal que ainda não havia sido contada, ou reunida ou organizada.

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Entrevista: Bobs (Active Minds) fala de punk rock, independência e política

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Entrevista: Bobs (Active Minds) fala de punk rock, independência e política

O Active Minds é uma lendária banda inglesa de punk rock fundada em 1986 na cidade de Scaraborough, mesmo lugar que deu ao mundo o ator Ben Kingsley. Com uma formação bastante incomum, composta pelos irmãos Bobs (vocal e guitarra) e Set (bateria), esse dueto lançou por conta própria dezenas de albuns e EPs no melhor esquema “Faça Você Mesmo”, bem como excursionou pelo mundo inteiro, inclusive pelo Brasil em 2017. O Pop Fantasma contactou o simpático e verborrágico vocalista Bobs e o resultado disso foi essa entrevista onde ele fala (muito) sobre a cena punk mundial, política, serviços de streaming e muito mais. Divirta-se!

Primeiramente gostaria de dizer que estou muito feliz em entrevistá-lo. sou um grande fã do Active Minds! Gostaria que você fizesse uma breve introdução sobre vocês, quando a banda começou, quem são suas maiores influências e tudo mais para quem ainda não te conhece.

Começamos como Active Minds em 1º de janeiro de 1986 e formamos a partir das cinzas de outra banda chamada S.A.S. Eu era o cantor do S.A.S. (e mais tarde, virei segundo guitarrista também) e lançamos o EP Suave and sophisticated em 1985, mas depois que esse EP foi lançado a banda começou a se desintegrar.

Perdemos nosso baterista Vince e o guitarrista Tony, então meu irmão Set entrou na bateria e outro cara chamado Stu entrou para tocar guitarra. No entanto, a nova formação não estava funcionando tão bem quanto a antiga – Set, em particular, lutou para substituir Vince, já que Vince era o único músico devidamente treinado na banda, enquanto Set estava apenas começando a aprender. Então, embora tivéssemos lançado um EP e as pessoas começassem a nos perguntar sobre fazer shows, não estávamos tocando bem o suficiente (na minha opinião) para atingir os padrões que tínhamos antes.

Na véspera de Ano Novo de 1985, Set e eu discutimos a criação de apenas dois integrantes, reduzindo a música ao básico. Essa formação também nos permitiria focar no que queríamos dizer liricamente, de maneiras que não sentíamos ser possível com os outros caras da banda. Então, no dia seguinte, começamos a trabalhar como Active Minds, reformulando alguns sons antigos do S.A.S. e escrevendo novas canções. Dissemos aos outros dois que estávamos separando a banda e, como eles já tinham começado a trabalhar com outro projeto chamado Satanic Malfunctions, não sentimos que seria um golpe tão grande para eles, o compromisso deles com o S.A.S. já não era mais o mesmo. Mantivemos nossos equipamentos em nossa sala de ensaio e começamos a praticar apenas em dupla.

Desde então, obviamente lançamos muitas gravações e fizemos turnês por vários lugares, incluindo o Brasil. Eu não diria que temos “maiores influências” musicalmente, pois ouvimos uma grande variedade de coisas e muitas vezes tentamos incorporar diferentes estilos e elementos em nossas músicas (às vezes com mais sucesso do que outras, mas faz parte).

Uma coisa que acho muito interessante no Active Minds é que você usa temas políticos em suas letras, mas também escolhe temas diferentes para cantar, que são incomuns na cena punk, como fumar nos shows, as partes problemáticas da esquerda política, sobre uso e abuso de álcool e/ou outras drogas e por aí vai. Você recebeu muitas críticas por causa disso?

Tivemos algumas problemas quando desafiamos as coisas que aconteciam na cena punk ou hardcore, particularmente quando iniciamos as atividades, mas suponho que isso já era de se esperar, Porém o desejo de sermos honestos e verdadeiros connosco próprios foi uma das principais razões para deixarmos o S.A.S. e nos estabelecemos como Active Minds, então sabíamos desde o início que isso iria incomodar algumas pessoas.

Sempre tentamos ser atenciosos e honestos tanto no que dizíamos e quanto maneira como dizíamos, e também queríamos ser uma banda que questionasse o mundo que vemos ao nosso redor. Assim sendo, como uma grande parte da cultura ao nosso redor era a cenas musical e política as quais estávamos envolvidos, pareceu-nos natural portanto ver partes disso com um olhar crítico e comentá-las.

A internet tornou as fronteiras nacionais uma coisa do passado, deu às bandas uma janela aberta para levar sua música até as grandes massas e possibilitou que muitas pessoas no Brasil conhecessem o Active Minds. Por outro lado, tem fechado cada vez mais as pessoas em bolhas e alimentado o radicalismo político cada vez mais frequente no mundo. Como lidar com isso?

Este é um dos principais problemas dos nossos tempos atuais, e se eu soubesse como lidar com isso provavelmente não estaria sentado aqui escrevendo isto! (o papo com a gente foi por e-mail)

Penso que a polarização cada vez mais intolerante do discurso político é um enorme obstáculo ao progresso no mundo, mas o modelo de negócio das empresas de redes sociais fez com que isso se tornasse algo inevitável. Essas empresas precisam ganhar dinheiro, apesar de oferecerem serviços gratuitos aos que as utilizam. O seu fluxo de receitas provém da venda da atenção desses utilizadores aos anunciantes e os anunciantes pagarão sempre mais se tiverem a certeza de que as pessoas passam muito tempo em plataformas de redes sociais, ao invés das atividades às quais ocostumavam pagar para ter visibilidade, como TV, rádios e revistas.

Isto então cria um incentivo comercial para simplesmente manter as pessoas na sua plataforma o maior tempo possível, chamar a atenção delas e, de alguma forma, forçar o seu “engajamento”. Infelizmente, a controvérsia, o ódio e a negatividade chamam a atenção com muito mais facilidade do que qualquer outra coisa, então, com o uso de programas algorítmicos, é isso que passa a dominar. Não acho que seja algo que alguém planejou. Acontece que, no mundo das redes sociais, descobrimos que a merda chegou ao ápice.

Isso pode acabar? Não sei. Pode depender de este modelo de negócio começar a falhar ou não, e pode haver sinais de que isso está a acontecer. O “escândalo” da Cambridge Analytica (NOTA DO EDITOR: Em 2018, foi descoberto que a A Cambridge Analytica comprou informações pessoais de usuários do Facebook e usou esses dados para criar um sistema que permitiu influenciar as escolhas dos eleitores nas urnas, segundo a investigação dos jornais The Guardian e The New York Times) mostrou a muitas pessoas a realidade de que os seus dados estavam a ser recolhidos e manipulados por organizações com segundas intenções, e houve uma certa reação contra isso. Se as pessoas puderem cancelar o uso de muitos dados por terceiros e optarem por fazê-lo, o modelo se tornará menos útil para os anunciantes e esse fluxo de dinheiro poderá diminuir.

Ao mesmo tempo, os governos de todo o mundo exigem que as empresas de redes sociais assumam a responsabilidade pelos conteúdos nocivos nas suas plataformas, e a moderação desses conteúdos, além de exigir muita mão-de-obra, é dispendiosa, haja vista que os custos podem aumentar enquanto os rendimentos diminuem para elas. Em última análise, parece possível pra mim que a prestação destes serviços gratuitamente possa chegar ao fim, e penso que se as pessoas tivessem de pagar para utilizar o Facebook, o Twitter, o Instagram, etc., haveria uma queda significativa nessa escalada de ódio que surge quando se opera quase exclusivamente em bolhas online.

O problema então será, claro, o que viria a seguir? A cultura moderna está atualmente tão ligada ao acesso às redes sociais gratuitas que é difícil imaginar o que faríamos sem elas. Mas houve um tempo, muito recentemente, é claro, em que a nossa atual cultura online teria sido inimaginável. As coisas mudam de maneiras que não podíamos prever anteriormente e todos nós nos adaptamos de maneiras que nunca sabíamos que precisaríamos. Isso sempre vai acontecer.

Essa é uma curiosidade pessoal minha: por que vocês nunca tiveram um baixista? Foi uma decisão consciente começar como dupla?

Nos sentimos confortáveis trabalhando apenas nós dois. Não somos realmente uma banda; somos irmãos, e o Active Minds é a forma como esse relacionamento se expressa musicalmente. Trazer outra pessoa não parece certo, especialmente a essa altura do campeonato.

Sabemos que ser apenas um duo impõe restrições ao que podemos fazer musicalmente, mas aceitamos esse compromisso para não termos que nos comprometer com outras coisas que não teriam a ver com a gente. É por isso que começamos conscientemente como uma dupla. Eu sei que não havia muitas bandas de dois integrantes na época (e ainda não há), mas havia bandas que ouvíamos da Escandinávia ou da Itália onde o baixo era tão empurrado para o fundo que não nos pareceu tão necessário ter um, então pensamos que poderíamos fazer a coisa funcionar.

Qual a sua opinião sobre os serviços de streaming? Agora você não precisa de gravadoras para que sua mensagem chegue a mais pessoas, mas por outro lado, se até os artistas mainstream reclamam do que recebem das gravadoras, nós que somos artistas underground certamente sofremos ainda mais; afinal, também temos contas a pagar. Como sobreviver como artista nos dias de hoje?

Acho que é uma situação muito difícil para as bandas, assim como para tantas outras pessoas envolvidas no trabalho criativo. Essencialmente, o mundo moderno parece girar em torno de todos que querem acessar gratuitamente a este tipo de trabalho, mesmo que custe dinheiro e tempo para produzir, o que torna nosso trabalho subvalorizado. A única maneira de obter algum lucro parece então ser confiar nas receitas publicitárias, o que cria dois problemas para as bandas e outros que querem ser pagos pelo que fazem mantendo ao mesmo tempo alguma dignidade e respeito próprio.

Em primeiro lugar, é preciso envolver-se indiretamente na promoção da cultura consumista, porque sem essas receitas publicitárias convencionais o modelo de streaming não funciona de todo. E em segundo lugar, você precisa autopromover ativamente suas coisas, muito mais do que era necessário anteriormente. Este parece ser um fator da vida cotidiana, todo mundo lutando por espaço e atenção online de uma forma excessivamente competitiva. Este tipo de comportamento, na minha opinião, não está de acordo com o tipo de atitudes cooperativas que eu cresci vendo a cena punk e hardcore sempre fomentando.

Certamente é algo totalmente estranho para nós como banda e, ainda por cima, é algo em que não somos muito bons. A menos que você esteja transmitindo grandes volumes de material, a quantidade de dinheiro que você receberá não cobrirá os custos de ser uma banda que precisa ensaiar e pagar tempo de estúdio. Isso também leva as bandas a se tornarem mais comercialmente orientadas de outras maneiras – concentrando-se principalmente na fabricação de camisetas e outros produtos. Novamente, isso é algo em que jamais nos envolvemos. Nunca fizemos camisetas do Active Minds pra vender, por exemplo.

É claro que há alguns pontos positivos na prevalência do streaming também como forma de acessar música. Não se pode negar, ela torna a música muito mais facilmente disponível para pessoas de todo o mundo do que ela jamais foi. E também, a falta de dependência de formatos físicos pode poupar recursos naturais preciosos (embora isso seja difícil de dizer, pois não creio que alguém tenha analisado adequadamente o uso de energia dos serviços de streaming nesses termos; temos uma proliferação de centros de dados em todo o mundo, que utilizam grandes quantidades de energia apenas para manter os arquivos carregados sempre disponíveis para qualquer pessoa com acesso à Internet).

No final das contas, acho que para os músicos é praticamente um caso que você pode ter sucesso ou ter integridade e respeito próprio, pois parece praticamente impossível ter ambos. Mas talvez, no fim das contas, o jogo tenha sido sempre assim…

Quando você olha para trás, quais são algumas das melhores e piores lembranças dos anos que você passou com essa banda até agora? Como a cena hardcore punk mudou ao longo dos anos, do seu ponto de vista?

Acho que as melhores e as piores lembranças vêm da mesma atividade: Fazer turnês por diferentes países, conhecer novas pessoas, conhecer novos lugares e ouvir novas bandas. Muitos destes momentos foram alguns dos mais inspiradores da minha vida, particularmente nas primeiras vezes que nos afastamos da Europa no final dos anos 80 e início dos anos 90, e vimos a organização dos locais ocupados em muitos países. Quando vimos esses lugares pela primeira vez, o conceito era muito novo para nós (não havia locais ocupados e centros autônomos no Reino Unido dessa forma), e eles abriram nossa cabeça em muitos aspectos.

Algumas das nossas viagens também foram uma verdadeira aventura! Ver partes do mundo que provavelmente nunca imaginávamos que veríamos e da forma como as vimos… Além das nossas muitas viagens pela Europa, também tocamos no México, EUA, Canadá, Brasil, Rússia e Japão, cada um dos quais foi um enorme choque cultural em muitos aspectos. Também tocámos na Europa de Leste pouco antes da queda do Muro de Berlim e do colapso do sistema comunista naquele país, e isso foi ao mesmo tempo uma grande aventura e uma experiência cultural significativa para nós.

Às vezes, as coisas dão errado nas turnês (ficar doente e ter que continuar tocando noite após noite quando você realmente não é capaz de fazê-lo é desgastante demais). Houve alguns shows ruins – às vezes devido ao nosso estado de saúde, às vezes devido à má organização local (não quero dar exemplos disso, pois pode não ter sido culpa dos organizadores; eles podem ter tentado o seu melhor, mas lutaram contra situações as quais não estou ciente), e às vezes tivemos lugares inadequados, horríveis para nos hospedarmos depois. Mas, no geral, tudo é muito divertido.

Como as coisas mudaram? Quando começamos, em meados dos anos 80, a cena punk “Faça Você Mesmo” era bem nova e, em muitos aspectos, ingênua. Coisas como administrar selos e zines eram novidade para todos, então estávamos todos aprendendo como fazer isso na base da tentativa e erro. Houve muita atividade, pois parecia que mais pessoas estavam a se envolver no movimento querendo fazer a coisa engrenar.

Em meados dos anos 90, o número de pessoas que geriam coisas como editoras e selos tinha reduzido significativamente, mas penso que as pessoas também tinham descoberto como fazer as coisas melhor, porque era possível confiar mais na organização das coisas. Muitas das pessoas que ainda estavam ativas quando chegamos a meados dos anos 90 parecem ainda existir hoje; quando viajamos pela Europa, ainda trabalhamos e encontramos pessoas as quais tivemos nosso primeiro contato há mais de 20 anos. .

Obviamente, uma das principais diferenças agora tem sido a internet (não só na cena como em todas as demais esferas da vida). Tornou a comunicação com pessoas de outros países muito mais fácil, então organizar shows no exterior é algo que se tornou muito mais comum para as bandas. A oportunidade para que mais pessoas possam partilhar experiências com aqueles que, em algum momento, dificilmente teriam a oportunidade de conhecer é, obviamente, uma grande coisa. Mas, à medida que se tornou mais comum as pessoas obterem informações online, a presença de zines impressos diminuiu enormemente – particularmente os zines menores e os da turma do “Faça Você Mesmo”, o que é uma coisa triste

E também agora há uma dependência crescente do acesso à música online – mas a gente já discutiu isso antes…

Bobs, eu sei que você é membro do Partido Verde e até concorreu muitas vezes em eleições locais. Você chegou a se eleger? Também acho que Set também foi candidato ao Parlamento Europeu, estou certo? Qual é a sua principal agenda a nível local/nacional? Eu acho que isso pode parecer um pouco estranho ou contraditório para algumas pessoas, pois muita gente pensa que o Active Minds é uma banda anarquista… então quais são suas principais razões para se envolver com o Partido Verde?

Antes de mais nada, convém ressaltar que só eu estava envolvido com o Partido Verde, não o Set. Fui membro durante cerca de 20 anos e participei em muitas eleições, incluindo as eleições parlamentares britânicas e europeias. Também estive no Comitê Executivo Nacional do Partido durante três anos, servindo como Coordenador de Políticas.

A nível local, fui eleito para o Conselho local aqui por volta de 2006 e servi durante 5 anos, embora no final desse mandato já não fosse mais membro do Partido Verde nacional.

Saí há cerca de 15 anos após a decisão de criar o cargo de Líder do Partido. Até então, o Partido Verde não tinha líder e não seguia uma hierarquia política convencional – tendo antes uma cultura de tomada de decisão mais coletiva. Isso foi algo muito atraente para mim e foi a principal razão pela qual entrei. Considerei o Partido como um projeto não apenas para promover políticas progressistas sobre ecologia e direitos humanos, mas também como uma forma de abraçar uma forma diferente de fazer política, uma forma em que uma cultura participativa pudesse ser promovida. Com a decisão de passar para uma estrutura mais convencional, senti que o Partido começou a mudar os seus princípios para tentar perseguir os votos de um eleitorado mais passivo, e isso era algo que eu jamais podereia apoiar, então saí.

A principal agenda que sempre segui foi semelhante às coisas sobre as quais falei nas notas de capa dos discos do Active Minds: sustentabilidade ecológica, direitos humanos e animais, e uma distribuição mais justa de recursos tanto a nível nacional como em todo o mundo. Escrevi algumas das políticas nacionais do Partido na altura em que estive envolvido (incluindo as suas políticas fiscais e sociais) e fui uma das pessoas responsáveis pela supervisão dos manifestos eleitorais nacionais.

Não tenho a certeza de quantas pessoas que nos ouvem sabem que eu estava envolvido na política partidária desta forma, mas nunca escondi isso. Tenho certeza que muitas pessoas pensam em nós como uma banda anarquista, mas esse não é um rótulo que usamos para nos referirmos a nós mesmos. Nunca me considerei um anarquista. Acredito em sistemas administrativos de bem-estar social e justiça, acredito na existência de leis para coibir o comportamento daqueles que prejudicam o planeta e os seus habitantes e acredito no conceito de democracia, mesmo que muitas vezes fique aquém das suas promessas quando colocado em prática.

O que você sabe sobre a música brasileira?

Eu me lembro de ter lido sobre punk e hardcore brasileiro pela primeira vez no início ou meados dos anos 80, e me perguntando se algum dia conseguiria ouvir essas bandas. Mas assim que a banda começou, logo tivemos contatos no Brasil para quem estávamos escrevendo e negociando discos.

Sou colecionador de músicas de todo o mundo há quase 40 anos, inclusive de música brasileira, então acho que tenho muitos discos daí – de músicas antigas como Colera, Olho Seco, Inocentes, Ratos de Porão, etc. até bandas mais modernas. Adorei a crueza e o ataque primitivo do primeiro hardcore brasileiro (acho que a compilação Grito suburbano foi a primeira coisa que ouvi). Eu vi o Cólera tocar aqui há alguns meses, e aqueles primeiros discos deles têm muitas músicas maravilhosas.

E, claro, nem preciso dizer que o metal brasileiro também é bastante famoso por aqui…

Não posso deixar de perguntar. Você tem acompanhado o cenário político no Brasil? Qual é a sua opinião sobre isso?

Não é algo que acompanho de perto, mas durante o tempo em que Bolsonaro foi presidente, era difícil não prestar atenção em algumas coisas que aconteciam! Penso que o seu mandato foi de grande preocupação para muitas pessoas em todo o mundo e foi uma indicação de como as posições políticas repressivas e regressivas podem facilmente ganhar força, especialmente se um país parecer estar em alguma turbulência política. Fiquei, claro, muito satisfeito em ver Bolsonaro derrotado nas eleições e Lula de volta como presidente.

Obviamente, não sei como o povo brasileiro vê a sua situação política no dia a dia, mas do meu humilde ponto de vista aqui do outro lado do mundo, parece que Lula é um dos líderes políticos mais sinceros e com visão de futuro do mundo. Porém, novamente, parece que as presidências brasileiras estão sempre envolvidas em escândalos e processos criminais, e é difícil, daqui da Inglaterra, ter qualquer noção real se estas são ou não apenas caças às bruxas com motivação política (algo que sempre será reivindicado por aqueles que que estão sendo investigados, diga-se de passagem).

Não estou tendo a mesma sensação de caos e convulsões desde as últimas eleições (bem, pelo menos não desde a tentativa fracassada de manter Bolsonaro no poder à força que aconteceu aí em janeiro), mas ainda é o começo. Espero que não comecem mais a surgir alegações de corrupção, porque esse é exatamente o tipo de situação que favorece os homens fortes da política de direita.

Alguma chance de uma nova turnê brasileira? E que mensagem você gostaria de deixar para seus fãs daqui?

Nós fizemos uma turnê pelo Brasil em 2017 e aproveitamos muito nossa estadia aí. Porém, sendo muito honesto, acho improvável que voltemos. Estamos envelhecendo e nossos familiares também – temos problemas de saúde na família e precisamos estar sempre por perto para ajudar, então fazer turnês é complicado no momento. Além disso, não me sinto muito confortável em viajar para o exterior para fazer shows hoje em dia. O planeta está a lutar para lidar com as exigências que os humanos lhe colocam, por isso não quero acrescentar muito a isso e prejudicá-lo ainda mais, pareceria hipócrita para mim.

Então, para aquelas pessoas no Brasil que gostam do nosso material, desculpe, mas acho que é improvável que vocês nos vejam tocando ao vivo novamente. Mas ainda estamos gravando muita coisa (provavelmente agora mais do que nunca), então nos acompanhe no Bandcamp, em canais de streaming ou como você costuma acessar músicas.

E muito obrigado pelo seu interesse. Abraços!

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Entrevista

Entrevista: Salomão di Pádua fala sobre “Canta Brasília para o mundo”

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Salomão di Pádua: história da MPB de Brasília em disco

Maranhense de nascimento, Salomão di Pádua começou sua carreira musical em 1992, foi morar em Brasília em 1997 e passou a fazer shows por lá e a relacionar-se com a música local. Para comemorar os 30 anos de história na música e homenagear a capital federal, seu novo álbum, que sai pelo selo GRV, é Salomão di Pádua canta Brasília para o mundo, repleto de canções de artistas que escolheram Brasília para morar.

O disco tem participação do conterrâneo Zeca Baleiro, e tem releituras como Modo de ser (composta por Clodo Ferreira, autor de canções gravadas por Fagner), e Bicicleta (de Eduardo Rangel, compositor local). Tem também blues, como em Timidez, do autor local Fred Brasiliense. Já Quase um segundo, hit dos Paralamas do Sucesso, surge em versão bossa nova. Salomão, que acaba de lançar um novo single, A musa e o menestrel, ao lado de Carlos Jansen, bateu um papo com a gente para falar do disco (colaboração de Diego Pessoa, do selo Hominis Canidae).

Como a música apareceu na sua vida?

Sempre fui envolvido com a arte, desde pequeno – na escola, na igreja – nas pecinhas de teatro. Mas só fui enveredar pela música quando cursava o ensino médio – embora eu sempre tenha dado sinais da importância da música em minha vida desde quando ouvia Rita Lee, aos dez anos, escondido dos meus avós. Nasci numa família evangélica e lá não se ouvia “música do mundo”. Durante o ensino médio ingressei no coral da escola, depois ainda cantei em mais dois ou três corais da cidade. Em 1992, por meio de um festival promovido pela Secretaria de Cultura, realizei o meu primeiro show solo. Mas antes disso eu já me interessava em dar canjas pelos bares e fazia participações especiais nos shows de amigos cantores. Em 1997 parti para Brasília, onde vivo até hoje, fazendo música, e acho que não vou parar nunca mais.

Canto e faço música porque, de outra forma, é como se a vida não tivesse sentido. Música está presente em tudo o que faço, durante as 24 horas do meu dia, seja no chuveiro, no carro, no ônibus, andando, parado, malhando… Além do mais o artista não é artista porque escolheu ser, é preciso que ele sinta que é, e como um cantor nato que sei sou, genuíno, sinto que a música também é uma missão, porque ela transforma também, faz verdadeiros milagres na vida de quem canta, toca e ouve.

Como você foi parar em Brasília?

Interessante que Brasília nunca foi pra mim um lugar onde eu pudesse ter alguma visibilidade enquanto artistas, enquanto cantor. Enquanto vivia em São Luís sempre tive Brasília como uma cidade política que existia pra cuidar do país, de uma arquitetura linear, cinzenta, fria e seca. Eu nunca imaginei que aqui seria a cidade maravilhosa, achei que era o Rio (risos). Sempre trabalhei, desde os 18 anos, em São Luís. De 1989 a 1996 eu fui servidor da Secretaria de Planejamento do Estado, concursado e tudo. Aí em 1996 uma amiga resolve mudar-se para Brasília e me convida pra conhecer. Tirei uma licença e vim, mas não era nada do que eu pensava. Uma delicia de clima, de cidade, as pessoas, amigos que fui fazendo. Então ao retornar para São Luís, só fiquei o tempo de pedir demissão. Isso mesmo. Enquanto tanta gente se mata de estudar pra passar num concurso, fui lá e pedi pra sair (risos). Cheguei aqui pra ficar em abril de 1997.

O que ainda há do Maranhão na sua arte?

Eu tento manter ao máximo o que aprendi no Maranhão, em todos os sentidos. Mas claro que quando se vive em outro lugar, durante quase trinta anos se absorve costumes e peculiaridades que de tanto tempo vai tomando conta do seu modo de ser, da sua rotina, e você só percebe isso quando retorna ao seu ninho mais uma vez. Musicalmente eu sempre incluo em meu repertório músicas de compositores queridos, do Maranhão, sempre estou em contato com todos.

Sonoramente, você transita pelo que podemos chamar de MPB e música pop. Como chegou a isso?

Os caminhos me levaram para a MPB porque foi o que cresci ouvindo. Ainda bem que sou da época em que só se ouvia coisa boa, toda a safra da música popular brasileira da minha época é boa, permanece e é imortal. Tenho o privilégio de ter ouvido Rita Lee, Elis Regina, Clara Nunes, Tom Jobim, Cássia Eller, artistas que me ensinam muito ainda, porque a música se perpetuou. Tive a sorte de ter sido escolhido pela MPB, e se eu tivesse a oportunidade de escolher a escolheria com certeza. O pop, o samba, o baião, a bossa são estilos com os quais eu trabalho e tenho muita sorte por ter sido acolhido pela música pra fazer exatamente o que amo fazer, música popular brasileira.

Alguns álbuns da sua extensa carreira não estão nos streamings. Por que?

Quando gravei o primeiro, Entre sambas e canções (em 2007), o único álbum que não está em streamings, a intenção era ter um cartão de visitas para apresentar melhor o meu trabalho, um CD-demo, como chamávamos. Eu ganhei o patrocínio de um amigo que infelizmente faleceu antes do CD ficar pronto, gravei 14 faixas entre músicas consagradas e inéditas. Não comercializei por não ter os direitos autorais de todas as faixas. E então chegaram as lojas digitais e também os outros álbuns que consegui jogar nos streamings, e nunca consegui verba suficiente para a liberação das músicas. Mas ainda farei isso.

O novo álbum é uma homenagem à Brasília e também à sua carreira que chega aos 30 anos. Como foi o processo de escolha das faixas? Foi muito difícil deixar canções de fora?

Muito difícil. Na verdade, tivemos que estabelecer um critério já que íamos deixar tanta música boa de fora. Então buscamos considerar os nomes dos autores. Quem era importante gravarmos? Mesmo assim ainda ficou gente de fora. Por coincidência alguns dos selecionados tinham verdadeiros clássicos da música de Brasília, a exemplo de Renato Matos, Eduardo Rangel e Paulo Mattos, dos quais gravei Um telefone é muito pouco, Bicicleta e Pequena mágoa, três hits consagrados em suas respectivas épocas que não poderiam ficar de fora. Então garantidas essas três, as outras vieram pelo que fui sentindo, simplesmente pela emoção, então trouxe a balada, o blues, o samba, a bossa-nova. E para a missão de escolha desse roteiro eu contei com o meu amigo Agilson Alcântara, produtor musical desse trabalho e ainda responsável por todos os arranjos e a direção musical.

Senti falta de alguma coisa da Legião Urbana, banda formada por artistas que não são nascidos em Brasília mas se criaram na capital. Não pensou em gravar nada deles?

Na verdade eu gostaria de gravar uma sequência de álbuns (volume 1, 2… 10) desse projeto. Infelizmente o recuR$o que recebemos não nos garantiu o pagamento de tantos direitos autorais, por isso a maioria da música é liberada de forma direta (negociada com o próprio compositor). E tivemos que eleger uma música nacional que representasse Brasília, então escolhemos Herbert Vianna, mas poderíamos sim ter escolhido alguma do Legião…

O ideal seria fazer como o Emílio Santiago, uma aquarela só de músicas de Brasília, parte 2, 3, 4… (risos). Música com certeza não faltaria. Muita música boa ficou de fora, com certeza, mas infelizmente não temos como fazer esse planejamento já que dependemos de recursos, sendo artistas independentes como somos.

Particularmente curti a inclusão de Um telefone é muito pouco, que nos anos 1980 foi gravada pelo Leo Jaime e tocou no rádio. O que representou essa música pra MPB de Brasília, pelo que você se recorda, já que é uma música que ficou bastante popular nessa época?

A gente teve que levar em consideração alguns critérios e o principal deles é o autor, então pela história do Renato Matos, um dos artistas mais conhecidos no cenário brasiliense, a gente escolhe sua música mais famosa Um telefone é muito pouco. E nossa responsabilidade de manter a qualidade, dando a nossa interpretação a nossa releitura foi um grande desafio. Essa música com certeza marca uma época de explosão musical não só em Brasília, mas em todo o Brasil.

O que o futuro te reserva? Já existem novos planos?

A princípio queremos trabalhar mais a divulgação desse novo álbum e tentar levá-lo o mais longe possível dentro do nosso quadradinho (DF) ou, quem sabe, fora dele. Aí necessariamente teríamos que ter um programa de incentivo ou um edital, já que os custos de um espetáculo não é barato. Fizemos recentemente um lindo show de lançamento no Teatro SESC Garagem, e contei com uma campanha de financiamento coletivo que deu muito certo. E isso é o que faz com a gente siga acreditando no nosso trabalho. Um dos meus planos como artista é fazer de algum modo um projeto de intercâmbio entre o Maranhão e Brasília, tendo em vista a quantidade de maranhenses residentes na capital federal. Com certeza teríamos um público significativo.

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